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A socióloga Miriam Abramovay, coordenadora da área de juventude e políticas públicas da Flacso, fala sobre a importância da rede de proteção aos alunos da escola  onde dois jovens mataram dez pessoas em março.
 
O que aconteceu no último dia 13 de março não será esquecido na E. E. Raul Brasil, em Suzano (SP). Nem que os alunos e funcionários da escola quisessem isso seria possível: logo na entrada os muros estão preenchidos por grafites homenageando as vítimas, com seus nomes e pedidos por paz escritos em vários espaços. Seis meses depois de um imprevisível massacre, feridas continuam expostas e vivas naqueles que perderam amigos, filhos, professores e alunos na tragédia que chocou o País inteiro.
Se antes as portas da escola ficavam abertas e os arredores vibravam com a energia dos adolescentes, hoje o cenário indica uma infeliz necessidade: em nome da segurança do local, a impressão passada em um dia comum de aula é de que há feriado na cidade e ninguém está lá. Na Rua Otávio Miguel de Sena, endereço da instituição, há pouco movimento. Em horário de aulas, os portões frontais ficam fechados, e quem precisa entrar – exceção feita aos estudantes – só consegue a autorização após se anunciar no interfone.
“Continua [um clima diferente] pela rua, até mesmo a vizinhança está assim. Tem vizinhos que às vezes saem na porta e olham, mas apesar da segurança fica todo mundo com aquele pé atrás”, relatou Eric Vando enquanto esperava a filha na saída da escola. Rivamberto Rossi, membro de uma igreja à frente da escola, conta que o ambiente mudou muito desde aquela manhã de março. “Os estudantes ficavam na calçada depois das aulas e passavam tempo lá. Era mais animado. Hoje, as aulas acabam e já não há ninguém na rua”, relembrou.
Os momentos da saída dos alunos do período da manhã e da entrada à tarde simbolizam o pragmatismo como consequência do trauma. Com a companhia de alguns pais e a presença de policiais militares da rota escolar, os estudantes saem da escola e em cerca de dez minutos a rua volta a ficar pouquíssimo movimentada. Da mesma forma, quem estuda no turno seguinte também não perde tempo nas calçadas, que após o fechamento do portão para as aulas vespertinas se esvaziam novamente.
O clima que se vê nos arredores da escola, no entanto, se distingue da atmosfera entre os alunos: apesar do massacre de exatos seis meses atrás, os estudantes se uniram e hoje demonstram resiliência para encarar a rotina no local onde presenciaram as piores cenas de suas vidas.
Para Fernando*, de 16 anos, “a escola está aconchegante, porque todo mundo está mais junto. Um apoiando o outro. Parece que criou mais união. Teve gente que até saiu da escola e voltou, porque não dá pra ficar longe daqui”.
Já Mário*, 13, observa que o comportamento dos alunos em relação à instituição também mudou. “Sinto que tem mais respeito à escola, mais dedicação aos estudos. Alguns saíram da escola, mas muita gente entrou também. Nunca quis sair. Penso que isso poderia acontecer em qualquer escola”, diz ele.
Mário se considera mais seguro com as mudanças na segurança da escola: “Colocaram câmeras e aumentaram as rondas. Pra entrar na escola está muito mais difícil. Tem seguranças que ficam na porta averiguando quem entra e quem sai. Não podemos ficar sem camiseta da escola lá dentro. Antes era mais livre nesse sentido, mas é pra poder identificar os alunos”.
Não foi apenas nesta área que o Estado e a Prefeitura interviram. Além dos procedimentos de segurança na escola, da prisão de quatro homens e da apreensão de um então menor de idade, o terceiro mentor do massacre, as indenizações foram pagas às vítimas fatais e feridos, e a cidade recebeu quase 50 psicólogos a mais para atender quem passou por experiências traumáticas durante ou após o ataque.
Para mudar a ‘cara’ da escola Raul Brasil, uma grande reforma, custeada pela iniciativa privada e com participação efetiva do Governo de São Paulo, está prevista com início das obras ainda para este setembro e conclusão no início de 2020. O intuito é minimizar os efeitos do trauma causado pelas mortes dos alunos e funcionários da instituição.
Prefeito de Suzano, Rodrigo Ashiuchi disse em entrevista ao R7 que a reforma é “um projeto no qual estamos (município e Governo do Estado) muito engajados. É uma coisa pessoal nossa. Foi a pior cena que vimos na vida. É um projeto não só administrativo, mas uma meta pessoal”.
Doutora em Educação e coordenadora da área de juventude e políticas públicas da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), Miriam Abramovay avalia que “os professores e essa rede proteção [aos alunos] devem estar muito conectados. A escola tem que ser um local de proteção para esses jovens. Fundamentalmente ouvindo os jovens. É necessário ter um diagnóstico do que ocorre nas escolas, mas não só nas notas, mas sobre o clima escolar, as relações sociais, o que está acontecendo no cotidiano deles. Precisamos escutar e saber o que eles pensam. A escola é ‘adultocêntrica’, baseada no que os adultos pensam”.
Assim como o colega Fernando, Jéssica*, 15, acredita que “uma coisa que mudou muito pra gente é a união. Desde que aconteceu, todos ficaram juntos e a gente se ajuda quando precisa”. Ela disse que, “assim, fica mais fácil enfrentar a dor”.
*em respeito às suas identidades, os nomes dos alunos foram alterados