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“As escolas não podem funcionar somente na questão das notas. Se você não tiver um diagnóstico sobre o que está acontecendo nas escolas, não dá para propor políticas públicas”, analisa Miriam Abramovay, coordenadora de Estudos e Políticas sobre a Juventude da Flacso Brasil.

Ainda não está claro o que motivou dois jovens a entrarem em uma escola de Suzano (SP) fortemente armados, matarem oito pessoas e se matarem em seguida. No entanto, dúvidas sobre o que poderia ter sido feito para prevenir o crime começam a aparecer. Atenção aos sinais psicológicos ou ações de segurança pública estão no foco do debate. O G1 ouviu especialistas para saber se é possível identificar e evitar tragédias como essa.

Para os especialistas, a prevenção passa por:

  • Equipes de ronda policial e vigilância podem impedir a entrada de criminosos em escolas, mas esta ação não é totalmente efetiva porque o criminoso pode ficar esperando para entrar na escola assim que a ronda passar;
  • Armar professores não é efetivo porque o porte e a posse da arma passa por questões estritamente pessoais e legais;
  • Uma alternativa apontada é investir em monitoramento de redes sociais: policiais poderiam receber alerta quando determinado IP [endereço do computador] começasse a fazer pesquisas relacionadas a alguns temas e, a partir disso, abrir uma investigação;
  • Escolas devem fazer campanhas de prevenção contra bullying;
  • Campanhas e conversas contra a intolerância também poderiam evitar crimes de ódio;
  • Atendimento psicológico dentro das escolas é indicado por especialistas como uma estratégia eficiente de prevenção;
  • Dar protagonismo aos estudantes para que eles participem da organização escolar é uma forma de ouvir as demandas e fazê-los participarem do dia a dia da escola;
  • Pais e familiares devem ter atenção ao comportamento de adolescentes, sobretudo quando mostram isolamento, mudança de humor acentuada;
  • Há diferentes perfis psicológicos e, em alguns casos, um potencial agressor pode não dar sinais evidentes que ajudem pais a perceberem um eventual risco;

Confira abaixo o que dizem os especialistas:

  • Diógenes Lucca, tenente-coronel da reserva da PM de São Paulo, comandante do Gate entre 1988 e 2014 e especialista em Segurança Pública
  • José Vicente da Silva, coronel da reserva da PM de São Paulo, ex- Secretário Nacional de Segurança Pública e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
  • Luciana Szymanski, professora da pós-graduação em psicologia da educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
  • Marianne Bonilha, psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, e responsável pelo ambulatório de violência
  • Miriam Abramovay, socióloga, doutora em educação e coordenadora do programa da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais sobre juventude e políticas públicas

Segurança pública

Ronda escolar, portas com detector de metais, catracas, seguranças profissionais nas escolas e professores armados. Após o ataque a tiros na escola de Suzano, essas foram algumas das sugestões que começaram ser discutidas. Mas, será que são efetivas?

Para Diógenes Lucca, tenente coronel da reserva da PM de São Paulo, comandante do Gate entre 1988 e 2014 e especialista em Segurança Pública; e para o coronel da reserva da PM de São Paulo José Vicente da Silva, ex- Secretário Nacional de Segurança Pública e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, crimes como esse são de difícil prevenção porque não seguem a lógica da criminalidade comum e deveriam ser combatidos com ações de inteligência.

“Aqui no Brasil nós temos sistema de ronda escolar, especialmente em São Paulo, onde viaturas fazem o patrulhamento nas escolas de horário de entrada e saída, que são os principais horários”, diz José Vicente da Silva. “Um segurança na porta não seria capaz de conter estas pessoas que estavam fortemente armadas.”

Lucca explica que a segurança nas cidades é planejada com foco nos locais de maiores incidências criminais, mas ataques como esse são imprevisíveis. Ele também descarta a total eficiência das rondas escolares para prevenir este tipo de crime. “O sujeito pode ficar à espreita e entrar na escola assim que a ronda passar”, diz.

