MIRIAM ABRAMOVAY
Coordenadora da área de juventude e políticas públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
MARY GARCIA CASTRO
Pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e professora da Universidade Católica da Bahia
Uma menina de 13 anos sofreu violência sexual por um grupo de “colegas” em uma escola em Brasília, demorou alguns dias para contar aos pais e teve muito medo de denunciar o fato às autoridades escolares. A razão poderia ser falta de confiança e sentimento de culpa, já que, nesses casos, muitas vezes a vítima é colocada sob suspeita. Os abusos ocorreram por três dias consecutivos, no horário do recreio, em uma sala vazia. Enquanto alguns alunos vigiavam a porta, a menina foi obrigada a fazer sexo oral em outros alunos.
Nos perguntamos: o que leva um grupo de adolescentes e jovens a cometer tal selvageria? O ser homem, ser viril, demonstrar masculinidade e força faz com que se tenha que evidenciar um tipo de poder que chega à violência sexual? Adotar comportamentos agressivos ou de risco corrobora para essa imagem de força, comumente associada ao léxico da valentia, aventura e ousadia? Nos questionamos, ainda, como e por qual razão os outros colegas não denunciaram, e constatamos que as escolas não conseguem estabelecer um clima de confiança que permita conversar sobre temas considerados tabus no seu espaço.
Mas o que mais chama a atenção é que a agressividade do ato mostra que a violência sexual é muitas vezes banalizada nas escolas, sendo considerada como um signo de ser adolescente e jovem. Em 2009, realizamos ampla “Pesquisa sobre violências nas escolas em Brasília: Revelando tramas, descobrindo segredos”, em que a violência sexual aparece tanto nos dados quantitativos (8,3% dos alunos dizem que em suas escolas já presenciaram “forçarem relação sexual”, o que significa uma porcentagem assustadora) quanto nos qualitativos. Escutamos também depoimentos de alunos e professores sobre os mais variados tipos de violência sexual nas escolas, o que indica que essa não é a única unidade educacional ou cidade em que já aconteceu tal agressão.
A pesquisa conclui que os fatos silenciados demonstram a necessidade de maior atenção às formas de trabalhar as violências nas escolas em geral e especificamente os casos de exploração sexual, para que a vítima possa ter confiança suficiente e nunca mais deixe que passem três dias sem nada dizer, como foi o caso da adolescente em Ceilândia. Consolidar um vínculo de confiança entre estudantes e educadores, poder escutar os adolescentes e jovens, indica ser um primeiro passo. A escola é entendida como lugar de transmissão do patrimônio cultural e científico da humanidade, local de aprendizagem, socialização e de humanização, não de violências.
É importante também analisar como as diversas violências estão profundamente relacionadas com a questão dos direitos humanos básicos e torna-se fundamental, nesse aspecto, que docentes e demais integrantes do corpo técnico-pedagógico procurem melhor compreender as configurações atuais de sexualidade e gênero, buscando adotar medidas primordialmente educativas. A escola pode e deve comprometer-se com a desconstrução de um imaginário social que associa diversas violências às noções de virilidade e masculinidade. Torna-se fundamental reconhecer as intricadas relações entre as disposições de gênero e as mais diversas manifestações de violência, já que o sistema educacional vem sendo acometido por diversas modalidades, deteriorando o clima, as relações sociais e impedindo que a escola cumpra sua função.
Considera-se também fundamental que a escola se aproxime mais da família e entenda seus limites e potencialidades para que ambas as agências possam colaborar, incrementando a presença, o poder e a participação dos pais na vida da escola, como nesse caso sobre violência sexual.
A escola deveria, portanto, ser o lugar da construção do saber e não da reprodução de violências. Um local que permita a manifestação dos alunos em suas dimensões política, social, afetiva, educacional, enfim, em seu sentido pleno, tendo em vista o desenvolvimento de uma moral baseada no senso de justiça social, no respeito aos direitos humanos e na cooperação entre os pares.
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