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Presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), Roberto Boclin criou um projeto para alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/1996). Sua proposta é criar um ensino técnico equivalente ao ensino médio, oferecendo aos jovens que concluírem o ensino fundamental dois currículos distintos.

A ideia é que os alunos do ensino técnico ingressem em uma escola técnica, e ao final de três anos, já saiam com uma profissão, aptos a entrarem no mercado de trabalho. Como o currículo será equivalente ao do ensino médio, esses estudantes poderão também ingressar nos cursos de graduação. 

Já quem escolher cursar o ensino médio, terá uma formação geral nos dois primeiros anos e, no último ano, fará necessariamente uma opção entre as ciências humanas, as ciências exatas e as ciências biomédicas. Ao fim dos três anos, poderão lutar por uma vaga na universidade. 

Com essas mudanças, espera Boclin, os jovens terão mais interesse pelos conteúdos apresentados e a evasão neste segmento de ensino tenderá a diminuir. “De cada 100 alunos que ingressam no ensino fundamental, 50 chegam ao ensino médio, 25 concluem esse segmento de ensino e somente dez jovens ingressam no ensino superior. No primeiro ano do ensino médio, o índice de evasão chega a 50%”, explica o autor do projeto da Escola Brasileira do Trabalho. 

As origens da proposta remontam aos ideais socialistas implementados por Lênin e Pistrak na Rússia, após a Revolução de 1917, posteriormente aperfeiçoados na Alemanha por Georg Kerchensteiner. “Kerchensteiner começou a desenvolver uma série de pesquisas e verificou que, quando se oferecia atividade de trabalho antes da educação básica, o aprendizado era muito mais rápido, muito mais profundo”, assinala o presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), que acumula 50 anos de experiências e estudos na área de educação profissional. 

A equivalência de currículos de nível médio, observa Boclin, não é novidade. A estrutura implementada no país por Gustavo Capanema, ministro da Educação durante o governo de Getúlio Vargas, valorizou a formação técnica, segundo o educador. 

“A educação profissional sempre foi desvalorizada, alvo de preconceito. Nilo Peçanha destinava o ensino profissional para os pobres e desvalidos da sorte. As primeiras escolas profissionais, como a Escola Técnica Nacional, hoje o Cefet/RJ, têm a sua origem em um liceu para órfãos e desvalidos da sorte. Quem queria trabalhar eram os desvalidos da sorte, porque o trabalho era uma atividade pouco considerada em nosso país”, acrescenta o especialista. 

A elaboração das Diretrizes Curriculares do Ensino Técnico, de acordo com o projeto, ficaria a cargo do Conselho Nacional de Educação (CNE). No entanto, Roberto Boclin trabalha para ampliar as discussões sobre a matéria. Segundo o educador, para que a proposta avance no Congresso Nacional, é necessário que haja envolvimento popular. “O caminho é um deputado federal submeter a matéria à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma vez que pretendemos alterar a LDB (Lei 9394/1996). O projeto precisará passar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal”, explica Boclin.

FOLHA DIRIGIDA – Em linhas gerais, a que se resume a sua proposta de mudança na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)?
Roberto Boclin – Esse projeto eu chamo de “A Escola Brasileira do Trabalho”. E, para explicá-lo, é preciso nos reportar ao passado. Karl Marx, com seu materialismo histórico e dialético, constatou que o trabalhador, em sua maioria, era despreparado. Uma parcela considerável não tinha nenhuma formação. Com a Revolução Russa, Lênin e Pistrak acreditavam que, para desenvolver o país, era preciso construir uma nova civilização socialista. Pistrak era um pedagogo que tinha ideias avançadas sobre esse tema. Ele vinha da Escola de Lepechinsky. Lênin e Pistrak criaram um modelo de formação profissional que denominaram “Escola do Trabalho”. O objetivo era formar uma nova classe social, de trabalhadores. E a Rússia passou a ter um progresso material muito grande com a formação dos trabalhadores. Toda a linha comunista se sustentou nesse tipo de formação. Houve um grande movimento na Europa, especialmente na Alemanha, onde um outro pedagogo importante, Georg Kerchensteiner, também criou uma “Escola do Trabalho”. 

Como era a “Escola do Trabalho” de Kerchensteiner?
Kerchensteiner começou a desenvolver uma série de pesquisas e verificou que, quando se oferecia atividade de trabalho antes da educação básica, o aprendizado era muito mais rápido, muito mais profundo. Essa “Escola do Trabalho” foi lançada na Baviera. Hoje, Georg Kerchensteiner é um renomado pedagogo; assim como temos Paulo Freire e Anísio Teixeira, lá na Baviera, eles veneram Kerchensteiner. Suas ideias, até hoje, influenciam o sistema alemão, que ainda oferece a formação para o trabalho. Eles desenvolvem atividades no sentido de aprimorar cada vez mais a formação do trabalhador. E, na escala social, os operários e técnicos têm um padrão compatível com os profissionais de nível superior — não existem distinções significativas entre essas duas categorias, tal o respeito e admiração que o alemão tem pelo trabalho. 

E de que forma essas ideias se espalharam?

