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Por Heleno Rocha Nazário, Bahia Notícias
Os dias de crise são mais favoráveis às soluções simplistas que aos raciocínios focados nas raízes dos problemas. As propostas de liberação de porte de armas de fogo para civis, de modo que possam perambular com revólveres e pistolas, pertencem ao primeiro tipo. Integram uma lógica que, se não se soubesse financiada por interesses empresariais, pareceria típica de um Paul Kersey, a catártica personagem vivida por Charles Bronson na série de filmes Desejo de Matar.
Os motivos que levam alguns políticos a defenderem a revogação do Estatuto do Desarmamento são diversos. É notável o lobby feito pela Taurus – a mesma do armamento defeituoso que pôs em risco as vidas de policiais e, por extensão, das comunidades por eles atendidas – por meio de parlamentares da chamada “bancada da bala”.
Alia-se a isso o ideário retrógrado e reforçador do medo. Assume-se a premissa de que, de posse de um revólver ou pistola, o “cidadão de bem” (figura de expressão bastante surrada nestes dias) automaticamente está mais protegido e apto a se defender. Ao invés de reduzir a origem e os meios pelos quais se produzem os assaltos, sequestros e outros crimes de mão armada, a “bancada da bala” e defensores do armamento parecem propor que mais pessoas possam participar de tiroteios.
A taxa anual de aumento de homicídios por arma de fogo foi reduzida (de 8% ao ano para 1% ao ano) com o Estatuto do Desarmamento. Deriva dessa diferença observada a estimativa de que 160 mil vidas foram poupadas desde 2004 até 2012, conforme cálculos do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz apresentados no estudo Mapa da Violência. Como o próprio Waiselfisz comenta, desarmar a população é um passo fundamental para a redução dessa mortandade, mas não é o único a ser dado.
No cotidiano do cidadão comum, que é onde se realizam os efeitos das decisões dos gabinetes, temos de refletir se é mesmo necessário e conveniente andar armado por aí quando não se trabalha no setor da segurança pública. Há muitas situações corriqueiras nas quais se pode perder (e se perde) o controle emocional. Ter uma arma de fogo à mão abre opções de violência letal em casos banais – até mesmo em escolas, como o caso recente em Goiás mostrou.
Um aumento do número de armas de fogo nas ruas, nas mãos de civis e em um contexto de baixo controle de acesso, como o preconizado pelos defensores da revogação do Estatuto do Desarmamento, também equivaleria a uma oportunidade extra para criminosos obterem poder de fogo a baixo custo.
O argumento da chance de revide deve ser sopesado com outras variáveis, como o nível de treinamento para uso da arma; o fator surpresa nas abordagens; a chance de errar o alvo em uma situação estressante e, com isso, acertar uma outra pessoa; o risco de furto ou de roubo e, com isso, a possibilidade de ser morto por um disparo de sua própria arma.
É preciso aceitar alguns fatos. Uma arma de fogo torna muito mais rápido e eficiente o ato de ferir e matar, seja de forma deliberada ou sob forte emoção. E o problema da segurança pública, por ter raízes diversas, pede soluções articuladas, como valorização e melhorias na formação e no equipamento das forças policiais, solução das desigualdades socioeconômicas, das carências educacionais, mudança da cultura pendente à violência (e, em especial, contra a população negra e parda, as mulheres, as minorias) para uma cultura de paz.
Neste caso, então, é melhor manter o Estatuto do Desarmamento e aperfeiçoar o controle sobre a circulação de armas de fogo, enquanto se enfrenta os demais pontos nevrálgicos com políticas efetivas. Soluções articuladas para problemas complexos: eis o encaminhamento necessário.
* Heleno Rocha Nazário, jornalista e mestre em Comunicação Social (PUCRS)