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“Há um genocídio de jovens negros e pobres no Brasil”.

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Numa Câmara em que os holofotes da mídia estão voltados para a CPI que alimenta o noticiário mais escandaloso e nefasto ao governo, o deputado Reginaldo Lopes preside uma CPI que vem trabalhando com pouca visibilidade sobre um problema de extrema gravidade: a violência que incide sobre jovens e negros no Brasil, numa escala que autoriza o diagnóstico de um verdadeiro genocídio.

Segundo o Mapa da Violência coordenado pelo professor Julio Jacobo Waiselfisz os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 24 anos no Brasil, atingindo especialmente os que são homens, negros e pobres, moradores de favelas, morros e periferias esquecidos pelo Estado. A calamidade, diz o deputado, configura uma grave violação aos direitos humanos, que causa grande sofrimento a milhares de mães e famílias que na maioria dos casos não recebe uma resposta em forma de punição aos assassinos, dizimando vidas e talentos que não puderam desfrutar nem contribuir para o desenvolvimento do país. Enquanto isso, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara debate a redução da maioridade penal, que Reginaldo considera uma proposta equivocada e que, se aprovada, trará resultados ainda mais nefastos.

Nesta entrevista que me concedeu na quinta-feira, 17/4. ele fala dos trabalhos da CPI e das propostas em debate na comissão, que tem como relatora a deputada Rosangela Gomes (PRB-RJ) (Tereza Cruvinel).

Leia a entrevista e divulgue esta bandeira.

P – No quadro de violência generalizada do Brasil, por que uma CPI com foco específico nos jovens pobres e negros?

R – Em primeiro lugar, precisamos dar visibilidade a um quadro que ainda é completamente desconhecido da sociedade brasileira. Os indicadores da violência contra jovens negros e pobres são estarrecedores. No Brasil, a taxa média de homicídios tem sido. Nos últimos anos, de 29 para cada 100 mil habitantes. É uma taxa elevada mas seu detalhamento revela aspectos importantes. Entre as crianças de até 12 anos, ocorre um homicídio de criança branca para cada 100 mil habitantes e 1,3 homicídios de criança negra para cada 100 mil habitantes. Até aí, a discrepância é pequena. Mas a partir de 12 anos de idade, especificamente entre 15 e 29 anos, de cada quatro homicídios, três vítimas são negros. Mais gritante ainda: Para cada assassinato de um jovem branco, temos em média de 19 a 20 homcídios de jovens negros.

P – Por que isso acontece?

R – Precisamos estudar. Temos estados, como o de Alagoas, onde temos uma taxa de 193 homicídios por 100 habitantes.

P – A maior do Brasil?

R – A maior do mundo! Então precisamos compreender algumas questões. Nos últimos 12 anos tivemos uma redução nos homicídios de pessoas brancas. Todos nós queremos reduzir os homicídios de modo geral, de preferência, zerá-los. Mas é fato que neste mesmo período, enquanto os homicídios de brancos caíram cerca de 30%, houve um aumento de 38.5% nos homicídios de negros, especialmente jovens e pobres. Precisamos então verificar se está havendo desequilíbrio nas políticas de segurança, se temos maior presença da polícia nas regiões onde vivem brancos de mais alta renda em detrimento das regiões onde vivem os mais pobres, entre outras variáveis. A CPI quer mapear esta violência, identificar as causas, seus impactos econômicos e sociais. Estamos trabalhando em três grandes eixos, que são: primeiro, examinar a estrutura criminal no Brasil. Dos 60 mil homicídios anuais, mais da metade atinge jovens. São 35 mil jovens assassinados a cada ano, e entre estes, 77% são negros. E entre estes, 96% são homens. Podemos dizer que está havendo um genocídio no Brasil, um genocídio de jovens negros e pobres. E quem diz isso são os indicadores.

P – E o segundo eixo?

R – É o da justiça criminal e da impunidade, pois apenas 8% dos homicídios são elucidados. E destes, apenas 5% têm seus autores efetivamente condenados e presos. Ou seja, a impunidade é alta e nos coloca a seguinte questão: o problema da justiça no Brasil não é o tamanho da pena, é o tamanho da impunidade. É o que diz o professor Júlio Jacobo, uma grande autoridade no assunto, responsável pela produção do Mapa da Violência.

Outro problema é o modelo de policiamento. Temos ainda um modelo baseado na concepção do inimigo interno, um modelo que prepara o policial para a guerra. Precisamos estudar como funciona este modelo. Em alguns países ele vem sendo contestado. Aqui, temos policiais envolvidos e acusados como autores de um grande número de homicídios, quase sempre protegidos pelos chamados “autos de resistência”, que justificam a violência policial alegando necessidade de defesa durante abordagens.

