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O Brasil lidera um ranking de agressões contra docentes. Estabelecer canais de comunicação é o primeiro passo para acabar com o clima tenso

Agressões, intimidações e xingamentos. Dos 100 mil professores e diretores brasileiros de escolas dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio entrevistados numa pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgada em 2014, 12,5% disseram sofrer com algumas dessas situações pelo menos uma vez por semana. O dado levou o país à liderança do ranking de violência contra docentes, composto de 34 nações.
“A chamada violência dura, ou seja, aquela que envolve armas de fogo, armas brancas, drogas, homicídios ou brigas, é a que mais chama a atenção e a que mais aparece na mídia, mas não é a mais corriqueira nas instituições de ensino”, diz Miriam Abramovay, coordenadora de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). De acordo com a pesquisadora, são as microviolências, caracterizadas pelas transgressões às regras, pelo bullying, por agressões verbais e pela indisciplina, que dificultam a criação de um espaço de convivência saudável. Luciene Tognetta, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acrescenta que essas ocorrências não ferem pela força, mas pela repetição. “Geram um ambiente hostil, onde as pessoas não dialogam e não conseguem conviver bem”, explica. As consequências desse clima tenso não são poucas e incluem, por exemplo, o baixo desempenho acadêmico, crianças e adolescentes isolados, interrupção da frequência nas aulas, professores desmotivados para desenvolver projetos pedagógicos e gestores sobrecarregados.

Leia o projeto institucional sobre combate à violência

Antes de tudo, prevenir
Algumas escolas, assustadas por questões graves como sequestros, tráfico de drogas e agressões físicas a docentes decidem dividir as tarefas administrativas com forças policiais ou militares. O objetivo costuma ser acabar com casos de violência com a implantação de regras rígidas. A resolução por meio da austeridade, no entanto, deixa de atacar as causas que levaram às situações descritas anteriormente. Dessa maneira, não favorece a convivência harmoniosa. “Sem uma intervenção adequada, consolida-se uma aprendizagem de instrumentos igualmente violentos para resolver os problemas”, explica Luciene.
Para Débora Bianca Xavier Carreira, mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB), autora de livros infantis e do projeto que acompanha esta reportagem, a atuação do gestor deve ser anterior a qualquer interferência externa. “O que a escola pode fazer com maior propriedade é a prevenção e o resgate de valores”, diz. É assim que age a Escola Jardim de Infância 312 Norte, em Brasília, que atende crianças de 4 e 5 anos.
As gestoras da instituição orientam a equipe docente a prestar atenção nas relações desenvolvidas pelas crianças dentro e fora da sala de aula. Quando surge algum conflito, as educadoras observam os motivos que causaram o desentendimento e intervêm ativamente, direcionando o diálogo, quando os pequenos não conseguem avançar na discussão. “Nunca falamos que eles devem resolver a situação desta ou daquela maneira, mas apresentamos várias possibilidades para que eles consigam chegar a uma resolução”, explica a vice-diretora, Evanda Aranda Teixeira. Segundo Luciene, nesses casos, a mediação do professor é essencial para ajudar na construção moral dos pequenos. “O docente precisa estar sempre presente, mediando e fazendo com que a criança pense no que ela fez, reconstitua as ações e reflita sobre as consequências. Assim, ela será capaz de reconhecer o sentimento do outro”, explica.

Mas o que é possível fazer quando os casos se tornam mais recorrentes e mais sérios, principalmente em instituições que atendem alunos mais velhos? “O gestor que percebe que está em uma escola violenta deve avaliar o clima e identificar quais são os aspectos que o afetam, desde a conservação dos espaços até o trato das relações. O segundo passo é pensar em soluções junto com todos os segmentos”, diz Luciene. O Gepem tem elaborado instrumentos para fazer essa avaliação. Entre eles, está dar voz à comunidade por meio de questionários que abordem diversas dimensões da escola, como a maneira que as regras são criadas e cumpridas, as condições materiais, o tipo de relações estabelecidas e a participação das famílias nas ações ao longo do ano.
A investigação precisa ir fundo para identificar atos que não são explícitos. “O gestor tem de ter muita sensibilidade para notar focos de isolamento e perceber se existem grupos que dominam certa área. A exclusão também é um tipo de agressão e pode ser evitada por atividades integradoras. A ação deve envolver, portanto, observação, sensibilização e reflexão”, diz Débora.
Na EMEF Violeta Dória Lins, em Campinas, a 95 quilômetros de São Paulo, a diretora, Maria Teresa Faria, investe no diagnóstico das causas da violência para garantir que o trabalho pedagógico seja bem-sucedido com os alunos do 6º ao 9º ano. A escola participa de um projeto do Gepem que tem o objetivo de avaliar o clima na instituição e formar docentes para abordar os conteúdos mais problemáticos. “Fazemos ações preventivas, observando as relações dos estudantes em todos os espaços. Oriento os professores e também os funcionários a prestar atenção, dentro e fora da sala de aula, se alguém tem ficado muito isolado no intervalo ou se fica provocando os colegas”, diz. Os estudantes também alertam quando identificam que um colega se afastou da turma ou está faltando nas aulas. Para a gestora, esses são indícios de que ele pode estar sofrendo ou praticando alguma violência.
Nesses casos, a orientação é que o professor coordenador dos anos dos estudantes envolvidos interfira e converse com os alunos, ouvindo-os para entender o que está levando a determinado comportamento. “Esse profissional também dá aulas e, por isso, tem contato direto com as turmas. Então, ele aproveita essa condição para se aproximar do jovem e, em particular, perguntar o que está acontecendo”, diz Maria Teresa. A ideia é levar o estudante a refletir sobre os tipos de relação que são estabelecidas na escola e a importância de garantir uma boa convivência. “Nós o ouvimos e o orientamos. O comprometimento surge quando ele tem conhecimento sobre a problemática e reflete sobre ela. De nada adianta impor uma solução ou puni-lo de pronto”, diz a diretora.
A correção do ato deve ser feita de uma maneira que leve à reflexão e não seja um mero castigo. Sempre adotando, primeiramente, uma postura de escuta semelhante à da EMEF Violeta Dória Lins. “Quando o problema não é discutido, o aluno não compreende o significado da violência que praticou e a repete no dia seguinte”, explica Miriam. Luciene acredita que, se o estudante não conhece outra forma de agir, é necessário ajudá-lo. “A correção é a reparação do erro, com a aprendizagem de estratégias para não cometê-lo mais. É o que Jean Piaget (1896-1980) chamava de sanção por reciprocidade”, diz. Então, se um jovem quebrou uma carteira sem motivo, ele pode ajudar a consertá-la. A definição do que será feito como reparação ao ato pode ser discutida com o adolescente, sempre com o cuidado de não expô-lo. Mas essa lógica não se aplica apenas aos alunos, uma vez que as pessoas que trabalham na escola também podem ser agressores. “Não há idade-limite para educar moralmente uma pessoa. O professor, o funcionário e o gestor também precisam pensar sobre suas atitudes”, complementa a pesquisadora.