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Dez anos depois de a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) passar a garantir uma parcela das vagas para estudantes afrodescendentes e de baixa renda em seu vestibular, cotistas matriculados na instituição relatam dificuldades para manter os estudos diante da bolsa-auxílio para variados custos e transporte que é paga. De acordo com alunos ouvidos pelo Terra, o valor de R$ 400, que foi reajustado recentemente, ainda é baixo e insuficiente para garantir a manutenção na universidade sem que que se tenha que recorrer a outra fonte de renda.

“A bolsa não dá vazão. Temos que procurar estágio, ou outro trabalho. Muitos têm que fazer pesquisa num outro turno, mas não conseguem, porque têm que trabalhar”, afirma a estudante do sétimo período de ciências sociais, Vitória Lourenço Silva.

Além dos R$ 400 de bolsa, os alunos têm R$ 110 para auxiliar na aquisição de material didático. Vitória aponta que tem ocorrido atrasos no pagamento da bolsa nos últimos meses. Em alguns momentos, relata, teve que pedir dinheiro emprestado para ter que ir para a universidade. Ela sustenta que, fora o auxílio financeiro, a Uerj dá pouco apoio aos estudantes mais carentes para que eles se mantenham estudando. “A defasagem é enorme. O ideal seria se equiparar o auxílio ao salário mínimo (R$ 678)”, sugere a estudante.

Grávida de seis meses, a também estudante de ciências sociais, Ester da Silveira, tem que complementar a renda trabalhando por seis horas numa creche municipal. Ela também ressalta que não teria como estudar sem o auxílio financeiro dado pela Uerj. Antes de ingressar em 2011 pelo sistema de cotas, ela tentou chegar à universidade em 2006, mas não foi bem sucedida. Ficou um bom tempo sem estudar, até decidir tentar novamente.

“Esse tempo que fiquei sem estudar dificultou minha entrada aqui. Senti dificuldade. Mas logo me readaptei, e tenho tido um bom desempenho”, comenta, que pede uma espécie de auxílio-creche da universidade, para que não tenha que ficar muito tempo sem estudar.

“Vou ter que parar para ter meu filho. Se tivesse condição de deixá-lo numa creche, poderia voltar a estudar antes”, explica.

Fernanda Mattos, estudante cotista do quarto período de economia, conta que teve problemas para se adequar ao ritmo de aulas na universidade. Ela diz ter entrado “bastante defasada”, depois de ter estudado em sua vida escolar em colégios públicos. “Tinha dificuldade para pegar as coisas. Mas felizmente, tive ajuda dos meus colegas, cotistas ou não. Ainda me acho um pouco atrás dos outros, mas essa diferença diminuiu”, afirma.

Já Taiana da Silva, do sétimo período de ciências sociais, não precisa trabalhar para complementar a renda e seguir estudando. Por isso, consegue fazer o complemento acadêmico com trabalho de pesquisa em outro turno. Também cotista, ela reconhece ser uma espécie de privilegiada por ter a condição de poder não trabalhar.

“A assistência estudantil precisa melhorar. Não preciso, necessariamente, trabalhar. Mas muitos não têm essa condição. O bandejão da Uerj custa R$ 2 para os cotistas, e R$ 3 para quem não é cotista. Na UFF, paga-se R$ 0,75 para comer”, ressalta.

“Não adianta dar cota se não der a assistência devida. Os cotistas demoram mais a se formar porque têm que trabalhar, e por isso, precisam fazer menos matérias para ter tempo suficiente”, acrescenta.

Para estudante, acesso à universidade permitiu convivência com classes sociais diferentes

Estudante de ciências sociais, Élbio Ribeiro ingressou na universidade em 2003, e ressalta que jamais foi discriminado por algum professor ou colega de classe. Além do acesso aos estudos e a uma melhor qualificação, Élbio destaca o caráter inclusivo que a entrada na universidade, via política de cotas, lhe permitiu.

“Na minha infância, acompanhava minha mãe que saía para fazer faxina na casa de outras pessoas e usava o elevador de serviço. O espaço que eu tinha liberdade para transitar era o quarto de empregada e a cozinha. Hoje, frequento os mesmos bairros que os meus amigos de faculdade e entro nas casas como convidado. Pude me aproximar e conviver com pessoas de classes sociais diferentes da minha”, afirma.

Com elogios à política de cotas, ele faz algumas ressalvas e cita pontos que podem melhorar, como a autorização para que se acumule bolsas-auxílio, caso um aluno tenha que fazer alguma pesquisa ou especialização em outro turno. O estudante pede também redução no preço da refeição do restaurante universitário da Uerj – de R$ 2 -, além de facilidade no acesso a livros custeados por um programa de auxílio da instituição.

Vitória Lourenço Silva lembra que tinha passado para outras universidades, mas que não tinha condições de bancar. Mesmo tendo conseguido acessar outras instituições, ela admite que não teria ingressado na Uerj sem a lei de cotas. “Vim para cá por causa da bolsa e da verba de material. Moro em Jacarepaguá, e preciso do auxílio para me deslocar e para me alimentar”, observa.

Antes de chegar à universidade, Vitória passou por duas escolas públicas, e admite ter sentido dificuldades no início de sua vida universitária. “Foi muito difícil no começo. Tinha um outro ritmo de estudos. Os professores pegavam pesado. Mas me adaptei rápido”, recorda.

Estudantes cotistas na Uerj cresceram 15,8% desde início do sistema de cotas

De 2003 a 2012, 8.759 estudantes entraram na Uerj via vestibular, pelo sistema de cotas. Desse total, 4.484 entraram pelo critério de renda; 4.146 na cota de negros; e 129 pelo percentual de deficientes, indígenas e filhos de bombeiros, policiais, agentes penitenciários e inspetores de segurança mortos em serviço. Os não-cotistas somaram 15.998 estudantes que ingressaram no período.

Segundo o deputado estadual Gilberto Palmares (PT-RJ), que mediou um debate sobre as cotas na Assembleia Legislativa do Rio, houve aumento de 15,8% no número de estudantes cotistas desde a implementação do sistema na Uerj. Defensor do sistema, ele frisa que os cotistas vêm apresentando um bom desempenho na universidade, e estão conseguindo se integrar normalmente ao mercado de trabalho. “Números da Uerj mostram que a evasão de alunos cotistas é menor e o coeficiente de rendimento médio é ligeiramente maior que o de alunos não cotistas”, observa.

Pesquisador da Uerj, André Lázaro observa que a lei no Rio de Janeiro prevê que 45% das vagas nas universidades estaduais públicas sejam destinadas a cotistas, mas que pouco mais de 30% estão sendo preenchidas. “Não fazemos cotas para pagar uma dívida com o passado, que é enorme. Mas para fazer um futuro melhor. O futuro não vai arrastar as marcas do passado, e sim, superá-las”.

Diretor da ONG Educafro, Marcos Rodrigo Silva Santos sustenta que os alunos cotistas entram com nota inferior, mas estão conseguindo se igualar ao longo curso. Além disso, comenta, as taxas de abandono e reprovação entre os cotistas têm sido menores. Segundo ele, após um ano de curso, 48,9% dos cotistas foram aprovados em todas as matérias. Entre os demais alunos, tal proporção é de 47%, alega. “Mais de 80% dos professores ouvidos nas universidades dizem que o nível acadêmico não caiu com o sistema de cotas”, completa.

Terra entrou em contato com a assessoria da Uerj para ver a posição da instituição sobre os auxílios aos cotistas, mas até a publicação da reportagem não havia recebido um retorno.