Precisamos descobrir se a violência no Brasil não é seletiva. Os estudos mais confiáveis que temos, os do DataSUS, apontam que a violência se concentra em 142 municípios, onde ocorrem mais de 80% dos homicídios. E nestes munícipios ainda é possível fazermos um recorte por bairros e regiões. A CPI procura respostas para toda esta tragédia e ambiciona apresentar um plano estratégico para a redução dos homicídios no Brasil. Um plano estratégico decenal, com foco nas questões mais cruciais e que serão melhor conhecidas com o trabalho da CPI. Obviamente que a primeira recomendação será a da prevenção, buscando reduzir drasticamente este escandaloso número de homicídios.

R – E o terceiro eixo?

Nesta outra frente de trabalho queremos mapear as condições sociais, como é a vida destes jovens que vivem sob risco nas comunidades pobres e o que pode ser feito por eles. Qual é a presença do Estado nestes locais? Como são ali implementadas ou difundidas as políticas afirmativas? O Estado, de um modo geral, tem falhando nesta questão. Começa a ficar claro que talvez seja necessária a criação de um fundo constitucional para financiar as políticas afirmativas no Brasil. Nos governos Lula e Dilma tivemos muitas iniciativas incidentes sobre os jovens, como o Estatuto da Juventude, as cotas para negros nas universidades, o Pro-Uni e o Pronatec. Mas falta ainda políticas específicas para os jovens pobres e negros que estão sendo dizimados pela violência. E neste quadro, o Congresso Nacional, a meu ver, está propondo respostas equivocadas, como a redução da maioridade penal.

R – Seus defensores acham que isso inibirá a delinquência juvenil…

R – É um engano, e os indicadores provam isso. Temos, de um lado, um Estado, em sentido lato, que não cumpre o seu papel, inclusive para implementar uma das mais belas legislações do mundo, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, implantando medidas socioeducativas. De outro lado, há uma grande desinformação. Dos 60 mil homicídios que ocorrem a cada ano no Brasil, os menores de 18 anos são responsáveis por menos de 1%. Este é um indicador importante para desconstruir a ideia de que a redução da maioridade penal possa efetivamente reduzir a violência no Brasil.

P – A seu ver o que explica então esta ênfase dos setores conservadores, que não são desinformados, na proposta de redução da maioridade penal?

R – Prefiro acredita que seja a busca de uma resposta imediata para um problema muito complexo a partir de ideias do senso comum. De 2002 até 2012, se tomarmos os indicadores gerais de homicidios, houve uma estabilização nos números, embora em patamares absurdos. Se antes de 2002 tínhamos 28,9 para cada 100 mil habitantes, neste período citado o número se estabilizou em 29 para cada 100 mil habitantse. Nós entendemos que reduzir a maioridade penal é absolutamente inconstitucional, e que isso não resolve o problema. Alguns países fizeram esta experiência e não obtiveram resultados. No Brasil estes adolescentes estariam expostos a todos os riscos de um sistema prisional falido, que não consegue ressocializar os presos. Aqui entra outro número importante: quase 70% da população carcerária também é composta por jovens negros e pobres. Para eles então, no Brasil de hoje, existem dois caminhos dramáticos: morrer muito jovem ou ir para a prisão. A saída tem que ser o combate às causas da delinquência juvenil.

P – O senhor acha que a CPI conseguirá sensibilizar para este problema o Congresso, que hoje é tão conservador, e o Governo, às voltas com tantos outros problemas?

R – A CPI quer dar uma contribuição e já tem algumas parcerias. Por exemplo, com a Anistia Internacional, que está atenta ao problema nos países em que ela percebe taxas tão elevadas, como é o caso do Brasil, do México e de outros países. Ela desenvolve neste momento uma campanha para dar mais visibilidade a este drama. Hoje recebemos o diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil, o Átila Roque. Precisamos nos valer de todos os meios para dar mais visibilidade a este problema, para coloca-lo no centro da preocupações da sociedade e das instituições públicas.

P – Comparativamente com outros países, qual é a nossa situação?

R – Basta dizer que a taxa “aceitável” (pois o ideal seria zero) da taxa de homicídios, segundo os padrões internacionais, é de um a cinco homicídios por cada 100 mil habitantes. A nossa, de 29 para cada 100 mil, está muito acima deste limite de tolerância, sem falar estados, como Alagoas, que já citei, onde ela é de 193 para cada 100 mil habitantes.

