O encontro é resultado de dois anos de gestão do Comitê de Participação de Adolescentes (CPA) junto ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O evento buscou efetivar a participação juvenil na política de promoção, proteção e garantia de Direitos Humanos no Brasil.
Desde criança, quando crescia na capital do Maranhão – São Luiz, Ana Beatriz sentia a necessidade de mudança da realidade em que vivia. Hoje, aos 17 anos e representando várias organizações influentes no campo do direito de crianças e adolescentes, Bia – como é conhecida pelos mais próximos – tem a possibilidade de discussão das mudanças para sua geração com outros colegas da sua idade. Bia é um dos exemplos de adolescentes que estão reunidos em Brasília durante três dias para o Encontro Nacional do Comitê de Participação de Adolescentes (CPA) do Conselho Nacional dos Direitos da Crianças e Adolescentes (CONANDA).
Outros 33 membros de todas as regiões do país se somam com Beatriz para discutir a “participação de adolescentes no CPA: memória, aprendizagens e conquistas”. O espaço de troca é promovido pelo Conanda e a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA/MMFDH), em parceria com a Flacso Brasil e a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI).
“Hoje a minha filha está totalmente me representando: a Margareth Diniz dos anos 90”, disse orgulhosa a mãe de Beatriz ao citar a importância do evento para a escuta do que os adolescentes têm a contribuir para uma sociedade mais justa. “Estamos apoiando os adolescentes a terem voz, porque a sociedade é muito fechada e acha que criança e adolescente não tem direito de fala, de se expressar e de dar sua opinião!”, exclamou a mãe.
Beatriz Diniz ainda jovem coleciona representações pela luta de direitos de meninas da sua idade. Além de ser o nome pelo Maranhão no CPA, Ana Beatriz é Representante do Brasil na Rede Sur de Crianças e Adolescentes do Mercosul (RedSurca); Educadora Par pelo Plan International, organização não governamental que atua em 80 países pelos direitos das meninas; integrante do Comitê Meninas Decidem da Rede Malala, do Fundo Malala. E a lista de competências e habilidades não para: além de ativista, Beatriz também é artista e cantora.
“Hoje nós viemos aqui para um espaço de deliberação: um espaço para comemorar pelas nossas conquistas e olhar os grandes desafios no cenário brasileiro”, declarou Beatriz Diniz. A adolescente aproveitou para alertar sobre o aumento dos enfrentamentos e desafios causados à sua geração por conta da COVID-19. “Hoje nós temos adolescentes espalhados por todos os estados do Brasil que tem seus percursos e que trazem suas experiências como colheitas para que nos abracemos, mas também possamos olhar outros caminhos para a próxima gestão”, ressaltou Beatriz.
Enquanto os principais integrantes do encontro discutiam em uma sala sobre seus anseios e experiências, os acompanhantes permaneciam em outra sala debatendo sobre o direito de participação dos adolescentes. Suely Santos é de Cavalcante, Goiás, a cidade com o maior quilombo do Brasil. Da comunidade Calunga Vão de Alma, a quilombola e mãe viu a perspectiva do lugar onde mora mudar radicalmente nos últimos tempos.
A realidade da falta de serviços mudou e Suely comemora que agora pode apoiar sua filha em condições melhores que a de anos anteriores. “Eu tenho muito orgulho de ver minha filha nessa posição hoje. Eu não tive oportunidade e hoje minha filha tem”, declarou a Suely.
Enquanto a mãe se orgulhava da filha, Safira pegava o microfone e declarava em bom som: “eu sofri muito racismo na escola e sou muito feliz de estar aqui calando a boca dos estudantes que disseram que eu não tinha potencial. Estou aqui abrindo portas, porque depois de mim estão vindo outras Safiras que estão mudando a situação da minha cidade e as histórias das Calungas”.
Safira reconhece que a sua luta por direitos é resultado dos espaços abertos pelos seus antepassados e ancestrais quilombolas, além dos esforços de sua mãe, que batalhou para garantir a educação e possibilidade de fala sobre a identidade étnica das pessoas pretas.
