Caroline Cristina Gomes, 19 anos, tem um sonho: ser médica. Em 2013, a jovem que concluiu o ensino médio na Escola Estadual Carlos Gomes deu um passo largo para realizá-lo: formada na primeira turma do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (Profis) em fevereiro deste ano, ela ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
São exemplos como esse que fazem com que Marcelo Knobel, um dos idealizadores do programa e ex-pró-reitor de graduação da universidade, afirme que a iniciativa está cumprindo sua missão. “No que diz respeito à inclusão social, o programa superou as expectativas. Claro que sempre há o que melhorar, e a universidade discute isso continuamente, e a tendência é que ele se aprimore sempre”, aponta.
O programa começou em 2011 e é um curso piloto de ensino superior da Unicamp que seleciona anualmente 120 estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas de Campinas. Após concluir o curso, o formando pode ingressar em uma graduação da universidade, sem passar pelo vestibular. A seleção é feita a partir das notas de Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e cada escola pública de ensino médio do município tem direito de uma a duas vagas. A experiência inspirou o sistema de cotas proposto pelo governo de São Paulo que deve ser adotado pelas universidades estaduais de São Paulo a partir de 2014.
Dos 66 cursos de graduação da Unicamp, 59 abrem vagas para alunos do Profis. Música e teatro, que exigem prova de aptidão, e ciências sociais, não estão na lista, por exemplo. O curso noturno de licenciatura de matemática é o que oferece o maior número de vagas, 10, enquanto os demais oferecem entre uma e cinco. A oferta, contudo, muda rapidamente. Quando Caroline ingressou no Profis, eram disponibilizadas duas vagas para medicina, mas no decorrer do programa foram acrescentadas outras três.Durante o curso, Caroline contou com a bolsa de estudos de R$ 400 concedida pela universidade, além de auxílio transporte e alimentação. Os alunos do programa não recebem uma bolsa específica após se formarem, mas podem se candidatar ao Programa de Bolsas do Serviço de Apoio ao Estudante, junto aos demais ingressantes do vestibular.
Agora mais perto do seu sonho, Caroline conta que está se dedicando ao máximo aos estudos. A jovem afirma, contudo, que percebe algumas diferenças entre os egressos do programa e outros alunos da universidade, que provêm, majoritariamente, de colégios particulares. “Sinto que temos algumas desvantagens em relação ao conteúdo. Muitos estudantes já tiveram, durante o ensino médio, a base das matérias que estamos vendo agora, e mesmo após termos passado pelo programa, não é o mesmo conhecimento. Na medicina, estão os melhores alunos, das melhores escolas”, relata, mencionando também a discrepância na situação financeira. Segundo dados da Comissão Permanente para os Vestibulares, 1.099 estudantes matriculados aprovados no último processo seletivo da Unicamp cursaram ensino médio em escolas públicas, de um total de 3.435 matriculados.
As diferenças financeiras podem ficar mais evidentes no que diz respeito ao material didático. Para o módulo que estão estudando no momento, Caroline e os outros quatro estudantes de medicina que entraram pelo Profis necessitam de duas obras: uma no valor de R$ 599, outra de R$ 442. “Apesar de a Unicamp ter um acervo razoável, muitos cursos coincidem em usar um mesmo livro em um mesmo período, então é complicado conciliar essa situação”, explica a estudante.
PreparoMesmo constatando essa diferença entre o conhecimento básico dos conteúdos, Caroline enfatiza a importância do nivelamento fornecido pelo Profis, mas destaca, principalmente, a oportunidade propiciada. “É, de fato, um programa social que faz com que nós, de escolas públicas, possamos entrar na universidade, algo que talvez não fosse possível de outra forma”, avalia. Para ela, os dois anos passados no programa, em contato com o ambiente acadêmico da Unicamp e com professores universitários, também foi um período para adquirir maturidade.
Dênnys William Barbosa Martins, 19 anos, também se formou na primeira turma do Profis e acredita que a experiência lhe preparou para a vida acadêmica. “Aprendi lições essenciais para a minha graduação, nas matérias e na iniciação científica (obrigatória no segundo ano do programa)”, diz o jovem, que está cursando engenharia de controle e automação. Dênnys recebeu auxílio financeiro durante os dois anos de curso, o que, segundo ele, foi essencial para a permanência na instituição. “Pego três ônibus para chegar e ficava o dia inteiro na universidade, então, a bolsa significou uma redução importante nos gastos”, indica.De acordo com o relatório Profis: um retrato do primeiro ano do programa de formação geral da Unicamp, de julho de 2012, apenas 14,8% dos alunos matriculados nos cursos de graduação da instituição se classificam como pretos, pardos ou indígenas. Entre os alunos ingressantes beneficiados pelo Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social, o percentual dos três grupos de cor não passa de 27,4% – no Profis, são 40,8%.
Evasão e reprovaçãoAs altas taxas de evasão e reprovação do programa, no entanto, ainda são um desafio, conforme aponta o documento. Dos 120 que ingressaram na primeira turma, 53 se formaram. O relatório mostra que 22 alunos deixaram o curso antes do início do primeiro semestre de 2012, 60% por excesso de reprovação – 13 são classificados como ingressantes sem aproveitamento, enquanto seis fizeram vestibular e entraram em outros cursos da universidade, e três cancelaram a matrícula. O texto indica ainda que os alunos desligados do curso por baixo rendimento parecem ter se desinteressado do programa, “talvez por julgarem que seriam pequenas as chances de ingressar no curso de graduação que almejavam -, ou não se adaptaram ao ritmo de estudos exigido pela universidade”.
O ex-pró-reitor Knobel indica que, entre os que não se formaram, aproximadamente 30 ainda estão no Profis, mas não terminaram o curso nos dois anos previstos – o programa pode ser concluído em até três anos. “Parte da turma atrasou porque reprovou, outros 10 saíram por terem passado em vestibulares. Considerando isso, a evasão está na média de outros cursos da universidade”, analisa. O Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp vai acompanhar os alunos do Profis pelos próximos 15 anos, para coletar dados e analisar o desempenho acadêmico e profissional dos egressos.
Outras universidadesA experiência do Profis inspirou o sistema de cotas proposto pelo governo do Estado que deve ser adotado pelas universidades estaduais de São Paulo a partir de 2014. As universidades de São Paulo (USP), Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade de Campinas (Unicamp) deverão adotar o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público (Pimesp). A Fa
culdade de Tecnologia do Estado (Fatec) e as faculdades de Medicina de Marília e de Rio Preto também devem aderir ao programa.
A iniciativa prevê, até 2016, a reserva de 50% das matrículas em cada curso a alunos que tenham feito o ensino médio integralmente em escolas públicas, dos quais 35% devem ser pretos, pardos ou indígenas. Para ajudar no cumprimento das metas, o Instituto Comunitário de Ensino Superior será criado em parceria com a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), atenderá 40% do total das metas socioétnicas (2 mil vagas) e terá classificação pelo Enem. Mil vagas serão reservadas a estudantes pretos, pardos e indígenas. A instituição oferecerá cursos com dois anos de duração, e parte da carga horária poderá ser cumprida a distância.
Aqueles que concluírem o primeiro ano do curso com aproveitamento superior a 70% vão ter ingresso garantido em cursos das Faculdades de Tecnologia de São Paulo (Fatecs), com escola da vaga por desempenho. Os concluintes do segundo ano com rendimento maior de 70% vão entrar em universidades estaduais e Fatecs, sob os mesmos critérios para opção da vaga. As informações, apresentadas pelo governo estadual paulista, não são definitivas, e estão sendo discutidas dentro das universidades.
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