E armar professor? Diógenes Lucca é contra. “Sou a favor de as pessoas terem e portarem arma dentro de restrições rigorosas. Mas o porte de arma é algo muito pessoal, como seria estabelecer isso como regra? Todos os professores teriam? Nem todos têm aptidão”, analisa.

Para ele, duas propostas poderiam ser mais efetivas para prevenir ataques a tiros: inteligência policial atuando nas redes sociais e pesquisas na internet e campanhas de prevenção ao bullying com uma forte rede de apoio.

“O que deveria ser feito: ter um nível de prevenção semelhante ao que os EUA e a Europa já adotam após sofrerem ataques terroristas. Tem a prevenção por meio das redes sociais, com alertas [para a polícia] quando alguém pesquisa com frequência palavras relacionadas ao crime. A polícia precisa receber um aviso de que aquele IP [endereço do computador] está fazendo aquela atividade para depois investigar. Nós fizemos isso na época dos jogos olímpicos e a Polícia Federal prendeu suspeitos de possíveis crimes”, sugere.

“Outra proposta são ações de prevenção e campanha contra o bullying nas escolas. É preciso ter campanhas contra o ódio, precisamos promover o respeito e a tolerância, incentivar que as pessoas, até pelo disque-denúncia, divulguem o que acharem anormal”, diz Lucca.

Ações pedagógicas dentro da escola

Miriam Abramovay, socióloga, doutora em educação e coordenadora do programa da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais sobre juventude e políticas públicas estuda violência nas escolas há quase duas décadas.

Para ela, uma das principais reclamações dos estudantes é a falta de participação nas decisões da escola. “Reina uma cultura ‘adultocêntrica’, ou seja, centrada em adultos que não aceitam as formas deles serem, falarem e se vestirem”, diz. Segundo ela, isso cria conflitos na escola.

Em 2016 ela desenvolveu o “Programa de Prevenção à Violência nas Escolas”, com o apoio do Ministério da Educação. Por meio de questionários e com a participação de jovens, o programa capacitou os professores a identificar as características dos adolescentes e trouxe os estudantes para o centro do debate.

“As escolas não podem funcionar somente na questão das notas. Se você não tiver um diagnóstico sobre o que está acontecendo nas escolas, não dá para propor políticas públicas”, analisa.

Perfil psicológico e identificação

Entre as possíveis motivações, psicólogas ouvidas pelo G1 levantam hipóteses para a ação dos assassinos: o contexto social, de violência e banalização da morte, e as experiências vividas pelos jovens podem ter relação com o ataque.

A professora Luciana Szymanski, da pós-graduação em psicologia da educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), analisa o acontecimento como uma consequência de abandono coletivo.

“No meu ponto de vista, a prevenção de tragédias como essa deve ser feita com políticas públicas. Não acredito que o ideal seja individualizar a discussão e pensar nas patologias desses dois jovens”, diz.

“Prefiro analisar de forma mais ampla. Crianças e adolescentes crescem vendo a banalização da violência. Vemos as mortes em Brumadinho, em deslizamentos de terra após chuvas. Crianças morrem no tráfico, no crime organizado, e nos acostumamos a isso”, afirma a professora.

Segundo Luciana, esse raciocínio de pensar em causas coletivas não diminui a responsabilidade dos dois atiradores. O caminho é não esquecer que eles estão inseridos em um contexto de falta de políticas de segurança pública, de vulnerabilidade social. “Esse tipo de tragédia acontece quando a pessoa perde o espaço em que usaria a palavra e passa a se manifestar de outro jeito”, completa.

Perfis psicológicos

Na psicologia clínica, a análise não despreza o contexto coletivo, mas também levanta hipóteses sobre a história individual dos dois atiradores: Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos. Marianne Bonilha, psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba, e responsável pelo ambulatório de violência, aponta que nossa realidade – de distanciamento entre familiares e amigos, de intolerância e de falta de comunicação – colabora para atos de violência.

E, pensando mais individualmente, explica dois perfis possíveis:

No primeiro caso, pode ter ocorrido uma descarga imediata de agressividade, projetada nos outros (por meio dos assassinatos) e em si mesmo (no suicídio). Nessa hipótese, os atiradores poderiam estar vivendo uma situação de desestrutura.