Durante o evento houve o reforço de uma palavra: o protagonismo. Os adolescentes foram diretos ao dizer que sem a participação de crianças e adolescentes em espaços de deliberação e decisão não há uma política representativa que de fato atenda às necessidades do grupo. Maria Alejandra compreende bem essa discussão e esteve presente no Encontro Nacional em nome dos adolescentes migrantes.
Natural da Venezuela e residente em Roraima, Alejandra destaca o esforço para que pessoas da sua idade possam acessar os direitos garantidos a crianças e adolescentes migrantes. “O Brasil tem mais de cinco fronteiras e a nossa representação tem de estar ativa para poder discutir sobre políticas públicas para as pessoas que superam as fronteiras e se tornam refugiados aqui no país”.
Maria ainda espera ampliar as informações sobre os direitos garantidos no Estatuto da Criança e Adolescente (Eca) para a sua rede de pessoas em situação de migração. “Há anos atrás eu não tinha expectativa do que eu queria para a vida, mas eu cheguei aqui e agora sei para onde vou”, ressaltou a adolescente.
Os povos indígenas também tiveram sua representante na discussão. Joana da Conceição, mais conhecida como Joana Truká, veio ao Encontro Nacional para ecoar a voz de 305 povos indígenas do Brasil e os 12 povos de Pernambuco. Representando o povo Truká, no Semiárido pernambucano, Joana fala pelas comunidades Truká, da ilha de assunção, Truká-Tapera, da ilha homônima, e Truká Tupã, distribuídos entre os municípios de Cabrobó e Orocó, em Pernambuco.
“O CPA é um espaço de escuta e acolhimento. Aqui eu posso trazer a minha diversidade e a minha cultura”, disse Joana Truká. A indígena reconhece que há sistemáticas violências históricas de apagamento dos povos indígenas na sua região e que as crianças e adolescentes são as principais afetadas. “As infâncias indígenas são apagadas e há silenciamentos por parte do Estado e da sociedade. No Comitê de Participação de Adolescentes nós quebramos o silenciamento e podemos falar e trabalhar políticas públicas voltadas aos enfrentamentos das violências sofridas pelas infâncias indígenas”, destacou a adolescente.
Paraibana e de religião de matriz africana, Manuella Katiacy, conhecida como Manuela de Oyá, carrega na sua trajetória de vida a força dos seus orixás, a partir da sua religiosidade como candomblecista. Manuela participa do CPA a partir dos esforços e indicação da Casa de Cultura Ilê Ase D’osogiân (CCIAO).
“Mãe Tuca, Pai Renato e minha mãe Josy de Xangô nunca desistiram de mim até quando eu mesmo desisti. Hoje eu estou aqui compreendendo minhas responsabilidades e que sabe o que fala quando se posiciona”, relembrou Manuela sobre as lideranças candomblecistas que impulsionaram sua trajetória de incidência. “Ter uma cadeira da diversidade é importante pela contribuição que um adolescente que participa da cultura de matriz africana pode trazer em espaços de decisão”, finalizou a adolescente ao declarar o orgulho que tem das suas práticas de cultura e fé.
Os olhares alegres, os sorrisos e gargalhadas em um espaço descontraído e motivador também dão lugar para discussões sérias e comprometidas com vários grupos sociais representados no Comitê de Participação do Adolescente. Amor é o principal sentimento destacado quando os adolescentes são abordados sobre a experiência no CPA.
Liberdade de expressão é um dos direitos mais valorizados dentro do espaço de escuta pelas adolescências representadas. Durante os próximos dias, os participantes serão colocados para reflexão e apresentação de propostas para superação dos problemas e desafios do grupo ao qual fazem parte. Os participantes do Encontro Nacional irão produzir podcast, vídeos e conteúdos para as redes sociais como ferramenta para amplificar a discussão sobre direitos para crianças e adolescentes. O encerramento acontecerá com uma assembleia do Conanda, na quinta-feira próxima (15).
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