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Apesar da severidade da Lei Maria da Penha e do maior investimento em políticas públicas, o índice de homicídios de mulheres continua alto, fazendo do Brasil o sétimo colocado em lista que contabiliza assassinatos de mulheres em 84 países

De 1980 a 2010, 91 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, mais de 43 mil só na última década. As que têm entre 15 a 39 anos correm mais risco. E o local de maior perigo para elas é a própria casa.Isso é o que mostra o Mapa da violência 2012 — homicídios de mulheres no Brasil, publicado pelo Instituto Sangari em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). O documento afi rma que houve um aumento de 217,6% no número de mulheres assassinadas no país em 30 anos, saltando de 1.353 mortes em 1980 para 4.297, em 2010.De acordo com o mapa, o aumento mais signifi cativo no número de homicídios femininos ocorreu até 1996.Desde então, a taxa se mantém praticamente a mesma: cerca de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Mas essa estabilidade não é boa notícia, pois mostra que, apesar dos avanços em legislação e políticas públicas, o país não tem conseguido oferecer proteção efetiva à mulher.De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa coloca o Brasil na sétima posição em lista que contabiliza homicídios femininos em 84 países. O índice brasileiro só perde para os de El Salvador (10,3), Trinidad e Tobago (7,9), Guatemala (7,9), Rússia (7,1), Colômbia (6,2) e Belize (4,6).O mapa revela ainda que o estado mais violento do Brasil é o Espírito Santo, com 9,4 homicídios para cada 100 mil mulheres, seguido de Alagoas (8,3) e Paraná (6,3).A   c o m i s s ã o   p a r l a m e n t a r de inquérito (CPI) mista que investiga a violência contra a mulher identifi cou, em diligências realizadas nesses estados, a precariedade da estrutura de atendimento, que se  traduz em falta de delegacias, de pessoal qualifi cado e de varas especializadas, como a principal causa dos altos índices de assassinatos de mulheres.No larSegundo dados do mapa, cerca de 68% dos homicídios são cometidos na residência da vítima. Isso porque, em 86,2% dos casos, o assassino é alguém da família ou próximo a ela. Os parceiros ou ex-parceiros respondem pelo índice mais alto (42,5%), sendo que, entre mulheres de 20 a 49 anos, eles são responsáveis por 65% das agressões. O segundo maior agressor é um amigo ou conhecido (16,2%) da vítima.Na faixa etária entre 10 a 14 anos, o pai é o principal responsável pelas agressões contra meninas. Até os 9 anos, esse título fi ca com a mãe. A partir dos 60 anos, são os fi lhos que assumem o lugar de carrascos da mãe em casa.Desde 2009, o Sistema de Informação de Agravos de Notifi cação (Sinan), do Ministério da Saúde, é obrigado a registrar todos os casos de crianças, adolescentes, mulheres e idosos atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em decorrência de maus-tratos ou violência. Em 2011, o sistema notifi cou 73.633 atendimentos.Aproximadamente duas em cada três dessas pessoas socorridas pelo SUS são mulheres.Segundo o mapa, as notifi cações do Sinan representam apenas a ponta do iceberg das violências cotidianas, pois são registrados somente os casos de pessoas que recorrem ao SUS para receber atendimento e, ao mesmo tempo, declaram abertamente que foram agredidas. “Por baixo dessa ponta visível, um enorme número de violências domésticas nunca chega à luz pública”, avalia o documento.CPI denuncia falta de estrutura para atender mulheres em situação de riscoCriada em fevereiro, a CPI mista que investiga a violência contra a mulher já realizou 18 audiências públicas em Brasília e em sete estados para ouvir representantes do Executivo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e associações de proteção às mulheres. Com previsão de encerramento neste mês, a CPI deve prorrogar suas atividades por mais 180 dias, antes de divulgar o relatório com o diagnóstico do problema e as recomendações a ser feitas pela comissão.Uma das conclusões, no entanto, parece já ser ponto pacífi co entre os que se dedicam ao assunto: um dos principais problemas é a carência de instrumentos públicos para proteger a mulher e punir o agressor. E os que existem são insufi cientes ou inefi cientes.Em audiência da comissão, a secretária nacional de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves, informou que menos de 10% dos municípios têm serviços especializados em atender vítimas de violência. Segundo ela, há no país 963 unidades de atendimento à mulher, como delegacias, centros de referência, juizados especiais e abrigos. Só que grande parte delas está concentrada nas capitais. Interior e zona rural praticamente não possuem rede de atendimento.Para enfrentar o problema, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SEPM), Eleonora Menicucci, defendeu mais recursos para as ações do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher.Lançado em 2007, o pacto prevê planejamento e execução de ações integradas entre governo federal, estados e