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Acompanhamos a aplicação do exame num presídio no Rio. Em todo o país, 38 mil presidiários fizeram a prova

RIO – “Estudar aqui é um processo de superação: superar não só as pessoas que estão lá fora, mas também superar a si mesmo e os colegas que estão com você”. O autor dessas palavras é Alex Vitorino Rangel, estudante de 38 anos que está no segundo ano do ensino médio. Condenado a seis anos de prisão por associação ao tráfico de drogas, ele foi um dos 38,1 mil participantes do Exame Nacional do Ensino Médio para pessoas privadas de liberdade (Enem PPL), que começou na terça e terminou ontem.

Cumprindo pena no presídio de Esmeraldino Bandeira, no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, Alex conversava com O GLOBO pouco antes do segundo dia de aplicação do Enem para detentos. Trata-se de uma prova totalmente diferente daquela feita pela maioria dos candidatos nos últimos dias 8 e 9 de novembro. Até o tema da redação é outro. Enquanto a prova do mês passado teve como assunto a publicidade infantil, o exame para os presidiários pediu para que eles escrevessem a partir da pergunta “O que o fenômeno social dos rolezinhos representa?”.

Quando foi preso, há cerca de três anos, Alex Vitorino tinha apenas o ensino fundamental incompleto. Mas a baixa escolaridade foi superada pelo desejo de conhecimento, segundo Alex. Desde então, o detento coleciona boas notas e conseguiu ser aprovado na primeira fase da Olimpíada Brasileira de Matemática Para Escolas Públicas (OBMEP).

Enquanto aguarda o resultado da prova final do certame – algo que só suas professoras podem lhe informar, já que ele não tem acesso à internet -, Alex tenta convencer outros colegas de cela a voltar para os estudos:

– Ser classificado em uma prova difícil como é a OBMEP, disputando com gente de fora, e ter seu nome colado na parede do presídio não tem preço. Todos ficam perguntando como consegui. Eu apenas estudei – diz Alex, que deseja cursar Direito ou Pedagogia.

Lado ainda pouco conhecido da prova, o Enem PPL vive, em números percentuais, uma expansão maior do que a aplicada para os demais candidatos do lado de fora dos muros penitenciários. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o exame deste ano registrou 25,65% a mais de inscrições do que as 30,3 mil do ano passado.

Mas o maior interesse da população carcerária pela prova não é acompanhado pelo número de detentos em cursos de graduação no país. Apenas 159 dos mais de 574 mil detentos estudam atualmente em faculdades Brasil afora, ou 0,0002%, segundo o relatório do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Em 2012, eram 127. Outros 58 mil estão matriculados em algum segmento da educação básica ou em um curso técnico.

Dentre as dificuldades do detento para cursar uma faculdade estão a dificuldade de obter autorização das varas de execuções penais para estudar fora do presídio, progredir de regime e poder voltar à noite para dormir na cadeia, ou até a falta de preparo e estudo dentro das escolas penitenciárias.

Dados obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso mostraram que, dos 23.575 internos que participaram do Enem PPL de 2012, só 369 atingiram os 450 pontos mínimos exigidos para a certificação de conclusão do ensino médio. Os dados relativos a 2013 também foram solicitados pela reportagem pelo mesmo método, mas o Inep não deu retorno a tempo.

Com tantos obstáculos, muitos acabam desistindo no meio do caminho. Não foi o caso de Cleiton Messias Braga, de 24 anos, condenado por tráfico de drogas e aprovado na primeira fase do vestibular da Uerj deste ano. Cleiton conta que já tinha sido aprovado em outros processos seletivos antes de ir para trás das grades, mas nunca cursou uma graduação de fato. Desta vez, ele garante que vai estudar Medicina.

– Quando conto minha história, os colegas dizem “pô cara, tu dá muito mole de estar aqui; se eu tivesse essa inteligência toda, não estaria aqui” – diz Cleiton, que é pai de quatro filhos pequenos.