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“O Estado precisa entender as causas dessa violência, com pesquisas, e pensar num programa de convivência como política pública”.
Confira entrevista da socióloga Miriam Abramovay, coordenadora de Estudos e Políticas sobre a Juventude da Flacso Brasil para o UOL.


Era sexta-feira, 22 de fevereiro. Às 6h, Paulo Rafael Procópio, 62, despertava, tomava seu café e seguia de carro para lecionar em mais um dia na escola estadual Octacílio Sant’anna, na cidade de Lins, interior de São Paulo, a 435 km da capital. Dia de prova de geografia, ele não fazia ideia de que seria última vez em que pisaria dentro de uma sala de aula. Professor de geografia e história havia 20 anos, Procópio distribuiu o teste em que abordava globalização. Após 15 minutos, um aluno de outra turma interrompeu a aula, sem permissão, para chamar por uma prima em voz alta. Procópio foi em direção ao garoto pedir para que ele parasse de atrapalhar a prova e saísse. Isso foi o suficiente para que o jovem, de 12 anos, arremessasse seu caderno no peito do professor. “Quando abaixei para pegar o caderno para ele, ele já deu um soco no meu rosto. E depois outro. E outro. E ‘danou’ a dar soco. Fez aquele corte da foto”, conta o docente. A aluna e o aluno agressor não tiveram os nomes divulgados.
“Fiquei muito triste. Eu não queria parar meu trabalho do jeito que aconteceu. Queria ter parado normal. Foi o último dia da minha vida profissional, nunca mais voltei para uma sala de aula.” O caso ganhou repercussão nacional nas redes sociais. Em 8 de março, o professor foi a Brasília, a convite do então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, para conversar sobre um projeto que visa colocar policiais militares dentro das escolas. O jovem agressor foi internado em uma unidade da Fundação Casa. A história de Procópio não é única, conforme apontam os dados do próprio governo do estado de São Paulo, obtidos exclusivamente pelo UOL via LAI (Lei de Acesso à Informação). A cada dia, ao menos dois professores do ensino fundamental e médio são agredidos fisicamente por alunos dentro da sala de aula de escolas estaduais. Em 2018, foram registrados 434 ROEs (Registros de Ocorrência Escolar) referentes a violência física dentro da sala de aula. Em média, são 2,17 agressões físicas por dia letivo contra professores. Esse número quase duplicou em comparação ao ano de 2014, quando foi implementado o ROE. Naquela ocasião, foram registradas 237 ocorrências, cerca de 1,2 agressão ao dia letivo, representando um aumento de 83% nos últimos cinco anos.
Em fevereiro e março deste ano, os dois primeiros meses de aula de 2019 segundo o calendário oficial, foram registradas 57 agressões a professores na sala de aula. De acordo com o calendário estadual, as escolas têm de cumprir no ano 200 dias obrigatórios de aula. A reportagem considerou este cenário para o cálculo dos dados. Segundo o levantamento de maio de 2019 do governo estadual, São Paulo possui 5.368 escolas estaduais com aproximadamente 3,6 milhões de alunos.
12,5% dos professores entrevistados já foram agredidos A pesquisa mais atual da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) aponta que, em 2013, 12,5% dos professores entrevistados afirmaram terem sido vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez na semana. Essa é a porcentagem mais alta entre os 34 países analisados, sendo que a média global é 3,4%. Abaixo do Brasil está a Estônia (11%) e a Austrália (9,7%). Em Coreia do Sul, Malásia e Romênia, esse índice é zero. A situação é complexa. De acordo com as especialistas em educação ouvidas pelo UOL, não é possível apontar uma só causa para a violência nas escolas. Os fatores desde a falta de infraestrutura nas instituições públicas até o baixo salário de professores estaduais. Para a psicanalista e pesquisadora do Lieppe (Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar), da USP (Universidade de São Paulo), Katia Bautheney, o cenário mostra a perda de autoridade do professor.
