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Calçadas com buracos, falta de elevadores, sistemas sem acessibilidade e desrespeito de motoristas são algumas das barreiras encontradas na instituição.

 

Liana é cadeirante e tem dificuldade para acessar certas áreas da UFPB (Foto: Liana Coliselli/Arquivo Pessoal)

Liana é cadeirante e tem dificuldade para acessar certas áreas da UFPB (Foto: Liana Coliselli/Arquivo Pessoal)

A vida na universidade tem algumas rotinas inevitáveis. Resolver pendências na coordenação, pegar livros na biblioteca, assistir a aulas em laboratórios, pegar documentos no setor administrativo e enviar atividades no sistema online são atividades constantes no dia a dia de alunos e professores universitários. Porém, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), elas podem ser mais barreiras do que hábitos para pessoas com deficiências.

Liana Coliselli tem uma doença genética chamada Osteogênese Imperfeita, mais conhecida como doença dos ossos de vidro, e, por causa de sequelas de fraturas sofridas, usa cadeira de rodas para se locomover. Cursando biotecnologia na UFPB, ela relata dificuldades enfrentadas diariamente dentro do campus: calçadas com buracos, rampas com inclinação errada, falta de rampa, auditórios sem elevadores, bibliotecas com elevadores porém não funcionam.

“As calçadas com buracos aumentam as chances de eu sofrer quedas, o que não posso sofrer de jeito nenhum. E o problema com as rampas é que em alguns lugares, preciso pedir auxílio para terceiros pra poder chegar até o lugar. Na biblioteca, fico sem conseguir acessar o local de estudos e também os livros”, disse.

“Na eleição para reitor, eu não votei porque a urna estava em uma sala onde era preciso acessar uma escada pra chegar lá. Perdi algumas palestras também, por serem em locais onde não havia elevador”, contou Liana.

Apesar das dificuldades, Liana tem o auxílio de um programa da própria universidade que oferece alunos apoiadores aos alunos com deficiência física. “Eles nos ajudam muito quando não podemos fazer por nós mesmos. O apoiador garante que eu consiga chegar até a aula, faz o meio de campo com o professor”, disse.

Monaliza (esq.) foi apoiadora de Liana por cerca de três anos e mudou a forma de ver a acessibilidade (Foto: Liana Coliselli/Arquivo Pessoal)Monaliza (esq.) foi apoiadora de Liana por cerca de três anos e mudou a forma de ver a acessibilidade (Foto: Liana Coliselli/Arquivo Pessoal)

Uma dessas apoiadoras foi Monaliza Sousa, que faz o mesmo curso de Liana e a ajudou durante cerca de três anos. Nesse tempo, ela, que não tem deficiência física, percebeu os problemas que os colegas passam para fazer coisas que ela considerava simples na universidade.

“Percebi que muitas calçadas são precárias em rampas e banheiros sem estrutura nenhuma para deficientes físicos, com porta estreitas e tudo mais”, explicou, acrescentando que até ela mesma encontra obstáculos enquanto ajuda a amiga. “Sinto dificuldades na questão da acessibilidade, pois nem todos os lugares tem como ela entrar com cadeira de rodas, alguns laboratórios, por exemplo”, concluiu.

A coordenadora do Comitê de Inclusão e Acessibilidade (CIA) da UFPB, Andreza Polia, afirmou que, quando são identificados problemas de ordem arquitetônica, um processo interno é aberto e encaminhado à Prefeitura Universitária (PU) para que seja feita qualquer modificação. O G1 entrou em contato com a PU da UFPB para saber se há previsão para resolver os problemas estruturais de acessibilidade na instituição, mas, após mais de um mês, as questões não foram respondidas.

Jean é deficiente físico e tem dificuldade para tem acesso ao laboratório do curso, no segundo andar (Foto: Krystine Carneiro/G1)Jean é deficiente físico e tem dificuldade para tem acesso ao laboratório do curso, no segundo andar (Foto: Krystine Carneiro/G1)

Falta de elevadores

O estudante do curso de Tradução Jean Emmerick também precisa de estruturas acessíveis para se locomover. Ele tem deficiência física desde que nasceu – porque teve paralisia cerebral – e usa muletas canadenses para andar. Ele consegue caminhar, mas, por causa de uma compressão em um nervo atrás do joelho, que causa muita dor, não pode andar longas distâncias. O problema é que o laboratório e a coordenação do curso ficam localizadas no primeiro e no segundo andar, respectivamente, de prédios diferentes, ambos sem elevador.

“O principal problema é, sem dúvidas, a acessibilidade no Laboratório de Tradução. Não ter acesso ao laboratório significa não ter acesso a diversas ferramentas de tradução que eu provavelmente irei utilizar no futuro. Tem a coordenação também, mas o aluno apoiador ajuda com esse problema”, reclamou Jean.

Segundo ele, o curso começou a ser ofertado em 2009 na UFPB e o prédio, que é novo, já foi construído sem acessibilidade. Por isso, os professores dele têm que usar o Chip, que é o laboratório comum do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), para dar aulas práticas para a turma.

Prédio em que fica o Laboratório de Tradução não tem elevador e é preciso subir escadas para ter acesso (Foto: Krystine Carneiro/G1)

Prédio em que fica o Laboratório de Tradução não tem elevador e é preciso subir escadas para ter acesso (Foto: Krystine Carneiro/G1)

“Os prédios estão sendo construídos sem acessibilidade nenhuma. E não prejudica só a mim. Prejudica aos meus colegas e também aos outros estudantes do CCHLA que precisam usar o Chip e não podem porque nós estamos usando para aula”, disse.