Ainda na Europa, outros pedagogos, como Maria Montessori, por exemplo, ao invés de levar a escola para o trabalho, o que representava realizar treinamento nas empresas, em sua escola montessoriana, ela passou a levar o trabalho para a escola. Ou seja, criar oficinas nas escolas para os alunos trabalharem. Pestallozzi também atuou muito nessa área. Outros, como Thomas Carlyle, pensavam no trabalho como uma atividade artística, como a possibilidade de fazer algo de muita qualidade e beleza. Isso tudo contrariava o pensamento religioso que considerava o trabalho alguma coisa penosa, um castigo de Deus. Toda essa linha de pensamento, ao contrário, encarava o trabalho como algo grandioso e até belo. No Brasil, especialmente, o trabalho era visto como algo sofrido, penoso. Mas, quem foi um defensor do trabalho em nosso país foi Gustavo Capanema, ministro da Educação de Getúlio Vargas. 

Na sua avaliação, quais foram as principais contribuições da gestão de Capanema?
Capanema influenciou Getúlio Vargas, o que culminou com a criação da Diretoria do Ensino Industrial, a Diretoria de Ensino Comercial, a Diretoria do Ensino Agrícola, o Ensino Norma
l. Tudo isso dentro de uma concepção de formação profissional. E Capanema instalou, em todo o país, em todas as capitais, uma escola técnica. Todo esse pensamento de formação profissional, e de formação técnica principalmente, tinha fundamentos que vinham da Europa, em particular da Rússia e da Alemanha. No Senai, por exemplo, a metodologia de ensino era baseada no método do russo Victor Della-Vos, que dividia o trabalho em tarefas e essas tarefas em operações e passos. Ele racionalizava a atividade do trabalho para depois construir o currículo. O aluno começava aprendendo as coisas mais simples e ia agregando coisas novas e passos mais complexos, até chegar ao conhecimento completo da profissão. 

E quais foram as consequências destas ações de Gustavo Capanema?
Em sua gestão, Capanema estabeleceu a equivalência do ensino técnico ao ensino da época, que se chamava “ensino secundário”. Quem fazia o ensino técnico automaticamente tinha a conclusão do ensino secundário. E, após o ensino técnico, se fosse feito um programa compacto de formação pedagógica, o profissional adquiria em um ano o título de professor do ensino técnico. E isso não existe mais. Hoje, não temos licenciaturas para o ensino técnico. E o ensino técnico só pode ser ministrado por quem é técnico, não pode ser um matemático, um pedagogo, um físico; é preciso que a aula seja ministrada por um especialista. E esse era o pensamento de Gustavo Capanema. Essa política de formação para o trabalho foi muito bem até o final dos anos 1960, quando surgiu uma nova visão política e houve uma influência no sentido de que o trabalhador precisava do ensino médio para se tornar um cidadão. O que foi um grande engano. O trabalho é a grande formação do cidadão. E o currículo do ensino técnico era muito mais profundo do que o currículo do ensino médio. Dos anos 1930 ao final dos anos 1960, havia dois ensinos distintos: o ensino secundário e o ensino técnico. E os dois conviveram muito bem. O ensino secundário ainda tinha uma distinção própria: era divido em ensino científico e clássico. E o científico tinha duas ramificações: a biomédica e a tecnológica. Quando o estudante ingressava no secundário já direcionava sua área de interesse profissional. Enquanto o ensino técnico tinha a direção da formação profissional para o trabalho, o ensino científico tinha a orientação da universidade. Eram escolhas bem distintas, mas ambas formavam cidadãos. Esse foi o grande erro que surgiu a partir de 1970: vincularam o ensino técnico ao ensino médio de tal maneira na Lei 5692/1971, que tornou obrigatório o ensino técnico no segundo grau. Isso era um absurdo. Alguém que nunca desejou ser técnico precisava fazer o ensino técnico. E, acabou que não houve uma coisa e nem outra. O ensino de segundo grau foi decaindo e o ensino técnico desapareceu. 

E em que consiste especificamente a sua proposta de “Escola do Trabalho”?

Consiste em dar uma direção de formação técnica equivalente ao ensino médio, mas independente, com currículos próprios, com durações variáveis em função das atividades desenvolvidas. Com essa proposta, os estudantes poderão optar, ao final do ensino fundamental, pelo ensino técnico ou pelo ensino médio. Esses cursos seriam equivalentes. E, depois de concluída esta etapa, tanto os estudantes do ensino técnico quanto os do ensino médio poderiam prosseguir com seus estudos, ingressando em cursos de graduação no ensino superior.

E em que este novo ensino técnico seria diferente do ensino médio integrado à educação profissional, oferecido em escolas de ponta, como o Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), por exemplo?

O ensino integrado não faz nenhuma coisa e nem outra. O ensino integrado obriga o aluno que cursa o ensino médio (porque pretende seguir a universidade) e o aluno que estuda o ensino técnico (porque pretende seguir uma profissão) a ficarem quatro anos na instituição. Para se formar um técnico não é preciso mais do que dois anos. E, geralmente, os alunos que procuram o ensino técnico precisam ingressar logo no mercado de trabalho. E o currículo do ensino integrado não tem nada a ver com o currículo da formação técnica. É uma pedagogia da insensatez. 

