Nas últimas décadas, o Brasil alcançou alguns avanços no ensino fundamental. A expansão nas matrículas, em especial nos anos 90 e no início da década passada, fez com que o acesso chegasse próximo da universalização. A qualidade também apresentou avanços, em especial no segmento do 1º ao 5º ano. A evolução na etapa inicial, porém, não foi seguida nas etapas seguintes. As dificuldades tornam-se maiores na medida em que se avança na escolaridade e, não por acaso, é no ensino médio, fase final da educação básica, que os problemas acumulam-se.
O ensino médio, principalmente nas escolas públicas, apresenta uma série de problemas. Falta de professores, ausência de laboratórios e bibliotecas e desempenho ruim dos estudantes em avaliações nacionais são alguns dos mais graves. A evasão também preocupa. Estudos têm apontado
uma taxa de evasão próxima dos 50%.
uma taxa de evasão próxima dos 50%.
O quadro não surpreende o educador Teuler Reis. Autor do livro “Educação e Cidadania – a batalha de uma educação comprometida”, ele reconhece que ocorreram avanços nos últimos anos, mas defende que é preciso mudar o foco. “O adolescente de hoje não ‘engole’ os desatinos da educação. Vontade de aprender ele tem e muita. Mas, precisa ser um conhecimento que estimule sua criatividade, que abra portas para o mercado de trabalho e principalmente o faça refletir melhor sobre a vida.”
Outro problema, segundo o especialista, é a mentalidade do jovem. Para ele, o imediatismo característico da sociedade contemporânea faz com que a juventude não se interesse por um projeto de futuro. Para ele, uma solução para este dilema seria dar um viés profissionalizante a esta etapa do ensino. Aí, o problema passa a ser a postura das famílias.
“Conheço escolas que propõem um ensino médio integrado ao profissionalizante, e, lamentavelmente, escuta os pais dizerem que não educaram filhos para fazer curso profissionalizante. Na visão desses pais os filhos têm que fazer faculdade”, destacou Teuler Reis.
Uma das apostas do Ministério da Educação (MEC) para mudar a cara da parte final da educação básica brasileira foi a mudança no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A prova já era estruturada por áreas do conhecimento, em vez de disciplinas estanques. Porém, só depois de substituir os vestibulares de universidades federais no Brasil é que passou a servir de referência para organização do ensino pelas escolas.
Mas, na opinião do professor Julio Furtado, mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Havana, em Cuba, o formato interdisciplinar do Enem ainda não chegou às salas de aula. Para ele, o máximo que acontece, em boa parte dos casos, é a utilização esporádica de algumas questões aplicadas nos últimos anos, em especial na 3ª série, para dar uma noção ao aluno do perfil da prova. “Não é essa a ideia”, ressalta Julio Furtado. Para ele, a prática de sala de aula continua a mesma, de forma geral. “Um dos comportamentos mais desejáveis através dessa influência é a integração interdisciplinar entre os conteúdos, que continuam fechadinhos dentro das treze disciplinas obrigatórias ao longo dos três anos de ensino médio”, comentou o especialista.
Uma das alternativas para tornar a escola mais interessante, na opinião de Julio Furtado, seria reduzir o conteúdo programático. Para ele, as duas principais funções do ensino médio são formar uma base para a continuação dos estudos na universidade e preparar o aluno para o mercado de trabalho. Porém, com tantas matérias a serem estudadas, é difícil qualquer dois dois objetivos ser atingido. O educador é favorável a um ensino que deixe de ser enciclopédico para tornar-se instrumentalizante e organizado em grandes áreas, como ocorre no Enem.
“Estudam-se dezenas de disciplinas e não se aprende a fazer relações, sínteses, interpretações e avaliações, além de não sobrar tempo para se desenvolver cidadania, discutir direitos humanos e conscientizar quanto à necessidade de atitudes sustentáveis”, concluiu o educador.
Escolas buscam integrar o Enem as suas propostas
Denise Pina, orientadora educacional do ensino médio no Colégio Sion, diz que os professores buscam usar em suas disciplinas a compreensão do aluno sobre a atualidade. “A escola promove alguns trabalhos, como a atuação em conjunto dos professores acerca de um tema geral que possa ser discutido envolvendo as disciplinas, como também um projeto para preparar para o Enem, com professores extras no contraturno discutindo questões usando a interdisciplinaridade”.
Mas Denise acredita que o grande desafio para o funcionamento dessas atividades é o interesse dos jovens, principalmente nos horários extras. “O que buscamos é fazer com que o aluno se atualize com assuntos tratados na mídia, que ele não lê no jornal ou que não assiste na TV”, disse.
O Colégio QI também foca a discussão da atualidade em sala de aula. A orientadora pedagógica da unidade de Botafogo, Mariza Correia, afirma que os professores abordam temas atuais em suas aulas para que os alunos possam compreender a realidade através das disciplinas, além de trabalhar constantemente as competências da redação para o Enem. No entanto, ela entende que não é uma tarefa fácil.