Andreza Polia explicou que, enquanto o prédio não está adaptado da forma como é necessária, a orientação da CIA é que as salas de aula e laboratórios sejam colocados no térreo para que todos os estudantes e servidores tenham acesso, mas afirmou que a PU já está ciente do problema enfrentado no curso de Tradução. “Isso é uma orientação para que através de uma atitude acessível possamos, temporariamente, eliminar uma barreira arquitetônica”, informou.

Professora Joana Belarmino tem deficiência visual e não consegue acessar os sistemas da UFPB (Foto: Rizemberg Felipe/Jornal da Paraíba)Professora Joana Belarmino tem deficiência visual e não consegue acessar os sistemas da UFPB (Foto: Rizemberg Felipe/Jornal da Paraíba)

Sistemas sem acessibilidade

Além dos problemas nas calçadas, passarelas sem guias de proteção, elevadores que não funcionam e obras sem indicativo de acessibilidade, a professora do Centro de Comunicação, Turismo e Artes Joana Belarmino chamou atenção para outro problema. Com deficiência visual, ela não consegue acessar os sistemas da universidade.

“Os sistemas da UFPB, como o Sigaa e o Sitac, são inacessíveis para a minha atuação. Atualmente, eu estou ocupando a chefia de Departamento e todos os processos têm que ser recebidos e validados por outra pessoa, porque eu não consigo sozinha. Tenho que buscar ajuda de um monitor ou colega”, pontuou.

Joana explica que seria mais fácil que a universidade previsse monitores para professores com deficiências. Isso porque ela tem que concorrer com outros professores às vagas de monitoria, correndo risco de não conseguir. Ainda assim, nem todos os problemas podem ser resolvidos por monitores.

“Tem funções que eu não posso atribuir a um aluno. Como vou atribuir ao aluno a validação do seu próprio relatório?”, questionou a professora.

O superintendente de Tecnologia da Informação (STI) da UFPB, Hermes Pessoa Filho, explicou que o órgão está trabalhando para adaptar os sistemas e sites da universidade para deficientes visuais e auditivos. Segundo ele, os mais de 200 sites, que foram construídos pelo próprio STI, têm uma boa avaliação diante do Ministério do Planejamento, mas devem melhorar ainda mais até julho.

Os sistemas, no entanto, que foram comprados à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), não tiveram notas boas. “Fizemos uma espécie de termo de ajustamento de conduta, dizendo ao Ministério do Planejamento e ao Ministério Público o tempo que a gente pretendia fazer essas modificações. Nós estamos levando esse assunto muito a sério. Quem tem ou conhece alguém que tem deficiência visual, como eu, se sensibiliza muito com essa área”, afirmou.

Como o sistema é de responsabilidade da UFRN, a UFPB está juntando esforços à instituição para resolver o problema até outubro. Caso a UFRN não o faça, Hermes garantiu que já existe um plano B e que o sistema vai ser adaptado na própria STI.

Estudante flagrou veículo da UFPB estacionado em área de embarque e desembarque de deficientes físicos (Foto: Jean Emmerick/Arquivo Pessoal)Estudante flagrou veículo da UFPB estacionado em área de embarque e desembarque de deficientes físicos (Foto: Jean Emmerick/Arquivo Pessoal)

Desrespeito no trânsito

Os alunos com deficiência têm que lidar com os problemas estruturais da universidade e também com o desrespeito daqueles que a frequentam. São relatos de uso indevido de vagas reservadas e motoristas que estacionam de forma irregular em áreas para embarque e desembarque para deficientes. Para o Comitê de Inclusão e Acessibilidade, essa é uma das principais barreiras atitudinais enfrentadas na instituição.

“Aquele espaço de embarque e desembarque existe para deixar o deficiente físico descer do carro com segurança e conforto, no seu tempo, sem precisar bloquear a pista pra isso. Quando tem alguém estacionado ali, eu me sinto na obrigação de descer correndo do carro para não bloquear o trânsito, e, mesmo assim, já aconteceu de buzinarem pra mim. Eu fico imaginando um cadeirante que precisa de muito mais tempo pra descer do que eu. É uma enorme falta de respeito deixar seu carro estacionado ali por horas, inclusive veículos da própria UFPB”, relatou Jean Emmerick.

“É bastante desanimador e frustrante. Principalmente quando é um carro da universidade, que deveria dar um bom exemplo”, disse o estudante.

Depois de atuar como aluna apoiadora, Monaliza Sousa percebeu a gravidade que é usar vagas indevidamente ou bloquear acessos para deficientes físicos. “Antes, eu não tinha noção como é importante o respeitar as vagas de carro de deficientes nem imaginava como tinha tantos deficientes que dirigem. Isso de não estacionar em frente a uma rampa, mesmo que seja por alguns instantes, pode impedir que algum deficiente se locomova”, comentou.

O CIA tem uma campanha constante de multa moral aos condutores que insistem em não respeitar esses espaços, segundo a coordenadora. “Entretanto, em reunião realizada com a Reitoria, ficou decidido que haverá a criação de um comissão para definir as punições cabíveis institucionalmente ou a possibilidade de viabilizar uma parceria com a Semob [Superintendência de Mobilidade Urbana de João Pessoa] a fim de que seja possível a aplicação de multas”, anunciou Andreza.