E qual desenho a sua proposta traça para o ensino médio? 
No ensino médio, a proposta é dividi-lo. Os dois primeiros anos seriam comuns para todos os estudantes, uma formação básica interessante. Acredito que uma contribuição importante para essa formação básica seria o retorno do ensino de Latim, o que poderia colaborar para o aprendizado do Português e também do Espanhol, do Francês e do Italiano. O latim ampliaria, inclusive, a formação cultural dos estudantes. E, no último ano, com mais maturidade, o estudante faria a opção entre as áreas de Humanas, Exatas e Biológicas. 

Por que o senhor propõe essas mudanças no ensino médio?

Porque o ensino médio atual não tem missão. O currículo tem 13 disciplinas. Os alunos passam três horas na escola e não aprendem nada. Há poucas atividades esportivas, culturais e artísticas. O fraco desempenho dos estudantes aparecia fortemente nos exames vestibulares e, hoje em dia, surge no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). E há uma evasão enorme. De cada 100 alunos que ingressam no ensino fundamental, 50 chegam ao ensino médio, 25 concluem esse segmento de ensino e somente dez jovens ingressam no ensino superior. No primeiro ano do ensino médio, o índice de evasão chega a 50%. Os jovens ingressam nesse segmento de ensino, muitas vezes, sem visão de futuro. A minha proposta prevê a distinção dos currículos, com o terceiro ano especializado. O objetivo é estimular os estudantes a continuarem estudando, evitando a evasão.  

E com relação ao prosseguimento nos estudos, os dois currículos permitirão o ingresso no ensino superior?
Inicialmente, pensava que os estudantes do ensino técnico deveriam continuar os seus estudos em cursos de graduação tecnológica. Conversando com colegas, fixei no projeto que esses estudantes também poderão prosseguir seus estudos em cursos de graduação, como os do ensino médio. 

Que impactos essas alterações causariam na formação dos professores? Seria preciso fazer mudanças nas licenciaturas e nos cursos de Pedagogia?
Os cursos de formação de professores terão vantagens. Haverá necessidade de formaç&
atilde;o de docentes para o ensino técnico. Já existe essa demanda. Mesmo nessa colocação deformada de formação de técnicos, existe a carência de professores para o ensino técnico. O caminho será as universidades oferecerem licenciaturas para o ensino técnico também. Esses cursos poderão se tornar prosseguimento de estudos de profissões consagradas, como a Engenharia, por exemplo. Proponho um resgate da formação pedagógica tanto para profissionais de nível superior que pretendam lecionar nos cursos técnicos quanto para técnicos de nível médio que almejem lecionar. Essa formação pedagógica poderia ter a duração de um ano. O Liceu de Artes e Ofícios foi uma das primeiras escolas que gerou essa formação de docentes para cursos técnicos. 

O senhor acredita que a educação profissional carece de prestígio no país? 
A educação profissional sempre foi desvalorizada, alvo de preconceito. Nilo Peçanha destinava o ensino profissional para os pobres e desvalidos da sorte. As primeiras escolas profissionais, como a Escola Técnica Nacional, hoje o Cefet/RJ, têm a sua origem em um liceu para órfãos e desvalidos da sorte. Quem queria trabalhar eram os desvalidos da sorte, porque o trabalho era uma atividade pouco considerada em nosso país. A educação brasileira tem raízes burguesas pelas quais o trabalho é visto como uma atividade secundária. 

Como o senhor pretende encaminhar esse projeto ao Congresso Nacional?
Já entreguei esse projeto a alguns deputados federais. Um deles foi Ariosto Holanda (PSB/CE), do Ceará. Ele foi o autor do projeto dos Centros de Vocação Profissional, os CVTs; ele tem sensibilidade para essa área. Já entreguei esse projeto para outros parlamentares também. O caminho é um deputado federal submeter a matéria à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma vez que pretendemos alterar a LDB (Lei 9394/1996). O projeto precisará passar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. 

De que forma e com quem pretende debater e aprimorar suas ideias?
Esse projeto precisa ter a participação da massa crítica popular para ser aceito. Eu já fiz uma apresentação sobre esse tema no último Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, realizado em junho, em Fortaleza (CE). O retorno de meus colegas conselheiros foi muito bom e alguns, inclusive, contribuíram para que eu fizesse alterações. Agora, a proposta será submetida aos membros da Associação Brasileira de Educação (ABE), onde pretendo fazer uma conferência, em breve. Vou discutir o tema com os abeanos. E depois preciso fazer essa caminhada política para obter os apoios federais. 

O senhor é flexível para alterar sua proposta e aprimorar o projeto ao longo dessa trajetória de debates?

Sim, é claro. Fiz uma justificativa profunda no projeto, que traça a história da educação profissional em nosso país a fim de que as pessoas compreendam o alcance dessa iniciativa. Penso que o ministro que mais se aproximou das concepções de Gustavo Capanema sobre a educação profissional foi Paulo Renato de Souza, quando instituiu a educação profissional concomitante ou subsequente ao ensino médio.