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Oito em cada 10 alunos de escolas públicas relatam já terem sofrido discriminação em Porto Alegre (RS). Os números fazem parte da pesquisa “O Papel da Educação para Jovens Afetados pela Violência e Outros Riscos”, conduzida por Miriam Abramovay, coordenadora da Área de Estudos e Políticas sobre a Juventude da Flacso.


 
Bruna Porciúncula e Guilherme Justino, do Zero Hora

Oito em cada 10 alunos de  escolas públicas relatam já terem sofrido discriminação em Porto Alegre. Desses, a maioria (17%) diz ter sido alvo por causa da aparência ou da roupa que utiliza — percentual maior que o de estudantes que relatam terem sido discriminados pela sua raça ou cor. Gênero, orientação sexual, religião e classe social estão entre os outros tipos de violência apontados por alunos de  Ensino Médio na Capital. Além da discriminação, também casos de agressão, incluindo roubos, brigas e xingamentos, foram descritos por 42% dos jovens entrevistados.

Os resultados, apresentados nesta terça-feira (24) no Centro Administrativo Fernando Ferrari, em Porto Alegre,  fazem parte da pesquisa e do programa O Papel da Educação para Jovens Afetados pela Violência e Outros Riscos, que avaliou a função da educação no combate à violência contra crianças e adolescentes. Ao longo de dois anos, o programa aplicou questionários, ouviu alunos, pais e professores e implementou ações com o objetivo de prevenir riscos em escolas do Rio Grande do Sul e do Ceará. A iniciativa é da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e apoio da Secretaria Estadual de Educação (Seduc).

— Dois anos são pouco para conseguirmos responder de onde vem a violência nas escolas e como combatê-la. Mas podemos afirmar que ações que busquem entender os problemas, conversar com os envolvidos e buscar soluções são necessárias e podem trazer bons resultados — explica a coordenadora do programa, Miriam Abramovay, socióloga, doutora em educação e pesquisadora da Flacso.

Ceará e Rio Grande do Sul foram os Estados escolhidos por uma determinação do BID, em razão de a instituição já desenvolver outros programas nesses locais. Em cada um, 25 instituições de ensino, todas da rede pública, receberam a primeira etapa do projeto. Em quatro dessas instituições — as escolas Rafaela Remião, Piratini, Raul Pillar e Baltazar de Oliveira Garcia de Porto Alegre —, foram feitos estudos em profundidade, incluindo um trabalho de intervenção com a intenção de combater casos de violência no ambiente escolar.
Para Miriam, a pesquisa mostra a importância de se investir no diálogo entre alunos, pais e professores, abrindo espaço especialmente para que os estudantes possam participar, relatar problemas que encontram e se sentirem à vontade para denunciar agressões e angústias. Um dos resultados que mais chamaram a atenção dos pesquisadores foram os relatos de automutilação   entre os jovens por conta de ansiedade e estados depressivos frente a expectativas, cobranças e incompreensão.
— As escolas precisam ficar atentas a isso e discutir com os jovens o que eles estão vivendo. Acho que é preciso valorizar a troca entre gerações, e os adultos de hoje não sabem ouvir os jovens, nem sabem o que dizer a eles — avalia Miriam.

“A gurizada pensa, sim, no futuro, que pode ser longe do Brasil”

Alguns dados elencados pela pesquisa da Flacso são contrapontos à ideia de que a juventude de hoje, conectada aos seus smartphones e games, não esteja muito preocupada com o futuro. Pelo menos entre as 25 escolas públicas gaúchas que participaram do programa essa não é a realidade. Em 2017, 94% (em 2016, foram 92%) dos estudantes nunca interromperam a escolaridade. Os que interromperam alegaram repetência, questões relacionadas à família e escola desinteressante/chata entre os motivos. A maioria – 56% em 2016 e 37% em 2017 – disse que voltou à escola para ter mais oportunidades no futuro.
A pesquisa também revelou uma novidade entre as aspirações dos estudantes da rede pública: querem estudar fora do país, algo que, até então, nunca havia sido relatado em pesquisas semelhantes da Flacso.
— Em parte, isso tem muito a ver com a internet, que amplia o universo e mostra para esse jovem que ele pode ampliar seu mundo, que isso não é possível. Mas também há muita decepção com o país, com as expectativas que não se concretizam — diz Miriam.
Os resultados do trabalho, que incluem sugestões, foram entregues à Seduc e serão disponibilizados a cada instituição. Os dados também incluem fatores de risco e de proteção que os jovens identificam em suas escolas e em suas comunidades. O tráfico de drogas e a falta de políticas de segurança eficazes norteiam a maioria das respostas nesses questionamentos.
As quatro escolas que montaram planos de ação para intervir nas questões de violência também mostraram seus resultados. Cada uma, dentro de suas comunidades escolares, definiu ações para envolver alunos, pais e professores contra a violência e em incentivo. Em todas, o retorno, ainda que precise de ajustes, foi positivo, demonstrando que diálogo com a garotada traz benefícios importantes para a educação. Na Lomba do Pinheiro, a Escola Rafaela Remião viu o número de brigas diminuir e talentos antes escondidos nas turmas aflorarem em projetos de arte e em na participação de debates. Ismael  Moreira, professor de literatura e inglês, foi um dos que se engajou na missão de aplicar medidas para melhorar e escola. Ainda há muito o que fazer, mas também a comemorar.
— Eu fui aluno da escola e tinha o desejo de voltar como professor e fazer algo diferente daquilo que eu via. E a gente conseguiu — celebra.

42% dos estudantes já sofreram algum tipo de agressão na escola. Os casos mais comuns são: 

-roubos e furtos 14%
-brigas/agressão física 14%
-xingamentos 13%
-uso de drogas ilícitas 11%
-uso de bebidas alcoólicas 9%

79% dos entrevistados declaram que já foram discriminados, sendo:

-17% pela roupa/aparência
-12% pela sua raça/cor
-11% pela religião
-11% pelo lugar onde mora
-10% por ser homem/mulher
-10% pela classe social
— 9% pela orientação sexual
-8% pela preferência política

Outros números

– No RS, 92% em 2016 e 94% em 2017 dos estudantes nunca interromperam a escolaridade. Os que interromperam alegaram repetência, questões relacionadas à família e escola desinteressante/chata entre os motivos. A maioria – 56% em 2016 e 37% em 2017 – disse que voltou à escola para ter mais oportunidades no futuro.
– Incompatibilidade de horários entre escola e emprego é apontada por 27% dos entrevistados como causa de não estarem trabalhando.
– Para 89%, em 2016, e 86%, em 2017, dos alunos entrevistados a escola é muito importante para a vida futura.
– Mais da metade dos jovens (55% em 2016 e 60% em 2017) diz nunca ter participado de violências.
– Nos dois anos da pesquisa, mais de 80% dos estudantes relataram violência nos arredores da escola, como assaltos, roubos e brigas.
– Quanto à figura do professor, apenas 7% (2016) e 8% (2017) disse que o considera uma referência e, em ambos os anos, 9% disse que o professor os encoraja.
– Foram aplicados 1,2 mil questionários em 25 escolas públicas em Porto Alegre com alunos do 1º (2016) e 2º ano (2017) do Ensino Médio.
Fonte: programa “O Papel da Educação para Jovens Afetados pela Violência e Outros Riscos no Ceará e no Rio Grande do Sul”, da Flacso.