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Enquanto gestores e parte dos docentes elogiam a medida, sindicato critica o método, chamando-o de vigilância
POR RAPHAEL KAPA

aula

Os professores Fábio Oliveira e Marcelo Tavares (na direita e na esquerda) comentam aula filmada de Davidson (centro) e dão conselhos para melhorar – Guito Moreto / Agência O Globo

RIO – Ainda que enfrentando resistências, alguns colégios no Brasil começam a filmar as aulas de seus professores. O objetivo das escolas é analisar o que acontece em classe para dar apoio em busca de melhores práticas. A inspiração vem de fora. Um projeto financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates iniciou esta prática no começo da década, e despertou um debate sobre a autonomia docente. Na experiência americana, as aulas eram filmadas e, depois, avaliadas pelos seus pares. Sindicatos do país começaram a criticar a iniciativa, chamando-a de “caça as bruxas”, e afirmando ser uma invasão do espaço do profissional.

No Rio, o colégio Pensi foi o primeiro a adotar esta prática. A rede de escolas criou uma plataforma, o “Aprimora”, onde as aulas filmadas são disponibilizadas e uma equipe, também de professores, analisa os pontos positivos e negativos.

— Em um primeiro momento acharam que estávamos avaliando os professores, buscando erros que poderiam prejudicá-los no futuro. Não é isso. O “Aprimora” veio para atender uma demanda da sala dos professores — afirma Fábio Oliveira, diretor de ensino da instituição.

No projeto, o que era feito na hora do cafezinho entre uma aula e outra passou a ser institucionalizado e expandido para diferentes regiões. Um professor de uma unidade na Zona Oeste da cidade, por exemplo, tem acesso aos mesmos serviços que outro da Zona Sul.

— Muitas vezes vemos um profissional que dá uma excelente aula mas não é percebido. Ele se sente sozinho, isolado e desprestigiado. Isto é um erro. Também existem professores que possuem um bom repertório de conteúdo, mas precisam aprimorar algumas técnicas. Quando podemos fazer essas trocas profissionais em rede, todo mundo ganha — conta Fábio.

Davidson Oliveira, professor de Filosofia da escola, lembra que no primeiro momento estranhou a iniciativa. Sempre bem avaliado por outros professores e pelos alunos, o profissional teve resistência a participar.

— No início, achei que era uma avaliação onde procurariam problemas na minha aula que poderiam me comprometer no futuro. A partir do momento que você pega o feedback dado pelos outros professores, o coloca em prática e vê que dá muito certo, percebe a importância dessa troca — conta Davidson.

MENOS ‘DATASHOW’, MAIS INTERAÇÃO COM ALUNOS

O professor recebeu um pequeno conselho que o fez mudar toda a dinâmica de sua aula: escrever mais no quadro e usar menos datashow. O objetivo era criar mais interação com os alunos e possibilitar que o professor mencionasse outras questões que poderiam fazer parte da aula mas não estavam escritas na apresentação original.

— O datashow veio numa hora em que era preciso dar mais dinâmica à aula. Depois de muito tempo usando-o, estava engessado nele e não percebi. Agora, voltei a escrever mais no quadro e isto ampliou muito mais as minhas possibilidades em sala — conta Davidson.

A sugestão veio de outro professor, Marcelo Tavares, que assumiu a função de “Professor Referência”, em que recomenda técnicas para melhorar a atuação de outros docentes.

— Na realidade, sou só o mediador de um debate. Daqui um ano, outro profissional vai assumir meu lugar e novas visões sobre a sala de aula vão aprimorar mais este universo. Inclusive, deixarei de analisar e passarei a ser analisado — afirma Tavares.

As câmeras nas salas de aula são discretas e colocadas de forma que o professor esteja em destaque e os alunos não percebam a gravação. A iniciativa é similar a outro projeto que acontece em São Paulo. O Instituto Elos fornece a filmagem da prática de professores e a avaliação dos principais pontos encontrados como um de seus serviços para escolas.

