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No Rio, apenas 6% chegam à Justiça 

por André de Souza e  Elenilce Bottari, em O Globo

RIO – O estupro de uma jovem de 16 anos, atacada por mais de 30 homens numa favela na Praça Seca e exposta em vídeo divulgado na internet, revoltou milhões de pessoas no Rio, no Brasil e no exterior. O caso já está sendo tratado como símbolo da luta para mudar uma realidade cruel: segundo estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com base em informações das secretarias estaduais de Segurança, apenas 35% desses crimes são registrados nas delegacias em todo o país. Para piorar, a impunidade é grande. No Rio, dados do Ministério Público mostram que, em 2014, foram registrados 4.725 estupros no estado. No entanto, apenas 6% dos casos (um total de 286 inquéritos) viraram ação penal na Justiça.
Para a promotora Lúcia Iloízio, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Violência Doméstica Contra a Mulher, entre as razões para a subnotificação, estão a vergonha que a vítima sente e o medo que ela tem do agressor — muitas vezes, um parente ou conhecido:
— É um crime hediondo, em que a vítima sente muita vergonha de ter seu sofrimento exposto. Isso acaba dificultando a apuração e contribuindo para a impunidade.
Revoltada com o caso da adolescente, Lúcia acha que o crime deve se tornar símbolo da luta para acabar com a violência contra a mulher:
— Vamos acompanhar o caso de perto, ajudando o promotor responsável no que for necessário, para que esse crime seja devidamente apurado e todos os envolvidos, punidos. Essa reação da população é muito importante e positiva. Vamos transformar isso numa grande campanha para mudar essa realidade.
DELEGADA DEFENDE CAMPANHAS
Ainda no Rio, a diretora da Divisão Policial de Atendimento à Mulher, delegada Márcia Noeli, acredita que só uma grande campanha poderá mudar a atual situação:
— Nós temos feito muitas campanhas e palestras incentivando as mulheres a denunciarem os crimes. A Polícia Civil tem investido na qualificação dos seus policiais, para um atendimento especializado nos casos de mulheres vítimas de violência sexual, física ou psicológica. Mas, além do medo que sente do agressor, a vítima tem medo de como a sociedade vai enxergá-la. Para modificar isso, precisamos investir em mais campanhas de conscientização e palestras.
Em todo o país, as agressões atingem as mais jovens. Em 2014, por exemplo, de cada dez mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) após sofrerem algum tipo de violência sexual, sete eram crianças e adolescentes. Trata-se do tipo de agressão mais comum entre as meninas de até 11 anos, e a segunda entre as adolescentes (12 a 17). Os números foram tabulados pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), no estudo “Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil”. Os dados usados são do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
Segundo o estudo, houve 198.036 atendimentos de mulheres vítimas de violência em 2014, dos quais 23.630 (11,9%) foram motivados por violência sexual, ficando atrás apenas de violência física (48,7%) e psicológica (23%). As adolescentes foram as mais atendidas: 9.356 casos, 39,17% do total de registros de agressão sexual que chegaram ao SUS. Em seguida, vieram as crianças, com 7.920 atendimentos (33,52%).
CRIANÇAS SÃO AS MAIS ATINGIDAS
Proporcionalmente, são as crianças as mais afetadas pela violência sexual. Entre elas, 29% dos atendimentos no SUS foram por esse motivo. Entre as adolescentes, o índice ficou em 24,3%, atrás apenas da violência física (40,9%). Os números já impressionam, mas são parciais, segundo explicou o autor do levantamento.

— Essa é a ponta do iceberg. São mulheres que recorreram a um posto de saúde porque a situação já estava séria, grave. Havia sangramento ou o risco de ter contraído Aids — disse Jacobo.
Dados coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nas secretarias estaduais de Segurança corroboram a avaliação de Jacobo. Segundo a entidade, foram registrados 47.646 estupros em 2014 — uma redução de 6,7% na comparação com 2013. Em números absolutos, o estado de São Paulo, o mais populoso do país, foi onde ocorreram mais casos (10.026). Proporcionalmente, o pior índice foi o de Roraima, o estado menos populoso (55,5 estupros e 10,5 tentativas por cem mil habitantes). A menor taxa foi a do Espírito Santo: 6,1 por cem mil. No Estado do Rio, foram 5.676 registros, ou 34,5 por cem mil habitantes.
Jacobo cita razões para o baixo número de denúncias:
— O sistema de atendimento institucional em geral culpabiliza a mulher pelo próprio estupro. Isso inibe a denúncia.
Nem o Ministério da Justiça, nem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõem de dados sobre a impunidade desse tipo de crime. Mas o próprio Jacobo destaca que ela é alta. Ele lembra que, no caso dos homicídios, os números oficiais indicam que apenas de 6% a 7% são resolvidos.
— Se o crime capital, que é o maior dos crimes, tem só 6% a 7% de resolução, imagine o resto: roubo, furto e estupro — diz.
Os dados mais recentes do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, mostram que havia no Brasil, em dezembro de 2014, 622 mil presos. Excluindo-se os provisórios (sem condenação), sobram 372.534. Destes, apenas 4% (cerca de 15 mil) receberam sentenças por crimes contra a dignidade sexual​