municípios para combate à violência contra a mulher.De   2 0 0 7   a   2 0 1 1 ,   a   U n i ã o investiu R$ 132,5 milhões no pacto, um aumento, segundo a ministra, de 500% em relação ao período 2003–2006. Entretanto, Eleonora defendeu que estados e municípios não podem depender somente de repasses federais:— A violência acontece no município e no estado. Então, a rede tem de estar lá.Dados e culturaOutros problemas, no entanto, também são apontados. Entre eles, está a falta de dados confi á-veis na área de segurança pública. A presidente da CPI mista, deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), lembrou que o Brasil não possui banco de dados centralizado sobre violência, inclusive contra a mulher, o que é um obstáculo à formulação de políticas públicas na área de segurança.A solução para o problema pode vir em breve com a sanção do Projeto de Lei 4.024/12, do senador Magno Malta (PR-ES), aprovado em junho pela Câmara. A proposta cria o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança Pública (Sinesp), que unifi ca a metodologia de informação e vincula a liberação de verbas para os estados ao envio de dados para o sistema.E, por trás desses problemas, está, ainda, a questão cultural. Conforme alerta o Mapa da Violência, altos índices de homicídios femininos são acompanhados, frequentemente, de níveis elevados de tolerância
à violência contra a mulher.É o que acredita também a professora Lia Zanotta, da Universidade de Brasília (UnB). Para ela, a sociedade brasileira legitima determinadas formas de violência contra a mulher. Até a condenação do estupro, segundo Zanotta, ainda depende da visão moral que se tem da vítima. A professora denuncia que existe uma concepção enraizada no Brasil de que os homens têm controle e posse sobre as mulheres.Lei Maria da Penha nãodiminuiu a violência,constatam levantamentosQuase seis anos depois de promulgada, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) não foi capaz de diminuir a violência contra a mulher. Essa é a constatação do Mapa da Violência — homicídios de mulheres no Brasil e também dos parlamentares e colaboradores da CPI mista.No primeiro ano de vigência da lei, em 2007, as taxas apresentaram um leve decréscimo em relação ao ano anterior, passando de 4,2 para 3,9 mortes em 100 mil mulheres. Mas já em 2008 o índice retorna ao patamar anterior, no qual irá permanecer.Para a relatora da CPI mista, senadora Ana Rita (PT-ES), a lei vem enfrentando resistências, sobretudo por parte dos magistrados, que dão interpretação subjetiva ao texto legal. Entre os argumentos empregados por eles para não fazer valer a legislação, está, por exemplo, o de que a lei pode “esvaziar os lares brasileiros”.A senadora citou o caso de Renata Rocha Araújo, assassinada em maio, aos 28 anos, pelo ex-companheiro, em Belo Horizonte. Segundo Ana Rita, Renata teve dois pedidos de medidas protetivas negados pelo juiz da 13ª Comarca de Belo Horizonte, porque a Lei Maria da Penha não teria sido criada, segundo ele, para acabar com o casamento ou com a família.— A lei foi criada, sim, para proteger as mulheres. Que visão de família têm os juízes que ignoram a violência praticada dentro do lar? — questionou a senadora.O mesmo acontece em delegacias, segundo a professora Wânia Pasinato, da Universidade de São Paulo (USP). Ela afi rma que os profi ssionais, mesmo em delegacias especializadas, não estão capacitados para enfrentar a violência de gênero e fazem atendimentos orientados por concepções pessoais sobre o assunto.Em diligência ao Rio Grande do Sul, a CPI constatou outro tipo de violação praticada pelo Judiciário à Lei Maria da Penha: a realização de audiências de conciliação e suspensão condicional do processo em casos de violência familiar e doméstica contra mulheres. Na avaliação da senadora Ana Rita, essas medidas refor-çam o sentimento de impunidade que grande parte das mulheres em situação de violência tem em relação à Justiça brasileira— A lei veda o uso desses instrumentos, pois, ao promover a conciliação, as mulheres retornam à convivência com o agressor e muitas acabam assassinadas. É comum mulheres não denunciarem por medo de não ter a garantia da punição — completou Ana Rita.Para ajudar a resolver esse problema, a senadora disse que vai propor, em seu relatório, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) capacite os juízes para aplicar a Lei Maria da Penha.Ação penalA senadora considerou, no entanto, um avanço a decisão, tomada em fevereiro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que o Ministério Público pode dar início à ação penal, fundamentada na Lei Maria da Penha, sem necessidade de representação da vítima.Em visita da comissão ao STF, ela lembrou também que um dos principais problemas para o combate à violência contra a mulher é a carência de varas especializadas. Já a presidente d a   C P I   m i s t a ,   J ô Mo r a e s ,   r e s s a l t o u a   n e c e s s i d a d e   d e reforçar o conteúdo da Lei Maria da Penha porque alguns juízes ainda insistem na mediação como enfrentamento das agressões.