Especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio elaborada pelo governo federal pode ampliar a desigualdade nos estados. Para o Ministério da Educação (MEC), a proposta aumenta a possibilidade de escolhas dos alunos e dá um padrão nacional aos currículos.
De acordo com os especialistas, a principal questão é que, ao contrário da BNCC para o ensino fundamental, o texto final com as diretrizes para o ensino médio não apresenta em detalhes as habilidades que devem ser ensinadas nos itinerários formativos propostos. Na avaliação deles, a ausência de dados específicos pode fazer que estados acabem adotando caminhos diferentes nos currículos, o que pode aumentar a diferença entre as escolas pelo país.
A última versão da base foi entregue pelo Ministério da Educação (MEC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE) nesta terça-feira (3). Agora, o documento vai passar por audiências e debates antes de ser finalizado. Depois disso, ele será votado no conselho e homologado pelo ministério. (Veja o que deve mudar com a base curricular do ensino médio.)
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Leia a seguir os comentários a respeito da base do ensino médio enviados ao G1 por especialistas de diversas entidades ligadas à educação no Brasil:
Cesar Callegari, conselheiro do CNE
“Com a entrega da BNCC do ensino médio o MEC confirma sua visão reducionista dos direitos de aprendizagem dos jovens brasileiros. Escolas farão o possível, nem sempre o necessário. Tendem a realizar o que couber em apenas 1800 horas.”
“Quais os conteúdos de química, física, história, geografia, filosofia, educação física, arte, Sociologia, ficarão de fora por não serem mais obrigatórios? Quantos professores ficarão sem aula? Ao não dizer nada sobre os itinerários, isso ficará ao Deus dará.”
“Ao CNE incumbe agora reparar esses defeitos ouvindo a sociedade, inclusive os estudantes.”
Gabriel Corrêa, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação
“A Base do Ensino Médio entregue ao Conselho Nacional de Educação (CNE) está estruturada de forma a estimular que as competências e as habilidades sejam trabalhadas nas escolas de forma interdisciplinar, o que é bastante positivo e alinhado aos desafios contemporâneos. No entanto, por ser mais genérico, o documento amplia os desafios de implementação. E esse é um ponto de muita atenção, pois é na implementação que a política dá certo ou não.
“O debate em torno da área converge para esse modelo mais flexível e mais interdisciplinar, mas, vale ressaltar, o CNE ainda vai promover diversas audiências públicas para debater a Base, o que provavelmente trará mudanças. Esse processo é fundamental para que o documento seja aprimorado e para que a participação de atores imprescindíveis, como os professores, seja assegurada.”
“A Base do Ensino Médio lista competências específicas das áreas de conhecimento, que também devem nortear para os itinerários. No entanto, como essas competências são amplas e genéricas e há o risco de que a implementação seja desigual entre os Estados, ampliando as desigualdades que já existem no Ensino Médio. Para evitar que isso ocorra, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com o CNE e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), tem de construir políticas de implementação que apoiem a elaboração desses currículos.”
Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco
“A BNCC do Ensino Médio é um passo importante para enfrentar desafios relevantes desta etapa. Por um lado, no que se refere ao enfrentamento das altas taxas de evasão e abandono, na medida em que investe em torná-la mais adequada aos anseios dos jovens e às exigências do mundo contemporâneo. Por outro lado, ao se organizar por competências e habilidades priorizando olhares interdisciplinares para aumentar a qualidade do processo de ensino e, sobretudo, a aprendizagem dos estudantes.”
“Ao mesmo tempo, temos pontos de atenção. Em particular, será preciso investir na formação inicial e continuada dos professores, na garantia da oferta de distintos itinerários de estudo para efetiva escolha dos estudantes, na adequação das avaliações em larga escala, como Enem e demais exames de acesso às universidades, mas, acima de tudo, toda a atenção deverá ser dada às condições objetivas e aos incentivos adequados para sua implementação nos Estados.”
Mônica Gardelli Franco, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec)
“Ainda não houve debates suficientes, nem sobre a reforma do Ensino Médio, contemplada por esta proposta de Base, nem sobre o documento apresentado ontem pelo MEC. Esse debate com especialistas, gestores, professores, alunos e com a sociedade civil deverá ser estabelecido agora pelo Conselho Nacional de Educação e é fundamental para o aprimoramento do documento e também para que se responda às inúmeras dúvidas deixadas pela própria reforma do Ensino Médio. No nosso entender, este processo daria maior legitimidade e também maior qualidade à Base.
