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Miriam Abramovay, coordenadora de Estudos e Políticas sobre a Juventude da Flacso Brasil,  fala sobre automutilação entre crianças e adolescentes. “Nós trabalhamos o tema da violência desde 2002. Essa questão da automutilação nunca tinha aparecido”, relata.

Um problema desconhecido estatisticamente. Apesar de o Brasil como um todo não dispor de dados específicos sobre a incidência da automutilação, a prática gera o alerta para o crescimento dos casos, especialmente entre os jovens. Na capital do Ceará, estudo realizado em escolas revelam que a agressão acontece principalmente entre as meninas.

O resultado surgiu a partir de uma escuta analítica de adolescentes que praticaram automutilação em Fortaleza, realizada pela psicóloga escolar Lorena Lopes em sua pesquisa de mestrado defendida em 2017. Conforme a profissional, que atende em uma rede particular de ensino, cinco adolescentes do gênero feminino, entre 15 e 17 anos, foram ouvidas.

Conflitos familiares e problemas de relação afetiva estiveram entre os problemas apontados pelas jovens. “A gente percebe que era uma forma de alívio. Elas praticavam a automutilação para aliviar algo emocional em uma dor física. É uma forma de escoar a tensão emocional”, diz.

A escuta qualificada é um dos meios de ajuda para adolescentes com o problema, aponta Lopes.“Uma das adolescentes, toda a vez que vinha a vontade de praticar o corte, ela escrevia cartas e me levava. Foi a forma encontrada por nós nos atendimentos. Quando elas começaram a falar, isso ia se organizando na cabeça delas”, diz.

O apoio psicológico nas escolas, acrescenta, é um fator fundamental para auxílio nesses casos, uma vez que esse comportamento pode derivar de um quadro psiquiátrico mais acentuado, assim como indicar dilemas emocionais momentâneos.

Legislação

A Lei 13.819, que cria a Política de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, foi sancionada pelo Governo Federal somente em abril de 2019. A norma estabelece a notificação compulsória de casos de automutilação em escolas e hospitais e obriga esse tipo de instituição a acionar imediatamente os conselhos tutelares.

Nos oito conselhos tutelares de Fortaleza, no entanto, não existe um quantitativo específico desta violação. Segundo a Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), ela pode está inserida em conflito familiar ou situação de risco. Como os conselhos tutelares são independentes, a Funci alega não ter domínio dos dados.

Segundo relata a socióloga Miriam Abramovay, coordenadora de Estudos e Políticas sobre a Juventude da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), relatos dessa natureza surgiram durante apuração da pesquisa “O papel da educação para jovens afetados pela violência e outros riscos no Ceará e Rio Grande do Sul”.

Realizada entre 2016 e 2017, o levantamento ouviu relatos de infelicidade e falta de diálogo, seja com a escola, família e até com os amigos. A investigação, conta Miriam, além de Fortaleza, incluiu escolas de Porto Alegre.

“Nós trabalhamos o tema da violência desde 2002. Essa questão da automutilação nunca tinha aparecido. É recente. O trabalho consistia em fazer uma pesquisa de campo e depois fazer uma proposta de plano de ação. Quando nós começamos a fazer a pesquisa, eles começaram a contar casos de automutilação, não falando deles mesmos, mas depois sim”, explica.