O espancamento sofrido por Leonardo Moreira, 18 anos, no último domingo, repete histórico de agressões e de intolerância juvenil em Brasília. Segundo especialistas, esse tipo de comportamento reflete a necessidade de autoafirmação
Algumas pessoas aprendem a lutar para depois sair por aí, brigando na rua. “Ninguém mais pode sair e se divertir”, Bruno Souto Vaz, espancado por cinco jovens em outubro do ano passado.
Basta um empurrão ou um olhar atravessado para desencadear a violência. Sem motivo aparente, jovens brigam entre si e protagonizam cenas que, muitas vezes, terminam em tragédia ou com sequelas graves para as vítimas. Discussões por causa de uma garota, grupos rivais em disputa de território, garotos que simplesmente não vão com a cara uns dos outros são motivos banais que resultam em pancadaria em shows, festas ou saídas de boates. Enquanto a juventude se envolve em brigas, provoca-se pelas redes sociais, a sociedade se choca, sem entender o porquê de tanta agressividade, com casos como o ocorrido em Brasília no domingo passado. No Lago Norte, Leonardo Guimarães Moreira, 18 anos, apanhou de sete até desmaiar. Ele ainda se recupera em um hospital da Asa Norte.
Essa mesma intolerância, por pouco, não tirou a vida de Bruno Souto Vaz, em 22 de outubro de 2011. Na ocasião, ele tinha 28 anos e conversava com uma menina na porta de uma casa de shows, em Taguatinga Sul, quando foi atacado por um grupo de cinco rapazes. Recebeu chutes e socos, todos na cabeça, e ficou dois dias em coma induzido na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital de Base do DF. A brutalidade fez com que perdesse parcialmente a visão do olho direito. “Algumas pessoas aprendem a lutar para depois sair por aí, brigando na rua. Ninguém mais pode sair e se divertir”, critica Bruno.
A história de Brasília é marcada por situações semelhantes. Muitas delas, tiveram desfecho trágico, com a morte dos agredidos. Foi o que aconteceu com o promotor de eventos Ivan Rodrigo da Costa, o Neneco, 29 anos. O jovem morreu nove dias depois de receber golpes de capoeira dados por um grupo de cinco jovens na saída de uma boate no Setor Comercial Norte, em 2006. O estudante de publicidade João Cláudio Cardoso Leal, 20, também foi morto ao ser espancado na saída de uma boate na Asa Norte, em 2000.
Artes marciais
A professora Miriam Abramovay, coordenadora da Área de Juventude da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, observa que a violência juvenil não é uma exclusividade do DF. “Acontece que Brasília ficou marcada pelo episódio do índio Galdino, e as brigas ocorridas aqui têm mais repercussão”, afirma ela, referindo-se ao caso de Galdino Jesus dos Santos, 44 anos, morto após não resistir aos ferimentos provocados por cinco jovens de classe média alta, que atearam fogo ao corpo dele. O grupo atacou a vítima enquanto ela dormia na parada de ônibus da 703 Sul, em 20 de abril de 1997.
Segundo a especialista, os jovens se agridem por causa de uma cultura na qual a violência é tratada como uma espécie de valor. Ser violento, na sociedade atual, faz com que ele se mostre forte e poderoso. “É a sociedade do espetáculo. Nesse caso mesmo (do Leonardo Moreira), o agressor apareceu no jornal. É como se tivesse sido reconhecido pelo que fez. Nem sempre essa relação é consciente, é uma coisa cultural mesmo”, ressalta.
O sociólogo Arthur Trindade, professor do Núcleo de Violência daUniversidade de Brasília (UnB), afirma que o perfil da maior parte dos agressores e dos agredidos em todo o mundo é o mesmo: jovem e do sexo masculino. Segundo ele, a juventude é violenta para se autoafirmar como guerreira, máscula e lutadora. O principal agressor de Leonardo, Fabrício Nunes Macedo, 19 anos, por exemplo, pratica artes marciais, tirou a camiseta na hora de bater no garoto e contou aos amigos que, no dia do espancamento, “estava com vontade de extravasar”. “Nessa idade, eles passam pela fase na qual estão se definindo, construindo a masculinidade”, explica o especialista.
Álcool
No espancamento sofrido por Leonardo, a vítima recebeu chutes e socos, numa sessão de pancadas com pelo menos três minutos de duração. A violência dos agressores deixará sequelas físicas e psicológicas na vítima. O garoto estudioso se preparava para prestar o Exame Nacional do Exame Médio (Enem), aplicado neste fim de semana, mas não pôde fazer o teste. Ele teve cinco dentes quebrados, a mandíbula fraturada e o movimento do olho comprometido. Ontem, Leonardo passou por uma cirurgia para a colocação de placas de titânio no rosto. O procedimento durou três horas.
Leonardo foi agredido na saída do Espaço Capital, no Centro de Atividades nº 2, no Lago Norte. O promotor da festa responderá a processo por ter permitido a venda de bebida alcoólica para adolescentes. A pena prevista é de 2 a 4 anos.
Memória
31 de julho de 2011
O nutricionista Bruno Marcelino, 26 anos, foi espancado por seguranças do Bar do Calaf, na Asa Sul. O jovem pulou a cerca do estabelecimento, enquanto a namorada pagava a conta dele. Ao desconfiarem que ele iria embora sem pagar, alguns seguranças avançaram sobre ele, que teve o rosto machucado.
27 de agosto de 2011
O estudante de publicidade Vinícius Schein Bento, 20 anos, teve a mandíbula quebrada após levar um soco na boca de um desconhecido. A agressão ocorreu após o término da luta de artes marciais do UFC, transmitida por um estabelecimento da 106 Sul, em um telão.
15 de maio de 2010
O militar Anísio Oliveira Lemos, 46 anos, foi espancado por sete homens após ir a um posto de combustível da 214 Sul pedir que baixassem o volume do som. Acabou espancado pelo gerente do posto e outros seis homens.
21 de agosto de 2006
O promotor de eventos Ivan Rodrigo da Costa, 29 anos, o Neneco, morreu nove dias depois de ser atacado perto de uma boate do Setor Comercial Norte. Ele não resistiu aos ferimentos provocados pelos golpes de capoeira aplicados por cinco jovens da classe média brasiliense, moradores do Cruzeiro.
25 de abril de 2004
O estudante Pedro Augusto de Almeida Nolasco, 18 anos, morreu depois de levar um soco na cabeça. Ele estava com amigos na praça da QI 12 do Guará quando um adolescente de 15 anos interrompeu a conversa e acertou a vítima. O golpe causou traumatismo craniano e cerebral.
21 de abril de 2001
O estudante do ensino médio Rodrigo Toledo de Aguiar, 18 anos, foi agredido com um soco quando se divertia em um show da dupla Rio Negro e Solimões, durante a Feira Agropecuária da Granja do Torto. Ele teria esbarrado em um dos integrantes da gangue Grafiteiros Sombrios de Elite (GSE).
9 de agosto de 2000
O estudante de publicidade da UnB João Cláudio Cardoso Leal, 20 anos, morreu depois de ser espancado. Ele foi abordado por dois rapazes quando saía de uma boate, na 411 Sul, e seguia em direção ao seu carro. A justificativa dos acusados foi que João Cláudio teria cantado a namorada de um deles.
10 de agosto de 1993
O estudante Marco Antônio Velasco, 16 anos, não resistiu às agressões de 10 jovens da gangue Falange Satânica. Todos eram praticantes de artes marciais. Os assassinos foram julgados e condenados. Gengis Keyne, um dos líderes do grupo, e Francisco Rivelino foram condenados a 21 anos de prisão.
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