P – O fato de os governos estaduais serem os responsáveis pela segurança contribui para este quadro?

R – Na campanha do ano passado a presidenta Dilma lançou a proposta de um novo sistema de segurança em que, através de uma emenda constitucional, pudéssemos criar uma espécie de Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP, com responsabilidades compartilhadas entre União, Estados e Municípios. Seria algo nos moldes do SUS, que é muito bem aprovado pelos usuários, embora seja criticado pelos que não precisam dele. Graças ao SUS o direito à saúde tornou-se uma realidade, por maiores que sejam as necessidades de aperfeiçoamento. Assim poderíamos fazer na área de segurança, com a União assumindo algumas tarefas, inclusive operacionais, como já vem fazendo nos últimos anos através da Força Nacional de Segurança. A CPI pensa em viajar pelo Brasil para recolher informações e debater inclusive esta proposta, a de criação de um sistema nacional de segurança com polícias integradas e responsabilidades compartilhadas. Isso é que devemos discutir ao invés da redução da maioridade penal.

P – O senhor mencionou a violência da própria polícia. Como anda a questão dos autos de resistência?

R – Este é um grave problema. É muito grande o número de inquéritos em que a polícia justifica os assassinatos com a necessidade de reagir. O uso de armas letais poderia ser coibido em algumas ações. Precisamos debater a desmilitarização das polícias, no sentido de que elas incorporem um papel mais garantidor de direitos. É preciso instituir também a perícia independente para evitar alterações nas cenas de crime, e assim evitar que os autos de resistência forjados protejam policiais que se sentem no direito de matar.

P – Com a tal “bancada da bala” tão atuante no Congresso, o senhor não acha que haverá muita resistência a estes temas?

R – Quero acreditar que eles também buscam reduzir os homicídios, querem uma sociedade menos violenta. Há divergências sobre os melhores caminhos e teremos de construir democraticamente uma opinião, sintonizada com a sociedade, que não aceita mais tanta violência, destacando a situação dos jovens e negros que, como já disse, são vítimas de um verdadeiro genocídio.

P – Como trabalha as CPI?

R – Fazemos duas reuniões ordinárias por semana, ouvindo especialistas, pesquisadores, autoridades da área. E agora, a partir do dia 4, vamos começar a ouvir a população, começando pela visita ao Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Há muitos casos emblemáticos não solucionados, há viúvas e órfãos esperando uma resposta. Nestes casos, achamos que devia haver um deslocamento de competência da investigação destes casos para a esfera federal. Vamos ouvir familiares, comunidades e movimentos sociais. Temos 120 dias para concluir os trabalhos e esperamos neste prazo encaminhar o relatório final, inclusive com as propostas e sugestões para o enfrentamento do problema.

P – Acha que algumas delas ainda poderiam ser implementadas pelo atual Governo?

R – Tenho certeza de que a presidente Dilma está muito envolvida com este tema, assim como todos os órgãos do governo a ele relacionados, como o Ministério da Justiça, a Sepir, a SDH e outros. Seria oportuna a criação de um grupo interministerial no âmbito do Executivo para trabalharmos juntos na formulação de soluções. O que falta no Brasil é a cultura de debatermos os problemas de segurança pública enquanto política pública. A questão ficou sempre muito restrita a quem trabalha ou milita na área, diferentemente, por exemplo, de temas como saúde, educação, assistência social, que sempre imobilizaram diferentes segmentos sociais, num debate com observância do respeito à diferença de opinião. Já no debate sobre segurança pública, tema que não fez parte do arcabouço do Estado de Direito, sempre surgem alguns que se acham mais donos da verdade, a discussão fica tensionada e não avança. Precisamos nos reeducar, inclusive para termos mais tolerância para com o ponto de vista diferente. Meu desafio é fazer uma presidência muito democrática, na CPI, no sentido de ouvir e construir processos nesta temática, contribuindo para a formulação de politicas mais eficientes em matéria de segurança.

tereza-2Tereza Cruvinel atua no jornalismo político desde 1980, com passagem por diferentes veículos. Entre 1986 e 2007, assinou a coluna “Panorama Político”, no Jornal O Globo, e foi comentarista da Globonews. Implantou a Empresa Brasil de Comunicação – EBC – e seu principal canal público, a TV Brasil, presidindo-a no período de 2007 a 2011. Encerrou o mandato e retornou ao colunismo político no Correio Braziliense (2012-2014). Atualmente, é comentarista da RedeTV e agora colunista associada ao Brasil 247.