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As escolas da rede estadual trocaram as notas por parecer, mas specialista alerta que, sobrecarregados, professores podem usar mesma descrição para vários alunos

Em processo de implantação desde o ano passado no Rio Grande do Sul, o método de avaliação emancipatória divide opiniões de acadêmicos e professores estaduais. Mesmo os que defendem o recurso como uma melhor forma de acompanhar a aprendizagem do aluno acreditam que sua aplicação é complexa e pode colocar em jogo seu real objetivo – ainda mais em uma rede de ensino tão grande como a gaúcha.

 

Em 2012, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul implantou o parecer descritivo  – com um relato sobre o desempenho do aluno, no lugar apenas de uma nota – como forma de avaliar os estudantes do 1º ano do ensino médio. A reforma chegou ao segundo ano já no início de 2013, mesmo com a resistência de alguns professores e do sindicato da classe. A professora do Departamento de Educação Comparada, Didática e Teoria do Ensino da Universidade de São Paulo Elba Siqueira de Sá explica que a implantação dos pareceres descritivos e conceitos vieram para “quebrar a rigidez das notas”.

O método já é comum em escolas públicas e privadas no Brasil e é apontado, inclusive, como uma tendência no país por Elba. “O parecer diz um pouco mais do que se espera do aluno com palavras, enquanto que o conceito sintetiza com uma abreviação”, explica. Ela afirma que algumas escolas particulares de São Paulo utilizam o método. As escolas da rede municipal da capital paulista também se valem de conceitos – não satisfatório, satisfatório e plenamente satisfatório – e algumas optaram por implantar os pareceres nas avaliações.

 

Para a professora, esses são bons recursos, pois deixam claras as habilidades do aluno, mas tendem a cair na padronização. O método sugere que seja feita uma descrição escrita sobre as falhas e os acertos do aluno segundo os objetivos de cada disciplina, portanto, são bastante individuais. “Alguns professores têm 200 alunos na semana. Se ele for demorar na descrição de cada um, o tempo de trabalho é enorme”, observa Elba.

 

Algumas escolas já usam textos padrões que são modificados pelo professor de acordo com suas observações sobre o aluno, mas a professora da USP explica que, normalmente, a padronização é feita pelo próprio educador. “Nesse caso, a intenção do parecer acaba sendo atropelada pela forma de avaliação”, afirma.

 

A professora de Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Helena Sporleder Côrtes acredita que o mais importante antes de implantar o sistema do parecer descritivo é discutir os critérios de avaliação.

 

A coordenadora do núcleo de Ensino Médio, Politécnico e Curso Normal da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC-RS), Vera Maria Ferreira, afirma que professores e funcionários estão sendo preparados para trabalhar com o novo método através de cursos, palestras, oficinas e mostra de trabalhos. Os encontros de formação acontecem mensalmente nas 30 Coordenadorias Regionais (CREs) que a SEDUC atende. A presidente do sindicato dos professores do Rio Grande do Sul, o Cpers, Rejane de Oliveira afirma, porém, que esse processo de formação não está acontecendo na escola.

 

Mudança vai ao encontro da lógica do Enem
Na nova avaliação, são considerados três conceitos diferentes que decidirão pela aprovação ou reprovação do aluno: a Construção Satisfatória de Aprendizagem (CSA), Construção Parcial de Aprendizagem (CPA) e a Construção Restrita de Aprendizagem (CRA). O aluno é reprovado se obtiver CRA em duas áreas de conhecimento. Se ele ficar com CRA em uma área, será aprovado de ano e acompanhado por um Plano Pedagógico de Apoio Didático (PPDA). Nele, estão descritas as dificuldades que o aluno deve corrigir com ajuda dos professores.

 

Vera explica que essa mudança é resultado de uma reestruturação na forma de ensino nas escolas. A ideia é abordar os temas de forma interdisciplinar e levando em conta o contexto de vida dos alunos. “Nós vamos trabalhar de acordo com áreas de conhecimento, sem desconstruir as disciplinas. A física, química e biologia não existem isoladamente, por exemplo”, explica. Ela alega que o objetivo disso é acabar com a chamada “decoreba” para as provas e estimular a construção do conhecimento.

 

Helena avalia que a interdisciplinaridade é um tendência nas escolas, principalmente devido ao Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), que leva em conta áreas de conhecimento no lugar de disciplinas separadas. Apesar de achar que a avaliação deve ser mais qualitativa do que quantitativa – como com as notas -, ela considera que seria quase impossível implantar esse método de ensino e avalição em uma rede estadual tão grande como a gaúcha.

 

“Isso demanda tempo e um processo pedagógico que a gente sabe que é difícil de acontecer no Estado. O problema não é o parecer descritivo, mas como chegar a ele, quais as condições dadas aos professores para se apropriar dessa forma de avaliação”, argumenta a professora da PUCRS. Ela afirma que para que esse sistema funcione é preciso que haja uma acompanhamento do trabalho dos professores e uma capacitação constante deles.

 

O professor do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Francisco Soares acredita que não há tantas diferenças entre a aplicação de notas e conceitos, pois em ambos os casos deve-se apresentar uma interpretação do que foi estabelecido ao aluno. Soares concorda que a aplicação do sistema proposta pela Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul é bastante complexa. “É muito rica a possibilidade, desde que isso seja bem implementado”, afirma.

 

Para ele, o conceito não é uma forma de passar os alunos de forma mais fácil. “Se a escola já aprovava todo mundo, ela vai continuar dando um jeito. A vantagem do parecer descritivo é que o conceito é explicado, ele vai dizer o que o aluno aprendeu ou não”, acrescenta.

 

Sindicato acusa secretaria de estimular aprovação automática
Além das discussões no meio acadêmico, o novo sistema de avaliação também gerou polêmica entre os professores das escolas. O Cpers, sindicato dos professores do Rio Grande do Sul, acusa o governo estadual de dar instrução aos professores para aprovarem os alunos automaticamente. “As escolas estão sendo orientadas para que o parecer seja de aprovação”, afirma a presidente do Cpers, Rejane Oliveira. Segundo Rejane, isso seria uma forma de maquiar os índices de reprovação do Estado que são os mais altos do Brasil. De acordo com a pesquisa publicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), 20,7% dos alunos matriculados no ensino médio gaúcho não passaram de ano em 2011.

 

Em nome da Secretaria da Educação, Vera nega a acusação do Cpers. “Dar um canetaço seria muito mais simples, mas nós estamos trabalhando pela aprendizagem e na prática do ensino”, argumenta.  Ela afirma que o objetivo da reforma é fazer com que a reprovação deixe de ser tratada como algo comum nas escolas. “Nós temos que nos indignar com a reprovação. Nós não podemos trabalhar com normalidade, nós temos que trabalhar para que, desde o primeiro dia de aula, o aluno tenha um acompanhamento”, afirma.