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  • Setor responde por 30,7% das matrículas do ensino médio, sendo que a maioria dos alunos frequenta aulas em idade superior à adequada
  • Em colégio público no Leblon, no Rio, estudantes vão ao recreio de mochila, para evitar furtos dentro de sua sala de aula

 

Rosimeire Elisbão da Silva sonha com um diploma universitário, mas, diante das dificuldades, nem titubeou quando surgiu a oportunidade de ser auxiliar de escritório. Mas, por não ter concluído os estudos, perdeu a vaga. Aos 25 anos, ela ainda está no 1º ano do ensino médio e, como precisa garantir o ganha-pão durante o dia, é aluna do curso noturno, que, em todo o país, responde por 30,7% das matrículas neste segmento de ensino, segundo números de 2012. Com base em dados do Censo Escolar, tabulados pelo movimento Todos pela Educação, 55,1% dos que frequentavam aulas à noite tinham idade superior à adequada.

Além de alta, a distorção idade-série é muito superior à do diurno, onde a média é de 20%. Na análise por unidade da federação, a desigualdade salta ainda mais aos olhos: no Pará, por exemplo, 85,5% dos alunos do noturno têm idade superior à adequada, ante 37,8% do diurno. E até mesmo no Sudeste, onde os indicadores costumam ser melhores, há casos como o do Rio, onde as taxas chegam, respectivamente, a 74,4% e 24,6%. O percentual de alunos com aprendizado adequado em matemática e português, de acordo com as metas do Todos pela Educação, também é muito diverso: no noturno, atinge, respectivamente, 2,4% e 14,9%. Já no diurno, a proporção sobe para 14,9% e 37,5%.

Veja aqui os números do ensino médio noturno.

Para especialistas, esses indicadores, a infraestrutura dos cursos e a rotina diferenciada desses estudantes – 57% trabalham – exigem mudanças. Mas eles avaliam que, em geral, o poder público tem tratado com descaso este turno do ensino médio, ciclo que é de responsabilidade dos estados.

Diretora-executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz conta que os cursos noturnos estão sendo fechados em vários estados, embora, para uma parcela significativa dos alunos, sejam a única opção.

— O governo deveria oferecer vagas para todos os alunos cursarem o ensino médio durante o dia. E, para quem precisa estudar à noite, dar educação de qualidade. O noturno tem tanto direito à educação de qualidade quanto o diurno. No mundo do trabalho ou aonde o aluno for, se não tiver aprendizado, não vai conseguir ir adiante na opção que ele escolher seguir.

Para a doutora em Educação Maria Clara di Pierro, professora da USP, há um movimento para a extinção do ensino médio noturno.

— Fico preocupada quando vejo que as políticas de melhoria do ensino médio vêm para ampliar a preparação do diurno e reduzir o noturno. A lógica de extinção do noturno é perversa. Em certo sentido, todas as políticas de melhorias em São Paulo são para o tempo integral. O jovem adulto trabalhador, faz o quê?

Em 2011, como bolsista de um programa da Capes de iniciação à docência, o hoje mestrando da UFRJ Pedro Henrique Castro viu de perto as dificuldades do ensino médio noturno em uma escola do Caju, na Zona Norte do Rio.

— O turno era comprimido em três horas por causa do tráfico. As aulas não podiam começar mais cedo, pois alunos estavam trabalhando, e nem acabar muito tarde, em decorrência da violência E havia carência de professores. Muitos alunos chegavam exauridos, mas havia os interessados e quem só queria garantir o diploma.

A jornada tripla no ensino médio, observa Nora Krawczyk, professora da Unicamp e doutora em Educação, reflete a desigualdade do país.

— No Brasil, não existe e nem existia política para o noturno. Isso é sério! Tem que ter bom currículo, defendo isso, mas o problema é mais fundo: é a necessidade de ter ensino noturno porque tem jovem que começa a trabalhar muito cedo — diz, acrescentando que o investimento do governo tem sido para o ensino integral e integrado.

Segundo Nora, mais do que adaptar o currículo, seria necessário mudar a metodologia.

— Sabemos que o sistema noturno não é bom. Mas não é por isso que eu vou defender um currículo mais leve, com menos conteúdo. Ensinar menos seria reforçar a segmentação do sistema.

O Rio Grande no Norte está tentando mudar os padrões tradicionais, assim como Ceará e Paraná. Em 2006, diante de altas taxas de abandono e reprovação, o estado criou o Ensino Médio Noturno Diferenciado, que reduziu, em uma hora a carga horária diária. São dois blocos de aulas, com 90 minutos cada, sem intervalo. A refeição é oferecida no início do turno para o aluno que chegar cansado e com fome ficar mais disposto. Apesar de reduzir a carga para três horas diárias, a coordenadora do ensino médio da Secretaria estadual de Educação e uma das idealizadoras da proposta, Aliete Bormann, destaca que isso não significa “ensinar menos”.

— Quando você escuta de alunos frases como “pela primeira vez na vida estou aprendendo matemática”, é um sinal de que o projeto dá certo — ressalta, lembrando que, na época, 11 escolas toparam o desafio, iniciado com um curso de formação de 300h para professores e gestores da rede.

No Colégio Estadual André Maurois, no Leblon, Zona Sul do Rio, a metodologia de ensino é tradicional, mas alunos destacam pontos positivos da unidade, que é referência na rede. No entanto, alguns dos estudantes chegam a sair com mochilas durante o recreio por causa da violência. Mas, no geral, a avaliação é positiva:

— Aqui é bom. Os professores quase não faltam. Tem quadras, jantar — diz Rosimeire, que curso o ensino médio das 18h30m às 22h30m, após trabalhar das 9hàs 17h.

No Colégio Estadual Souza Aguiar, na Lapa, também no Rio, a situação é diferente. Alunos reclamam da falta de professores e do ensino:

— À noite, o ensino é mais fraco. Muitas vezes, os professores passam só o básico, o que acham que a gente vai precisar — conta Ingrid Mello, de 17 anos.

Diante da pergunta do que seria necessário para melhorar o ensino médio noturno, ela diz:

— Primeiro, que não precisasse de explicadora. Os professores passam o conteúdo da maneira deles, mas nem sempre o aluno entende. Quando isso acontece, ou ele não sabe o que já foi passado ou está tendo dificuldade. Mas hoje é assim: quem entendeu, entendeu. Quem não entendeu, lamento…

Para a cientista social Ana Paula Corti, que pesquisa o ensino médio em seu doutorado na USP, os problemas do noturno não necessariamente são exclusivos deste turno. Ela observa que acabar o noturno com o argumento de que é pior, é esquecer que, na rede de ensino, há cursos com necessidades específicas e os que só podem estudar à noite.

— Talvez o problema do ensino médio não tenha sido o noturno, mas expansão com infraestrutura e investimentos baixos. Quem estuda de dia aprende mais? Será que essa maior dificuldade não está mais ligada ao perfil do aluno? Você tirou gente do noturno para o diurno. Por ser, supostamente, melhor, deveríamos ter dado um salto na educação, mas isso não aconteceu.

Subsecretário de Gestão de Ensino do Rio, Antônio Vieira Neto disse ter havido uma reorganização da rede, com transferência de turmas do noturno por falta de procura. São Paulo afirmou que, pelo mesmo motivo, fechou 2.455 turmas entre 2010 e o ano passado.