Por Thaís Carvalho Diniz, UOL
Jovens de 15 a 29 anos estão se matando mais. O assunto que ainda é tabu nas famílias, escolas e rodas de conversas informais cresce a passos lentos, mas de forma constante no Brasil. Segundo o Mapa da Violência divulgado em abril, entre 1980 e 2014, houve um aumento de 27,2% no número de suicídios dessa faixa etária. E chegando ao final de 2017, ano em que passamos pela Baleia Azul e séries como “13 Reasons To Why” que trouxeram à tona o tema na esfera adolescente, a questão que fica é: por que pessoas que estão começando a vida querem acabar com ela?
Para os especialistas entrevistados pelo UOL, é inevitável trazer para o centro da discussão o cenário da sociedade atual, que apresenta famílias afastadas e relações rasas para tentar entender o contexto desses dados. Entre as causas e consequências do afastamento humano, estão a tecnologia, que influencia fortemente a maneira como nos relacionamos.
A terapeuta ocupacional e pós-doutora em saúde coletiva Fernanda Marquetti acredita que o suicídio um produto do que acontece socialmente dentro de uma cultura. Se estamos tão tecnológicos, pode estar aí a resposta das mortes. “Claro que esses jovens não estão se matando porque todos começaram a ter transtornos psiquiátricos. O mundo caminha para um esvaziamento cada vez mais profundo das relações, os adolescentes não conseguem se relacionar fora do mundo digital. As tentativas e os suicídios aparecem como expressões máximas dessa dificuldade”, fala a professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Se essa geração nasceu com a tecnologia e o contato é inevitável, precisamos de educação para lidar da melhor forma com ela. “Estudos mostram que a busca pelo like é tão viciante como droga, principalmente para o cérebro em formação, como é o caso do jovem até os 21 anos. E eles são menos capazes de racionalizar. Não é que todos sejam inconsequentes, mas há uma impulsividade maior, afirma a psicoterapeuta Karen Scavacini, autora do livro “E Agora? Um Livro para Criançass Lidando com o Luto por Suicídio” (AllPrint Editora).
Karen fala ainda que a dependência de redes sociais expõe o jovem ao cyberbullying. Aquela humilhação que antes era restrita ao ambiente escolar, agora não tem mais controle, ocorre via celular, computador e 24 horas por dia. “O bullying tinha um rosto. Hoje, qualquer um fala o que quer porque está protegido pelas telas. Existe uma manipulação muito maior, sem noção alguma das consequência e por pura maldade.”
Automutilação digital
A tendência entre jovens americanos de postar e compartilhar nas redes sociais mensagens abusivas sobre si mesmo de forma anônima já é uma preocupação para os especialistas no Brasil. Em um estudo recente com mais de 5 mil estudantes nos Estados Unidos, com idades de 12 a 17 anos, um em cada 20 revelou ter praticado a automutilação digital.
“Eles não encontram o próprio lugar, precisam lidar com pressões sociais, rankings escolares … E o jovem não questiona o que vê nas redes sociais. Quanto mais horas ele passa ali, vendo vidas perfeitas, maior o a chance de depressão e suicídio. Fora a falta de interação, exercício físico, programas em família”, fala Karen.
Se vocês estão lendo e pensando “que frescura”, o exercício deve ser o oposto. Tente se lembrar dos conflitos que você teve durante a adolescência.
“Não é para culpar alguém. Quando uma pessoa se mata, ninguém é responsável. Mas precisamos pensar que se relacionar por mensagem é muito pouco para sustentar uma vida. E são os adultos — que também estão influenciados por esse meio de viver — que precisam reverter essa forma de relacionamento”, argumenta Fernanda Marquetti.
90% dos suicídios poderiam ser evitados, segundo a OMS
O doutor em saúde pública pela USP (Universidade de São Paulo) Thiago Nagafuchi concluiu sua tese sobre suicídio na era digital em junho deste ano. Para ele, a maior barreira para tratar o tema ainda é o tabu no qual estão envolto. “As pessoas em sofrimento têm necessidade em comunica-lo, mas esbarram nessa censura.”
E já que as pessoas têm se expressado muito mais pelos meios digitais, inclusive transmitindo online a própria morte, esse deve ser um meio de prevenir também. “É um desafio gigantesco, mas precisamos refletir sobre formas específicas de fazer prevenção na internet, porque ela demanda formas ágeis por conta de que muitas coisas acontecem em tempo real. Criar espaços de diálogo, seja por meio de reportagens, encontros, programas de TV. Trazer o assunto à tona e conversar sobre isso.”
Vamos conversar sobre suicídio?
A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Maus-Tratos em Crianças e Adolescentes do Senado apresentou na quarta-feira (13), três cartilhas de prevenção contra o suicídio, a automutilação, o bullying e o cyberbullying. O objetivo é orientar pais, responsáveis e professores. As cartilhas serão distribuídas nacionalmente e estarão disponíveis online. O senador Magno Malta (PR-ES), presidente da comissão, disse que a estrutura do projeto foi pensada para ser clara e acessível e, por isso, estão apresentada no formato de perguntas e respostas. “O suicídio é a terceira maior causa de mortes entre crianças e adolescentes no país”, disse Malta.
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