“Autoridade docente não está relacionada a autoritarismo, a medida de força. A relação de autoridade tem de ser de respeito e admiração. A falta de reconhecimento da carreira docente é uma tradução do seu valor. O professor se sente desrespeitado pelo Estado e pelo aluno”, aponta.
Outro ponto ressaltado é a diferença de papéis da escola pública e da escola privada e a relação família-escola no ensino público. Para a socióloga e doutora em ciências da educação pela Universidade Lumière Lyon, na França, Miriam Abramovay, as escolas devem se readaptar à realidade das famílias e dar mais atenção aos pais dos alunos não só na hora de dar bronca.
“Nós não estamos vivendo em uma época em que mães ficam em casa e a família assumia um papel na educação, como era 50 anos atrás. Há pais e mães que não têm a mesma escolaridade que seus filhos”, afirma. “A relação entre família e escola é de conflito. Porque a família é muito acusada de não ligar para o que está acontecendo na escola, mas ela só é chamada na escola quando existe algum grande problema.” “Os alunos detestam a escola, porque ela não é uma escola para jovens. Quando os alunos começam a conversar com os professores, discutir o que não gostam, faz com que se crie uma abertura. Pode ser a coisa mais boba do mundo como usar boné, saia. Eles têm de sentir que a escola é deles e para eles. O modelo de escola é de dois séculos atrás, é preciso se atualizar.” Segundo os entrevistados, projetos que visam colocar policiais militares dentro das escolas ou armar professores demonstram a falência da educação e tendem a potencializar a sensação de “guerra”.
“Quando você demonstra para seus alunos que você não dá conta do que está acontecendo dentro da escola e chama a PM para repressão, o comportamento dos alunos é de muito mais de rebeldia”, explica Abramovay. “Os maiores conflitos dentro da escola não é alguém que entra armado, como a chacina que aconteceu em Suzano. O Estado precisa entender as causas dessa violência, com pesquisas, e pensar num programa de convivência como política pública.”.
O que diz o governo de SP?
Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da Secretaria de Educação de São Paulo, rechaça a ideia de que o Estado não reconhece a violência contra professores como um problema, mas admite que os projetos apresentados até hoje não foram suficientes para melhorar o ambiente nas escolas. “Quem afirma que o Estado não reconhece e não age contra a violência não conhece o ROE e o professor mediador. Há ações, sim. O que podemos dizer é que não estão sendo suficientes. Especialmente após o impacto de Suzano, nós vamos rever nossos protocolos para que a escola tenha um clima bom”, aponta o secretário.
Rocha foi secretário da Educação no Espírito Santo e aceitou o convite para a pasta feito por Rossieli Soares, secretário da Educação de São Paulo e ex-ministro da Educação do governo Michel Temer. A decisão teve o apoio do atual governador João Doria (PSDB). “Estamos na fase adiantada de um convênio com a Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) para fazer um diagnóstico escola por escola. Vamos implantar método de melhoria do clima escolar”, afirma o secretário.
De acordo com Rocha, serão elaborados questionários, em parceria com o núcleo de estudos da universidade, aos gestores, professores, alunos e familiares ainda neste ano. Após as respostas serem tabuladas, o governo terá um diagnóstico das necessidades de cada escola, que receberão auxílio para administrar esses problemas a partir do ano que vem. O secretário não estipulou nenhuma data para a implementação do projeto. “É muito importante que famílias tenham aproximação da escola. A orientação é olhar para familiar como parceiras. Para formar um bom cidadão precisamos da família e da escola. Não podemos brigar ou só falar com os pais em caso de conflito. A família é imprescindível”, diz.
Sobre projetos de alocar PMs dentro das escolas e armar os professores, o secretário é enfático. “Deus me livre. Isso não está na nossa agenda. A ideia de armar o professor é absurda. Escola é educar para autonomia. Para que crianças e jovens tenham condições de lidar com suas emoções e não agredir os outros. Não é a polícia que vai resolver isso.”.