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Pesquisa com internos aponta que problemas iniciais são com drogas e roubos

Os menores infratores, que colocaram as autoridades de segurança em alerta após matarem três colegas em um espaço de 20 dias na Unidade de Internação do Plano Piloto, antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), têm um perfil conhecido. Em geral, os internos começam cedo a se envolver em atos ilícitos, em geral com uso de drogas e roubos. A maioria dos adolescentes infratores é jovem, do sexo masculino, geralmente não possui a figura paterna dentro dos lares, além de ter abandonado a escola ainda no Ensino Fundamental.

Os dados fazem parte de um relatório sobre o Perfil dos Adolescentes-Infratores e dos Atos Infracionais feito pela Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

A pesquisa revela que 56% dos adolescentes em conflito com a lei são evadidos da escola e, entre eles, os atos infracionais mais frequentes são o roubo, com 22,2%, seguido do tráfico de drogas (15,9%), furto (10,9%), e porte de arma de fogo (8,5%).

Entre os jovens que frequentam a escola a predominância dos atos infracionais é diferente daqueles que não frequentam, como ameaça, injúria, lesão corporal e pichação. A proporção daqueles que cometeram atos graves é de 53% e a proporção dos que cometeram atos não graves é de 46%.

No entanto, o estudo aponta que a maioria dos adolescentes, sendo 55% deles, ainda nem concluiu o Ensino Fundamental. Apenas 24,4% cursavam o Ensino Médio; 14,4% aceleravam os estudos e 5,7% optavam pelo supletivo na época da pesquisa. A reprovação nas séries escolares se faz presente na vida escolar dos adolescentes infratores. De acordo com o levantamento, 90,5% deles já repetiram de ano.

Faixa etária 

A idade que predomina entre os adolescentes infratores é entre 15 e 17 anos. Além disso, quase 90% deles são homens e 46,2% dos adolescentes praticaram o ato infracional na região administrativa onde moram. Nas residências, a figura materna está presente em 83% dos casos, mas o pai só está em 38,1%. Em apenas um terço dos lares estão os dois responsáveis pelos jovens.

O uso de droga entre os adolescentes infratores predomina, com um percentual de 54%, enquanto 23,9% utilizam a bebida alcóolica e 21,5%, os dois. Entre os adolescentes que cometeram ato infracionais, 26% disseram não ter planos profissionais para o futuro e 29% não terem sonhos.

Ausência de políticas públicas

O promotor de Justiça da Defesa da Infância e da Juventude e coordenador administrativo da pesquisa, Renato Barão Varalda, aponta que a predominância do roubo e do tráfico de drogas tem relação com a ausência de políticas públicas e educacionais eficazes. Além disso, o promotor ressalta que a evasão da escola é um fator que contribui para que o adolescente cometa atos infracionais.

“A escola vem falhando em evitar a evasão e cativar o jovem para que ele não deixe os estudos e o ambiente escolar”, pondera. Segundo Varalda, as condições familiares também estão associadas para que o menor entre cada vez mais cedo para a internação em unidades especializadas.

O promotor associa a ausência da figura paterna e a condição de trabalho da mãe com o ingresso do adolescente na vida de atos infracionais. Varalda observa que, geralmente, a família é de baixa renda e, como a mãe precisa trabalhar durante o dia para o sustento da casa, o adolescente fica à mercê da região de moradia.

“As residências são localizadas em regiões de alta periculosidade e tudo isso favorece o ingresso do adolescente no ato infracional devido ao meio violento”, observa Varalda.

Além disso, o promotor de Justiça aponta que o Estado falha na execução de medidas socioeducativas que, na sua opinião, são praticamente ausentes ou ineficientes atualmente.

Precariedade

“A estrutura física dos prédios onde existe o cumprimento de medidas sócio educacionais é precária, tanto em regime de semiliberdade quanto de internação”, afirmou o promotor.

De acordo com dados do Ministério Público do Distrito Federal, entre 2009 e 2010 as taxas de homicídios, latrocínios (roubo seguido de morte), roubos e furtos permaneceram praticamente as mesmas. Contudo, o índice que mede a incidência de tráfico de drogas aumentou de 302 para 577.

Análise negativa

A coordenadora da Área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais do Rio de Janeiro Miriam Abra-movay ressalta que, no Brasil, a tendência é analisar os adolescentes em conflito com a lei de uma forma negativa. “São menores que cometeram atos infracionais, mas eles precisam ter uma segunda chance do Estado e essa é a primeira visão que é necessário observar nestes jovens”, destaca.

