Vamos imaginar a seguinte situação hipotética: uma rede pública de ensino possui dez escolas. Dentre elas, uma é eleita para receber mais investimentos e concentrar os projetos mais inovadores. Agora, tente pensar em quais serão os prováveis resultados dessa ação. Não é difícil prever uma das consequências: a instituição beneficiada vai apresentar mais e melhores resultados que o conjunto das outras escolas – seja no desempenho dos alunos, na satisfação dos professores ou nos aspectos infraestruturais, a depender da ênfase dos investimentos. O resto da rede, por outro lado, seguirá com os problemas de sempre. E, muito possivelmente, vai se ressentir (com bastante razão) da desigualdade de atendimento.
O exemplo deste texto é fictício, mas assume feições concretas em diversos estados e municípios do Brasil. E isso vem de longe. Há muitas décadas, não é raro encontrar escolas que são a menina dos olhos dos gestores públicos, apresentadas ao grande público (quase sempre, por meio da mídia) como exemplos a serem seguidos. Esses casos isolados são comumente chamados de “ilhas de excelência”, dado o seu destaque em relação aos demais e à superioridade que apresentam.
São “ilhas”, por exemplo, escolas que oferecem disciplinas complementares e fazem parte de uma enorme rede que não dá conta de ensinar o básico. Ou instituições de ensino com prédios muito bem equipados ao lado de outros que apresentam sérios problemas estruturais. Cobiçadas pela população, algumas delas acabam instaurando estratégias para “selecionar” a demanda. São notórios, por exemplo, os vestibulinhos em escolas técnicas públicas. Ainda que amparados pelo escudo da meritocracia, acabam fechando ainda mais as portas de um ensino de qualidade para as populações mais vulneráveis.
Certo: algumas escolas podem se destacar graças ao trabalho comprometido e competente de toda a comunidade escolar. Mas, de modo geral, a característica principal das ilhas de excelência é a concentração de recursos, num investimento desproporcional em relação ao restante das instituições, como explica Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Não se trata de uma ação intrinsecamente negativa. Experiências-piloto são uma forma de introduzir inovações no sistema educacional, tradicionalmente avesso a novidades. Além disso, construir uma escola com excelente infraestrutura numa região necessitada pode ser uma medida justa e necessária, dentro do princípio “dar mais a quem mais precisa”. “Um investimento desigual só se legitima como uma estratégia para alcançar a igualdade”, diz o professor. Mesmo assim, justifica-se apenas em casos específicos e por um tempo determinado.
Ocorre que nem sempre a equalização de atendimento é o critério usado para a criação de escolas-ilha. Muitas vezes, o que manda são os interesses políticos: injetar dinheiro em algumas escolas resultados rápidos. Ainda que sejam localizados, são fartamente utilizados como vitrine e como material de propaganda na eleição seguinte.
Projetos experimentais só são de fato valiosos quando se considera que são replicáveis e que serão realidade em outros locais. Aí mora o problema: é muito difícil encontrar uma experiência-piloto que tenha sido generalizada. Não são poucas as barreiras à implantação de projetos pequenos em escalas maiores. Vale a pena enumerar algumas:
– a morosidade do governo para a expansão;
– a falta de continuidade entre gestões;
– a ausência de canais institucionais dentro da própria rede para a troca de ideias e informações sobre a experiência-piloto (muitas vezes, gestores e professores de outras escolas ficam sabendo das novidades das ilhas de excelência apenas pela mídia);
– a resistência à novidade por parte dos futuros beneficiados (mais confortáveis à situação vigente);
– a escassez de recursos (aumentar a verba destinada a qualquer área nem sempre é fácil);
– a falta de registro da experiência;
– desconsiderar o conhecimento acumulado em pesquisas e a realidade de cada escola (o que funciona em uma pode não funcionar em outra, ou precisa ser adaptado para dar certo).
De qualquer modo, seria um passo fundamental atrelar a criação de experiências de excelência a um planejamento mais amplo. Os objetivos estão bem delineados? Quais são os resultados esperados – e em que prazo? Há verba suficiente para beneficiar a todos? Na Educação pública, não se pode aceitar que uma parcela da população não será atendida pela política social. Se for privilegiar alguns, não serve. Uma boa ideia tem que ser para todos.
Com reportagem de Beatriz Santomauro
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