“O documento apresentado contempla alguns dos debates sobre o Ensino Médio que vêm sendo feitos por especialistas há alguns anos, como a possibilidade de inovação e flexibilização da organização curricular do Ensino Médio, possibilitando opções de escolha aos estudantes e uma organização mais interdisciplinar, por áreas de conhecimento. Contudo, sua realização está limitada às condições limitantes encontradas hoje nas redes de ensino e na estrutura de formação de professores, que hoje, no Brasil, é feita por disciplina. Sabemos, por exemplo, que existem regiões com dificuldades em ter professores de determinadas disciplinas. Nesse contexto, os itinerários serão determinados pelo interesse dos alunos ou pela disponibilidade dos professores e das escolas?”
“O pressuposto do documento é que os estados terão autonomia para elaborar os currículos dos diferentes itinerários formativos previstos pela reforma do Ensino Médio, o que é um princípio interessante, mas que demanda muita atenção do Conselho Nacional de Educação. Como as condições de investimento e técnicas dos estados são muito diversas, o risco da falta de um documento nacional que oriente a construção desses currículos é que o problema da desigualdade educacional, que já é enorme entre as regiões de nosso país, seja acirrada ainda mais. É importante que o Conselho Nacional de Educação avance na construção de normativas para garantir os direitos de aprendizagem de todos.”
“A proposta de Base do Ensino Médio é de que o professor será capaz de promover a articulação entre as disciplinas, com suas especificidades, saberes próprios historicamente construídos e a sua contextualização, para a apreensão e intervenção na realidade, conforme previsto no parecer do Conselho Nacional de Educação de 2009, mas o foco é o desenvolvimento das habilidades, entendidas pela Base como as aprendizagens essenciais. “
“Caberá às redes estaduais de ensino fazer isso ao elaborar os seus currículos, caso contrário o documento corre o risco não ser devidamente implementado, de não ter efeitos reais no dia a dia das salas de aula. Se a construção desses objetivos de aprendizagem por disciplina não for bem orientada e compartilhada entre todas as redes, com apoio suficiente do governo federal, o risco é que as desigualdades aumentem entre os estados. “
“Cabe ressaltar que é muito importante que o Conselho Nacional de Educação promova audiências públicas e outros processos participativos para o aprimoramento do documento. Para que uma Base seja capaz de impactar positivamente a qualidade do ensino, é preciso que tenha legitimidade e que seja devidamente debatida com pesquisadores, gestores, professores, estudantes e com a sociedade em geral.”
Heloisa Morel, diretora do Instituto Península
“O Instituto Península entende que a construção da BNCC para o ensino médio é um passo importante para a educação. Os novos contextos buscam contemplar os interesses dos estudantes, o que deve diminuir a evasão escolar, inclusive. Os professores precisam ser apoiados para trabalhar nesse modelo diferente e serão desafiados a focar em conteúdos estruturantes e essenciais ao curso.”
“O instituto acredita que é importante extrapolar o modelo de disciplinas historicamente tradicional no Ensino Médio. As escolas estão mais conectadas aos conceitos disciplinares do que a ideia de competências e habilidades. Mudar esse paradigma é uma reflexão profunda que apenas se inicia nas diretrizes da BNCC. […]
“O formato proposto pela Base desta etapa de ensino de trabalhar com itinerários formativos é uma novidade para o modelo educacional brasileiro. Será preciso um esforço conjunto para oferecer modelos educacionais estruturados para esses ofícios que o jovem vai escolher com a finalidade de facilitar e ajudar no seu futuro e no mundo do trabalho e da cidadania global. Mas ainda precisamos refletir sobre como será a implementação desta nova proposta antes da aprovação do documento. Na teoria, a proposta faz sentido. O processo para colocá-la na prática é bastante desafiador, seja pela interpretação do governo, preparação dos professores, clareza para os alunos escolherem suas trilhas flexíveis.”
O modelo da Base é composto por diretrizes que vão nortear os currículos que as redes de ensino desenvolverão com autonomia. Para o Instituto, o ponto de atenção é como os docentes das trilhas flexíveis vão aplicar os seus conhecimentos tradicionalmente trabalhados em sala de aula no novo formato proposto e como eles vão adaptar o conteúdo para uma carga horária menor.
O Instituto Península acredita que as faculdades de formação de professores terão de redesenhar seus cursos conforme as novas demandas, pensando na formação integral do futuro professor, envolvendo cooperação, criatividade, conectividade, criticidade e comunicação.”
Maria Helena Guimarães de Castro, secretária-executiva do MEC
Maria Helena Guimarães de Castro, secretária executiva do MEC, lembrou que as competências gerais apresentadas nesta terça são as mesmas que regem o ensino fundamental.
“O que muda agora é o olhar para as competências específicas das áreas, que excluem as competências específicas do componente”, explicou ela. “No ensino fundamental tínhamos competências específicas de área e depois de componente, e agora não temos no ensino médio.”
A representante do MEC explica, ainda, que a Base procura “aprofundar teoria e prática em todas as áreas, com ênfase nas atitudes e valores que os alunos devem resolver, como adaptabilidade, trabalho em equipe e valores éticos”.
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