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No pescoço, Jaqueline Costa carrega correntinha de prata com dois pingentes em forma de meninos. Simbolizam seus filhos. A quem pergunta, ela responde no presente. “São eles”.

É o único momento em que parece se esquecer de que o mais velho está morto. “Meu filho morreu em cima da bicicleta. A bala estourou o pulmão, o coração e o fígado dele”. Luciano Ângelo de Lima Filho foi baleado por um policial militar um dia depois do aniversário de 15 anos, em 8 de outubro de 2012.

Neste mesmo ano, Ribeirão Preto registrou o maior número de homicídios em cinco anos. Comparadas com 2008, as mortes cresceram em 143,4%. O Mapa da Violência, divulgado quarta-feira (2) pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfiz, mostra que os jovens representaram 42,8% do total de mortos em 2012 e 38,1% do total de assassinados desde 2008. O número de jovens mortos em 2012 é maior do que o total de pessoas assassinadas em 2008.

A pesquisa visa mostrar a vitimização da juventude no Brasil, principalmente negra e de periferia, com o levantamento de mortes violentas: homicídios, suicídios e acidentes de trânsito. “Os jovens são atirados na marginalidade, com a queda na qualidade do ensino. O Brasil colocou as crianças na escola, mas deixou os adolescentes fora”, Jacobo pontua.

Os números levantados por ele confirmam suas falas. A juventude em Ribeirão Preto também é grande vítima dos acidentes de trânsito. “Em uma entrevista, um jovem da periferia é perguntado sobre o futuro e responde: ‘Não tenho futuro’. É basicamente isso”, resume Jacobo.

Luciano Ângelo de Lima Filho e um amigo, ambos moradores da periferia de Ribeirão, foram encher o pneu das bicicletas em que andavam em um posto de gasolina na avenida Patriarca. O menino chutou um cone que avisava sobre obras na via e o policial que morava por ali e fazia “bicos” no posto teria se irritado com a atitude. Adolescente e militar trocaram insultos e o PM disparou quando Luciano já estava indo embora.

No boletim de ocorrência, o policial relata que os jovens tentaram roubá-lo, resistiram à prisão e atiraram.

A Polícia Civil, porém, após conclusão de inquérito há um ano, indiciou o militar por homicídio. Desde então, apenas uma audiência foi realizada pela Justiça. “A gente está esperando a justiça e nada. Não tem perdão. Quero que ele seja preso”, diz a mãe.

Índice em Ribeirão se iguala à capital

O índice de homicídios por 100 mil habitantes em Ribeirão Preto é maior do que o da cidade de São Paulo. O Mapa da violência mostra que enquanto em São Paulo são registrados 15,4 homicídios para cada 100 mil pessoas, em Ribeirão Preto são 18,1 assassinatos.

Entre os jovens, os índices de Ribeirão se igualam à capital do estado. Lá, morrem 28,7 jovens para cada 100 mil habitantes; aqui são 28,8. Jacobo explica esses números pela interiorização e espalhamento da violência.

O Mapa também revela que os negros são, proporcionalmente, maioria entre os assassinados em Ribeirão Preto. A tendência é a mesma em todo o país.

Em Ribeirão Preto, o índice de negros assassinados em 2012 foi de 27, 2 para 100 mil habitantes, enquanto o de brancos foi de 14,4 para 100 mil.

Entre os jovens, a triste tendência se mantém. Enquanto entre negros o índice para 100 mil habitantes ficou em 48,7, entre brancos foi de 19,7.

Infográficos / A Cidade

 

Dados do mapa diferem dos números da SSP

Os dados divulgados pelo Mapa da Violência, única pesquisa do tipo no Brasil, são diferentes dos números registrados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Enquanto a pesquisa de

Jacobo somou 354 mortes em homicídios de 2008 a 2012, a secretaria contabilizou 242 homicídios nesse mesmo período.

Além da diferença nos dados, a secretaria não divulga o número de jovens vitimados pela violência. O A Cidade solicitou os dados em fevereiro deste ano e foi informado de que a pasta não dispunha dessas informações.

Jacobo utiliza números do Datasus, do Ministério da Saúde. A SSP informou que utiliza base de dados diferente.

Análise>>>‘Interiorização e espalhamento’

Dois movimentos paralelos no Brasil originaram uma mesma consequência. O primeiro é a interiorização da violência. As grandes capitais tiveram altas taxas de violência até 1996, porque atraíam grande número de migrantes, com alto desenvolvimento econômico. A partir de 96 essas capitais estagnam em crescimento econômico e, por consequência, a violência começa cair. Nos municípios do interior, enquanto isso, a média aumenta significativamente. Polos dinâmicos são locais onde as taxas de violência estão crescentes. O outro movimento é o espalhamento da violência. Estados que eram polos de tranquilidade se convertem em polos de violência, com crescimento íngreme da violência. Se na virada do século, os municípios com mais de 100 mil habitantes era onde a violência mais crescia, hoje a violência cresce nos municípios de pequeno e médio porte. O jovem nisso tudo acaba marginalizado pela queda na qualidade do ensino. Para melhorar, precisamos de reformas de sistema e educação para todos – Julio Jacobo Waiselfiz, sociólogo e pesquisador