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Exame do ensino médio completa 15 anos com um modelo de prova que, para especialistas, remete aos antigos vestibulares: memorização do conteúdo e menos questões de interpretação

Ele atinge este ano o ápice da adolescência. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) chega aos seus 15 anos com 7,8 milhões de inscritos no país que depositam nele todas as fichas para conseguir uma vaga em 48 universidades federais, entre elas a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e outras 53 instituições que aderiram ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Mas, em uma década e meia, não são só recordes numéricos. Nas duas últimas edições, especialistas identificaram cobranças de conteúdo que fazem voltar os tempos da decoreba e colocam o futuro do teste em xeque. Alguns professores defendem uma reestruturação do modelo do exame nos próximos anos, outros ainda não concordam que está havendo mudança. 

O professor de química do Colégio Santo Antônio Robson Araújo percebeu em 2011 e 2012 cobrança de muito mais conteúdos nas questões de química e filosofia. “A cartilha do Enem diz que a prova não deve recair na memorização, mas houve exame que cobrou exatamente esse tipo de questão, predominantemente. No ano passado, na prova de ciências da natureza (biologia, química e física), de 45 itens, apenas 10 não eram assim”, analisa. Araújo considera que está havendo um desacerto na matriz de referência ao listar os conteúdos (exatamente como os vestibulares tradicionalmente sempre propuseram) e reintroduzindo, inclusive, alguns já não mais exigidos nos programas das universidades. 

“Além disso, há questões focadas na memorização, conteúdos desarticulados de problemas reais, contextos pouco atrativos e a escassez de situações problema. Enfim, nesses últimos anos nota-se um retorno ao antigo exame de vestibular. Não sei se para reduzir as críticas e acalmar os cursinhos e colégios”, diz. “Isso alegrou muito professor que não estava preparado para encarar o modelo original e teria que batalhar. Agora, muitos estão felizes, porque sendo vestibular comum é só treinamento. E isso é fácil fazer com o aluno”, afirma.

O doutor em educação e professor da PUC Minas Carlos Roberto Jamil Cury lembra que o exame foi criado em 1998 para avaliar a capacidade que os estudantes teriam de fazer relações, aplicações, análises críticas e articulações. Sendo assim, não havia qualquer finalidade de conteúdo, tendo apenas a prova de redação para medir o desempenho em língua portuguesa e a capacidade de elaboração de texto. Segundo ele, as mudanças ocorreram à medida que a avaliação incorporou novos objetivos, e por isso é difícil dissociar conteúdos. “Como ele se propõe agora a ser um exame de certificação de jovens e adultos e um processo seletivo das universidades, além de servir para o Programa Universidades para Todos (Prouni) e o financiamento estudantil, foi espichando a finalidade original. E alguma forma de cobrança deve haver”, afirma. 

ELABORAÇÃO

 

O diretor-executivo do Colégio Arnaldo, Geraldo Junio dos Santos, ressalta que até 2010 o aluno tinha em parte dos enunciados os elementos para responder as questões, bastando juntar à interpretação os conhecimentos de vida. A partir de 2011, o cenário se alterou. Ele conta que essa mudança era esperada, mas discorda que a cobrança de conteúdo contradiga a ideia do Enem. “Quem elaborava essas questões eram professores do ensino médio, agora são docentes das universidades, e pelas características dos vestibulares, há uma cobrança maior de conteúdos”, avalia. 

Mas para Geraldo Junio, não se pode falar em decoreba: “É um raciocínio de comparação e exclusão que vai além disso. O candidato precisa ler e entender para encontrar a melhor resposta para a questão. Há uma mudança de perfil, sim, mas não podemos dizer que o Enem está ficando parecido com os vestibulares tradicionais que havia antes”. O educador defende ainda que a simples memorização não dá condições ao estudante de fazer o Enem. “O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) valoriza muito a questão metodológica e, assim, evita fazer uma seleção tradicional”, diz. “Numa prova de ciências da natureza, por exemplo, não posso só interpretar, pois não sei se o aluno tem domínio das matérias. Vejo mais um aprimoramento do que uma regressão”, conclui.

Palavra de 
especialista

Carlos Roberto Jamil Cury, doutor em educação e professor da PUC Minas

Não me assusta o que vem ocorrendo no Enem. Será que vale a pena tê-lo transformado nesse novo desenho, que agora serve para tanta coisa? Esse é o primeiro problema que pesquisamos e criticamos. Tudo bem que tenha uma prova de conteúdo, mas a questão da educação de jovens e adultos e as outras finalidades poderiam ter sido resolvidas de outra maneira. Junta muita coisa num exame só. Tem que avaliar também os estudantes em busca da certificação do ensino médio. Os cursinhos que antes preparavam para as federais agora o transformaram em grande evento nacional, com treinamento específico. O sistema tem vantagens, que é a abertura significativa para muita gente, mas é preciso repensar o ensino médio. O Enem precisa ser aperfeiçoado e remodelado para que seja um objeto de avaliação.