“O grande desafio é conseguir trazer o mundo para a sala de aula. O professor tem que conciliar essa interdisciplinaridade com o roteiro a ser seguido, tem que atingir os resultados e conciliar com a formação do aluno”, relatou Mariza.
Mas muitas vezes a dificuldade é fazer com que os pais dos alunos compreendam a importância de prepará-los para o Enem ao mesmo tempo em que se tenta dar uma formação ao aluno, segundo afirma Maria do Carmo Laia, diretora pedagógica do Colégio Nossa Senhora da Assunção de Niterói.
“A família não entende a proposta. É difícil fazer com que os pais entendam que uma palestra sobre ações afirmativas é importante para que o seu filho tenha uma preparação para o Enem e também uma formação social”, explica ela.
Em seu colégio, os professores trabalham o conteúdo programático com disciplinas exclusivas como bioética, cidadania, meio ambiente e técnicas de comunicação. Há, por exemplo, projetos específicos em que a Matemática é utilizada como instrumento para outras disciplinas, além de também fazer uso de uma temática geral para ser discutida em cada matéria.
O Enem tem sido muito importante para mobilizar tanto a sociedade quanto educadores. As escolas possuem hoje um novo olhar e refletem sobre a educação e a serviço do que ela está, é o que afirma Rosa Xavier, coordenadora pedagógica do Colégio Sagrado Coração de Maria. “Há hoje o enfrentamento da falta de sentido com os assuntos abordados, a contextualização do que é feito e aplicação dos conceitos”.
Desafios do ensino médio foi tema de seminário
Com o novo cenário da educação no Brasil, instituições da rede privada e ensino vêm buscando ncontrar soluções para enfrentar os desafios ançados para a identidade do ensino médio e os interesses dos alunos. Este tema foi discutido no I Seminário de Educação Rede Sagrado, realizado na última quinta-feira, dia 16, o que proporcionou a diretores, gestores e pedagogos de tradicionais escolas do Rio de Janeiro uma discussão sobre os rumos da educação.
Amaro França, diretor geral do Colégio Sagrado Coração de Maria, citou que o evento é uma contribuição para que as instituições privadas possam enfrentar um problema comum que afeta o ensino médio através da união de forças. “Cada escola tem sua identidade mas a ideia é formar valores com a participação de instituições com referências históricas”, disse o diretor. Para ele, é importante que as escolas tenham a preocupação com a base de formação de valores do aluno, que é o desafio da atualidade.
O evento contou com a presença do professor titular de matemática e diretor do departamento de metodologia do ensino e educação comparada da Faculdade de Educação da USP (Feusp), Dr. Nilson José Machado, que palestrou sobre os problemas enfrentados pelas escolas e os desafios a serem enfrentados. Durante a palestra, o especialista abordou questões como os problemas da identidade do ensino médio e o desafio a ser superado pelas escolas, sobretudo as particulares.
De acordo com o professor, atualmente o ensino médio enfrenta uma fragmentação. Há instituições voltadas para uma educação preparatória, que ele chama de propedêutica, uma formação continuada, permanente, em que o aluno está sempre se preparando, nunca encerra seus estudos. “O futuro do trabalho é a Educação. Estar no trabalho é continuar estudando”, disse.
Outro caráter preocupante é o ensino profissionalizante, segundo o professor. Ele questiona o que é preparar para o mercado de trabalho e afirma que há escolas que preparam para profissões sem qualquer perspectiva de futuro. Ele divide a preparação no ensino técnico entre os cursos para profissões rotineiras e de profissões analistas. O educador explica que esta educação que prepara para o trabalho rotineiro não capacita o jovem a ter um olhar crítico e inovador.
O educador também criticou a organização do ensino médio. Para ele, existe uma multiplicação de disciplinas em paralelo a uma fragmentação dos seus conteúdos, o que leva à perda do significado dos assuntos estudados. Segundo ele, o ensino das disciplinas é muito pontual, ou seja, trabalha-se com particularidades das matérias sem que o aluno tenha uma visão ampla sobre sobre o assunto.
“É preciso trabalhar cada disciplina a partir das ideias fundamentais de cada uma delas. O que está sendo perguntado tem que fazer sentido para o aluno. É preciso contar histórias na escola, construir narrativas”, salientou o especialista.
O Colégio Sagrado Coração de Maria vem trabalhando esses conceitos de identidade e interesse, segundo a diretora pedagógica da escola, Irmã Maria Cristina Caetano. “Os professores utilizam metodologias em sala de aula estimulando o pensamento crítico, através da base interdisciplinar e com autonomia do aluno. Os coordenadores de área se reúnem para discutir a aplicação da interdisciplinaridade em sala de aula”, disse.
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