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Rombo no Orçamento desfaz o mito do déficit zero das gestões tucanas em Minas Gerais

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Implantado pelo ex-governador Aécio Neves, o “choque de gestão”, vitrine dos três últimos mandatos do PSDB em Minas Gerais, ganhou fama por buscar aplicar um modelo de administração pública inspirado no setor privado. O enxugamento da máquina, a bonificação de servidores de acordo com os resultados alcançados e a obsessão pela redução de despesas eram os pontos centrais. Se cumpriu seu papel de atingir o déficit zero ao longo dos anos, ao menos segundo o Tribunal de Contas do Estado, o modelo dá a impressão de ter perdido fidelidade a seus propósitos após a derrota tucana nas urnas em 2014.

Em 6 de abril, a equipe do governador Fernando Pimentel, do PT, divulgou um balanço realizado pela Controladoria-Geral do Estado (CGE) sobre a situação das contas públicas. A auditoria foi coordenada por Mário Spinelli, convidado para chefiar o órgão após seu trabalho no desmantelamento da máfia dos fiscais que desviou bilhões de reais da prefeitura de São Paulo. Ao contrário do déficit zero previsto no Orçamento enviado à Assembleia Legislativa pelo governo anterior, o diagnóstico apresentado pelos secretários Helvécio Magalhães, do Planejamento e Gestão, e José Afonso Bicalho, da Fazenda, estima um rombo de 7,2 bilhões de reais nos cofres públicos neste ano. O novo Orçamento elaborado pelo governo de Pimentel reduziu em mais de 4 bilhões de reais a perspectiva de receitas, incluiu 2 bilhões em despesas e apontou a existência de uma dívida de 1,1 bilhão herdada da administração anterior.

Sucessor de Antonio Anastasia, do PSDB, o ex-governador Alberto Pinto Coelho, do PP, enviou em outubro do ano passado a peça orçamentária para a Assembleia Legislativa com a previsão de uma receita de 72,4 bilhões de reais e um conjunto de despesas de mesmo valor. Naquela época, o governo federal ainda não revisara a previsão do PIB para 2015. A perspectiva de crescimento foi reduzida de 3% para 2% em novembro de 2014. Como o projeto baseava-se em cálculos superados, o valor de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, variável conforme a atividade econômica, foi superestimado. Segundo a equipe de Pimentel, previu-se 1 bilhão de reais a mais na arrecadação do tributo.

Em nota conjunta, o PSDB e o PP mineiros condicionam a distorção no ICMS às mudanças nas projeções macroeconômicas. “A peça orçamentária teve como cálculo os mesmos indíces e indicadores adotados pelo governo federal em seu orçamento”, afirmam os partidos. “Minas teve ainda uma perda de receita da ordem de 3,5 bilhões de reais em desonerações e reduções de repasses pelo governo federal.” Os partidos argumentam ainda que a atual administração não considerou em sua conta os ganhos de ICMS provenientes do aumento das tarifas de energia elétrica, que podem gerar uma arrecadação extra de 1,54 bilhão de reais.

Magalhães reconhece que a estimativa de ICMS pode ter sido sobrevalorizada pela gestão anterior por causa das previsões otimistas de crescimento do governo federal. “É a única distorção que está diretamente relacionada à atividade econômica”, afirma o secretário a CartaCapital. Ainda assim, diz não compreender os motivos de o governo anterior ter superestimado os repasses de estatais em 3,6 bilhões de reais. “O máximo que o estado recolheu em sua história nesse tipo de transferência foi 1 bilhão de reais.”

Segundo o secretário, o rombo foi uma surpresa. Durante a transição, diz, o Sistema Integrado de Administração Financeira saiu do ar e impediu o acompanhamento do escalonamento das despesas. A equipe de Pimentel destaca como motivo principal para o déficit os aumentos concedidos a servidores pela gestão anterior, que incrementaram os custos em 2,7 bilhões de reais. “Uma coisa é buscar atingir o piso nacional dos professores, pois o salário é baixo e trata-se da principal categoria. Mas o aumento para certas carreiras foi desproporcional.”

A CGE iniciou uma investigação de possíveis irregularidades na folha de pagamento e revelou que a gestão anterior cancelou ao menos 806 convênios com cidades do interior, assinados antes das eleições. O órgão afirma que a prática tem responsabilidade sobre a paralisação de parte de 354 obras.

Para contornar a situação, Magalhães afirma ser possível economizar 10 milhões de reais por mês com os gastos da Cidade Administrativa, sede do governo estadual e de suas secretarias, diminuir regimes especiais de tributação e agilizar cobranças judiciais e investigações sobre sonegação. “Não haverá aumento de impostos”, promete.

O diagnóstico apresenta ainda dados negativos sobre os indicadores sociais em Minas. A equipe de Pimentel afirma que apenas 26% das escolas estaduais possuem estrutura adequada e calcula um rombo de 1,5 bilhão de reais na Saúde. O relatório indica ainda que o número de homicídios cresceu 52,3% entre 2002 e 2012, ante uma média nacional de 13,4%, segundo o Mapa da Violência elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.

Não é a primeira vez que a maquiagem do choque de gestão desbota. Em 2013, Anastasia criou um site para divulgar as vitórias da política administrativa tucana. O portal foi alvo de críticas por ter manipulado as séries históricas dos dados. Embora apontassem para uma melhora sensível da educação, saúde e segurança pública, cada indicador amparava-se em um intervalo de tempo distinto. Se analisados a partir de 2003, nenhum deles superava a média nacional.

Derrotado nas urnas, o PSDB mineiro vê agora sua principal vitrine ser questionada por seus opositores e atingida por um órgão que antes estava sob seu controle. Ser pedra era fácil, dífícil é ser vidraça.

*Reportagem publicada originalmente na edição 845 de Carta Capital, com o título “Em estado de choque”.