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Para a coordenadora da área de Estudos sobre Juventude e Políticas Públicas da Flacso Brasil​, Miriam Abramovay, muitas escolas ainda reproduzem a lógica da meritocracia e do enfrentamento violento de discursos, o que só potencializa as distorções acerca dos direitos humanos. 
 
Por Ana Luiza Basílio, da Carta Educação
O assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro deu margem a algumas manifestações distorcidas. Além de informações falsas sobre a vida da vereadora, também foram veiculados discursos como “morreu por defender bandido” em clara perseguição à sua atuação política e dedicação aos direitos humanos.
Para o professor e pesquisador associado ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), Vitor Blotta, alguns fatores podem explicar o fato dos direitos humanos não serem entendidos como universais e, portanto, para todos. Um deles remete à história do País. “A formação europeia do Brasil, com uma cultura colonialista imperial, escravista e uma república com forte influência militar desde o início, tem mais dificuldade em aceitar essas concepções mais inclusivas de direitos humanos que surgem no mundo a partir da metade do século XX”, coloca.
“É explicável que uma sociedade acostumada historicamente com estamentos burocráticos, desigualdades, privilégios e favores tenha reações tão contrárias aos direitos humanos, sobretudo quando eles buscam significar realmente direitos de todas as pessoas, independente de minoria ou maioria”, pondera.
Blotta ainda considera a dimensão da individualidade atrelada à agenda que, em sua análise, tem relação com a sociedade capitalista, individualista e voltada ao consumo. “Há uma percepção de que, para alguém conquistar os direitos humanos, alguém tem de perdê-los”.
Por fim, também credita as distorções à “incapacidade do Estado de atuar pela garantia desses direitos, o que faz com que a sociedade entenda que quando eles são acessados para defender determinada pauta ou resolução de conflitos, parte dela não está contemplada”, avalia.
A superação de tais estigmas, na visão de Blotta, passa por um conjunto de investimentos em diversas áreas da política pública tanto de responsabilidade municipal quanto estadual. Ele retoma a ideia defendida pelo pesquisador Paulo de Mesquita Neto, que defendia o conceito de segurança cidadã.
“Para defender os direitos humanos precisamos ser pragmáticos e mostrar que, em longo prazo, é muito mais custoso ter uma política de enfrentamento no estilo de uma guerra do que ter inteligência, participação da comunidade, engajamento, descentralização das políticas e alocamento dos recursos necessários”.
Uma das pastas fundamentais nesse sentido é a educação, que deve contar com o apoio sensível das escolas. Para Blotta, as escolas, enquanto “agências de socialização”, são espaços fundamentais para promover a inversão desses valores e construir a chamada participação cidadã, orientada para os direitos humanos.
O pesquisador aposta em um trabalho pedagógico capaz de envolver não só os estudantes, mas toda a comunidade escolar, como diretores, gestores, professores e famílias. Corrobora com o pensamento, a socióloga e pesquisadora Miriam Abravomay, também coordenadora da área de Estudos sobre Juventude e Políticas Públicas da FLACSO Brasil.
“A perspectiva da não violência nem sempre está clara para os adultos da escola, por isso, é preciso pensar essa formação de maneira mais ampla, prevendo a convivência escolar”. Muitas escolas ainda reproduzem a lógica da meritocracia e do enfrentamento violento de discursos, o que só potencializa as distorções acerca dos direitos humanos.
Abramovay explica que, na prática, é preciso que gestores e professores aceitem que os jovens não são apenas “receptores de aulas, regras e formas de comportamento”. “A escola tem que dialogar com eles e combinar a sua cultura escolar à juvenil”, coloca, reforçando a necessidade de adolescentes e jovens levarem para dentro das escolas as suas realidades e modo de ser.
“Hoje, o que temos visto é uma dificuldade desse diálogo, com escolas enfrentando problemas para debater temas como gênero, homofobia e política, fundamentais para a vida e formação desses jovens”.
Na prática
Há um ano, o NEV-USP iniciou o projeto Observatório de Direitos Humanos em Escolas. A atuação, dada em caráter piloto com duas escolas de São Paulo, uma municipal e uma estadual, tem buscado inserir no cotidiano escolar uma literatura sobre os direitos humanos.
“Isso é feito em correlação com a vida dos estudantes. Propomos vivências, sensibilizações, oficinas e também um trabalho orientado para a busca de informações e referências sobre o tema”, coloca o pesquisador, que também reforça a importância das escolas atuarem contra a disseminação das fakenews, uma das principais contribuintes para os discursos falsos como no caso da vereadora Marielle.
Blotta reforça que uma das áreas previstas pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos é a educação crítica para a mídia e entende que isso dá abertura para as escolas atuarem nessa perspectiva. “A lógica deve ser a da troca de informações, da pesquisa, da credibilidade”, coloca o educador, sugerindo que as escolas se afastem de possíveis censuras ou proibições desses temas em sala de aula.
O diálogo é a principal estratégia utilizada pelo Centro de Ensino Fundamental 01 de Planaltina (CEF 01), em Brasília, conhecido como Centrinho. Em 2013, a escola iniciou o projeto Diversidade na Escola, hoje integrado ao projeto político pedagógico da instituição.
“A ideia nasceu do reconhecimento de que a escola, como um microcosmo da sociedade, também precisa lidar com questões urgentes como machismo, lesbofobia, racismo e sexismo”, explica a supervisora da unidade, Lúcia Pedroza.
O assassinato da vereadora Marielle Franco não deixou de repercutir entre os estudantes e durante os momentos em sala de aula. O tema foi acolhido pela professora Maria Alzira, que já desenvolve com os jovens um trabalho sobre interseccionalidade. “O caso dela pode ser visto de diversos prismas, ela era mulher, negra, de baixa classe social, lésbica, propomos esses cruzamentos e com isso vamos afastando possíveis distorções”
Para Alzira, o trabalho orientado para os direitos humanos é fundamental para a formação identitária dos estudantes. “É fundamental para a vida deles. Nossos estudantes são, em maioria, jovens, negros e de periferia, ou seja, fazem parte de vários grupos de vulnerabilidade. Eles precisam saber de seus direitos, se verem como parte da sociedade e verem a escola como um local de acolhimento”, explica.
A agenda dos direitos humanos também é entendida como intrínseca às escolas pela educadora Renata Ferraz, fundadora do Pé na Escola, coletivo que busca criar conhecimento, materiais e metodologias de educação política e em direitos humanos para impulsionar a autonomia das escolas nesse sentido.
Para Renata, além das escolas se reconhecerem como garantidoras dos direitos humanos, é fundamental que as unidades valorizem as culturas minoritárias, busquem o diálogo, se posicionem diante dos fatos, busquem referências sobre o tema e permitam a existência de consensos e dissensos nas atividades, dentro de um contexto democrático.