— Começamos a fazer isso para ver a qualidade de nossa equipe de consultores educacionais em campo e pensamos que poderíamos expandir também para os professores — afirma Claudia Dalcordo, diretora de projetos da instituição.

O modelo paulista apresenta algumas diferenças em relação ao carioca. Enquanto no caso do Pensi as aulas filmadas são avaliadas por outros professores da mesma instituição, em São Paulo é a equipe do instituto que elabora todas as análises — e inclusive filma a conversa entre as avaliadoras e os professores.

— No início, as pessoas ficavam com medo. Achavam que estavam produzindo provas contra si mesmas. Apesar de ninguém admitir, a gente observava que existia uma percepção de que estávamos invadindo o espaço deles. Por outro lado, vimos vários professores que se sentiam abandonados e passaram a ter suas práticas valorizadas — relata Claudia.

Ela diz que é necessário analisar os mais variados elementos que influenciam no processo educacional, mas que o professor — aquele que sempre está acostumado a avaliar — tem resistência a ser avaliado:

— Existem critérios básicos que podem melhorar qualquer aula: o melhor uso do tempo, a forma como o professor engaja os alunos e a maneira como ele expõe o conteúdo — explica. — Para ficar atento a qualquer dessas questões, é necessário ter noção das outras. Não é algo excludente. E o professor não pode pensar que está num “Big Brother” onde ele é filmado e eliminado. Um profissional de educação nunca vai estar pronto, e quanto mais informação e troca ele tiver, melhor. Filmar a aula não é uma fiscalização, é uma avaliação para o aprimoramento do professor.

ESTUDO DEMONSTROU DESPERDÍCIO DO TEMPO

Algumas redes públicas também participaram de estudos ou projetos-piloto que envolviam filmagem em sala de aula. O mais amplo deles, que totalizou a observação de mais de 15 mil salas de aula na América Latina, gerou o estudo “Professores Excelentes”, do Banco Mundial. A pesquisa mostrou que, no Brasil, 35% do tempo da aula era perdido em tarefas não relacionadas à instrução. Pelos critérios utilizados, este percentual não deveria ser maior do que 15%.

A publicação do Banco Mundial mostrava ainda que esta proporção de tempo desperdiçado variava muito dentro de uma mesma escola. Ou seja, mesmo trabalhando nas mesmas condições e com os mesmos alunos, havia professores que conseguiam envolver os alunos em atividades pedagógica em mais de 80% do tempo, enquanto outros não chegavam sequer a 20%.

Tal como nos EUA, os sindicatos de professores no Brasil também são críticos da iniciativa.

— Mais uma vez a discussão sobre o fracasso do sistema educacional cai em cima do professor. É o discurso de culpabilização dos professores que surge quando é preciso avaliar vários elementos, como os aspectos sociais, culturais e o ambiente de trabalho, por exemplo — afirma Suzana Gutierrez, coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio (Sepe-RJ).

Tanto nos casos do Rio quanto nos de São Paulo as instituições afirmam que somente professores voluntários participam e que não há penalidade para aqueles que se negam. Suzana, porém, defende que a avaliação do professor é complexa e que sua prática não pode sofrer interferência.

— Quando você filma, está vigiando. Você quebra a relação que existe entre o professor e o aluno. Não pode existir essa interferência. Além disso, não há um modelo correto de aula. Ela se adapta a cada realidade e ao projeto do colégio. O aluno de Pedra de Guaratiba é diferente do aluno do Leblon ou da Rocinha, logo o ensino também deve ser diferente. Não tem como avaliar o progresso da prática docente desta forma.

Tavares, o professor de referência do “Pensi”, concorda que cada professor é diferente e que não se deve padronizar as aulas para realidades diversas, mas acredita que é na troca de experiências que cada profissional vai buscar o que lhe pode servir melhor:

— Não existe técnica para se dar a melhor aula. Existem instrumentos que podem ajudar o professor a dar uma aula melhor. Somente vendo suas práticas é que se pode influenciá-lo de modo que ele se aprimore. E essas análises ficam melhores quando são feitas entre pares: de professor para professor.