“Eles talvez não estivessem conseguindo atravessar um momento de angústia, e aí projetaram o sentimento por meio da destruição. É um fenômeno chamado de ‘passagem ao ato’: a impossibilidade de lidar com um universo de sentimentos, que leva a uma descarga imediata de raiva. Pode ser quebrar algo, bater em alguém ou até se matar. É um descontrole”, diz.

Nesse caso, o sujeito pode ter dado sinais de que estava passando por um momento de dificuldade. “O importante é entender que isso não veio do nada. Pode ter sido associado a um histórico de maus-tratos, de bullying. Em casa, o adolescente mostra isolamento, mudança de humor acentuada”, diz.

Acompanhamento psicológico em escolas

Para prevenir que a situação chegue a esse ponto, Marianne sugere que haja um acompanhamento psicológico constante e próximo nas escolas. “Precisamos saber como eles estão se sentindo em relação ao mundo. Não adianta ter um profissional no colégio que só distribua textos aos estudantes. A ação deve ser mais direta”, diz.

Sandra Scivoletto, professora de Psiquiatria da Infância e Adolescência na Faculdade de Medicina da USP, reforça a importância de as escolas estarem próximas aos alunos. “É muito importante estarem atentas à questão de bullying ou a mudanças de comportamento: jovens que eram tranquilos e de repente ficam mais agressivos ou o contrário”, diz.

“Porque quando existem sintomas de depressão e angústia, o adolescente vive aquilo como se fosse para sempre. Ele não consegue ver que é uma fase e aquilo vai passar e acaba lançando mão desses atos desesperados” explica.

Na segunda possibilidade, um dos adolescentes pode ter uma estrutura mais perversa. “Nesse caso, não há como prevenir o ataque. Ele não vai sinalizar antes. Pode ser até aquele perfil mais certinho, de quem ninguém vai desconfiar. Vai planejar o ataque, sem ter empatia pelo outro. A única lei que vale é a dele mesmo”, explica a psicóloga Marianne Bonilha.

É possível, ainda, que cada um dos atiradores siga um desses perfis. Seja qual for a causa exata dos ataques, o importante, segundo as especialistas, é não desprezar o contexto em que os adolescentes estavam inseridos.

Como é a prevenção nos EUA

Nos Estados Unidos, onde os ataques em escolas são mais recorrentes, detectores de metais fazem parte da rotina de crianças e adolescentes de escolas públicas de grandes centros urbanos como Nova York, Chicago e Los Angeles desde os anos 90. A iniciativa era uma tentativa de combater a violência de gangues.

Apesar dos esforços, a violência em escolas continua a fazer vítimas no país. Mais recentemente, um atirador deixou 10 mortos em Santa Fe, no Texas, e outro matou 17 em Parkland, na Flórida. As escolas de distritos menores como estas não costumam ter as mesmas medidas de segurança adotadas nos grandes centros.

Os ataques em Parkland e Santa Fe inflamaram um debate nos EUA sobre o controle de armas e o presidente americano Donald Trump disse acreditar no armamento de professores como uma das soluções possíveis.

Os estados americanos têm diferentes leis sobre o tema. A maioria proíbe armas em escolas primárias, mas alguns liberam caso a pessoa tenha porte de arma. Já em universidades e faculdades, a maioria dos estados sugere que as instituições definam por conta própria.

Um ano após o ataque em Parkland, 26 estados nos EUA aprovaram leis sobre controle de armas. O estado da Flórida, onde aconteceu o massacre, criou um “alerta vermelho” para que os juízes possam confiscar armas de pessoas consideradas instáveis, aumentou para 21 a idade mínima para comprar armas e proibiu a compra e a posse de “bump stocks”, dispositivos que permitem disparar rajadas mais rápidas.

Em dezembro, o presidente Donald Trump proibiu em nível federal esses dispositivos. E segundo o Centro Legal Giffords para Prevenir a Violência Armada, 26 estados – além do distrito da capital – aprovaram depois de Parkland 67 leis ligadas ao controle de armas.