Segundo Miriam, a educação se torna prioridade apenas na teoria. A professora observa que o número de adolescentes que abandona a escola é grande. Para ela, o ambiente educacional geralmente não é apropriado para o adolescente que comete atos infracionais. “É difícil alguém dizer que gosta da escola, pois os colégios não são feitos para recebê-los. Isso influencia na reprovação”, explica.

A educadora ainda comenta que o Estado precisa começar a fazer algo por estes adolescentes. Segundo ela, as ações de ressocialização não funcionam, pois os programas que existem não são favoráveis. “As unidades de internação são pequenas prisões. Os adolescentes vivem mal nos espaços, com pouca esperança de que algo mude e aconteça”, diz.

O sociólogo e pesquisador em segurança pública da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Testa, aponta que devido às condições familiares e estruturas oferecidas os adolescentes acabam por ficar sob os cuidados da vizinhança. Segundo ele, os menores começam a se tornar mais vulneráveis.

“Eles experimentam a droga mais cedo, são iniciados sexualmente ainda muito jovens e as meninas começam a ter filhos na transição da infância para a adolescência”, diz. Para Testa, o modelo de ressocialização atual não funciona, já que, na visão do sociólogo, as medidas são políticas compensatórias que apenas fornecem subsídios para que o adolescente se mantenha na condição presente.

Criminalização 

A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República, por sua vez, disse ontem que o Brasil não pode permanecer criminalizando sua juventude. Sobre as mortes recentes no Caje, ela lembrou que a violência aparece como a principal causa de morte entre jovens brasileiros. Dados do Mapa da Violência 2012 indicam um aumento de mais de 340% na mortalidade de adolescentes nas últimas três décadas.

“A violência contra a juventude é uma violência contra todos nós. Estamos comprometendo uma geração com tamanhos índices de violência”, disse. “Não é recurso que está faltando nesse momento. Queremos que sejam tomadas iniciativas. Estou em contato permanente com o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. Certamente, isso precisa ser investigado, mas essas vidas não voltam. Quando tratamos da mortalidade juvenil, seja dentro de uma unidade como o Caje, seja no Rio de Janeiro, temos que trabalhar permanentemente com a prevenção, destacou.

Internos ouvidos

O promotor de Justiça da Infância e da Juventude do MPDFT, Ricardo Tassi, ouviu ontem os três adolescentes suspeitos pela última morte dentro da UIPP. Segundo Tassi, eles disseram que as três mortes em 20 dias não foram orquestradas nem praticadas em razão de retaliação por medidas de internação. O MP disse ainda que não afasta a possibilidade de afastamento do diretor da unidade.

“Um dos agentes que conduzia os menores para a Delegacia da Criança e do Adolescente comentou que tinha escutado falar sobre uma morte por semana dentro do Caje, mas os três adolescentes ouvidos foram unânimes em dizer que não sabiam de qualquer boato nesse sentido”, afirmou.

Tassi apontou que os adolescentes disseram que não leram a ocorrência criminal antes de assinar na DCA. Além disso, afirmaram que ninguém leu o documento para eles. “Apenas um confessou a autoria do homicídio. Ele vai responder pelo crime, além de sofrer consequências disciplinares e ter a sentença judicial prorrogada por mais três anos”, explicou. Ontem, 22 internos maiores de idade foram transferidos do Caje para o Departamento de Polícia Especializada (DPE). Ficou determinado pela Justiça que a unidade de internação só poderá receber novos internos em caráter excepcional.

Tranquilo 

Com uma ficha com 20 passagens pela polícia, um adolescente que hoje completa 18 anos contou que já passou pelo Caje, por três vezes. Os motivos foram pelos atos infracionais de porte de arma, tráfico de drogas e roubo a mão armada. A última ocorrência resultou em uma sentença de três anos de internação.

“Lá dentro era tranquilo. Apesar de eu dividir o quarto com outros sete colegas, nós assistíamos televisão e até fumávamos”, revelou. Há dois meses o jovem saiu da unidade, contudo admite que deixou o Caje ainda com mais desgosto. “Ali ninguém educa a gente. É uma verdadeira decepção”, revelou.

O amigo de 17 anos parou na 7ª sério do Ensino Fundamental e passou pela unidade por 45 dias. Hoje, presta serviço comunitário. “Lá, entrava até cigarro de maconha. Eram dois para cada quarto”, confessou.