Especialistas ouvidos pelo G1 apontam fatores dentro e fora da escola que ajudam melhorar a qualidade dos anos iniciais do fundamental, e listam desafios para que esse avanço possa chegar aos anos finais e ao ensino médio.
Aumentar a qualidade de ensino nas escolas públicas brasileiras não exige fórmulas mágicas de sucesso, mas sim estratégias que já são bem conhecidas, ainda que não amplamente aplicadas, segundo especialistas. Uma delas, mas não a única, é oferecer às escolas indicadores de avaliação. Dados de um estudo do Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Portal Iede), obtido pelo G1 mostram que, depois que a Prova Brasil começou a ser aplicada em todas as escolas do ensino fundamental, o número de escolas que conseguiu aumentar sua nota e superar a meta de 2021 cresceu 66 vezes.
“A disposição dos alunos, a capacitação dos professores e a aparição dos indicadores, como o Ideb: isso ajuda a que mais escolas estejam se desenvolvendo”, resumiu ao G1 Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP).
Já Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação, explica que, apesar de a maior parte das escolas ainda não ter atingido essa meta, os números mostram que “o Brasil sabe fazer, que tem muita escola que consegue atingir o Ideb 6”.
“Quando a gente olha para essas escolas que têm mais resultados, a gente não vê coisas ultra complexas e inovadoras não. Tem um ‘feijão com arroz’ muito bem feito.” – Gabriel Corrêa (Todos pela Educação)
Veja abaixo as principais estratégias por trás de escolas de sucesso no Brasil, segundo os especialistas:
Acesso a indicadores de qualidade
No Brasil, só a partir deste século as escolas públicas passaram a ter um indicador de qualidade em larga escala: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Criado em 2005, ele oferece às escolas, a cada dois anos, um indicativo da sua evolução em dois quesitos: a nota de seus alunos na Prova Brasil e seu rendimento escolar, calculado com base nos números de aprovação, reprovação e abandono dos estudantes.
- Retorno dá norte às escolas
Segundo Ernesto Faria, diretor executivo do Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), a presença das avaliações por si só não faz com que as escolas evoluam, já que ainda há muitas escolas que seguem com um Ideb baixo, mesmo depois de seis edições do índice.
“O que acontece é que a Prova Brasil dá um norte, que pode orientar o trabalho de escolas que tenham um bom instrumental pedagógico para ensinar língua portuguesa e matemática. O mesmo poderia acontecer se déssemos boas devolutivas sobre clima escolar ou qualidade das aulas dos professores e houvesse algum tipo de acompanhamento ou accountability em relação a esses indicadores.”
Para Faria, o fato de a Prova Brasil ter se tornado censitária em 2005 pode ter contribuído para acelerar o crescimento de escolas com Ideb acima da meta.
“Isso indica que em 2005, provavelmente, tínhamos bons educadores que não sabiam que estavam sendo ineficazes ao ensinar habilidades importantes aos alunos.” – Ernesto Faria (Portal Iede)
- Ajuda no planejamento
Ocimar Munhoz Alavarse, professor da FEUSP, explica que a matriz de conhecimentos da Prova Brasil, baseada na linguagem e na resolução de problemas, não tem conteúdos muito diferentes dos já trabalhados em sala de aula. Ele ressalta que, apesar de o Brasil não ter um “currículo nacional” estabelecido – o primeiro atualmente está em fase final de definição no Conselho Nacional de Educação –, as escolas já tinham o seu próprio currículo, que não necessariamente se distanciava do que aparece nos testes da Prova Brasil.
“O fato de as escolas terem esses resultados disponibilizados ajuda. Ajuda no planejamento da escola, no foco”, diz Alavarse.
- Limitações das avaliações
Em nota ao G1, o Inep explicou que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do qual o Ideb e a Prova Brasil fazem parte, não tem como objetivo avaliar todos os conteúdos ensinados na sala de aula. “O Saeb, por sua própria natureza de avaliação em larga escala e sintética, avalia apenas uma parte das habilidades fundamentais que um estudante deve desenvolver”, diz o Inep.
De acordo com o instituto, o conteúdo das avaliações não deve definir o currículo que a escola vai adotar. “Há que se fugir de concepções reducionistas do Currículo Escolar, pois isso empobrece as potencialidades que o percurso escolar apresenta. Nesse sentido, vale lembrar que a escola tem por objetivo promover o desenvolvimento integral dos estudantes, conforme o Projeto Pedagógico da instituição. O Currículo Escolar é ferramenta fundamental nesse processo pois aponta o conjunto de competências e habilidades que precisam ser desenvolvidas.”
Aumento do nível socioeconômico das famílias
Alavarse, da USP, ressalta que um dos principais fatores externos ao sistema de ensino, mas que podem afetar, para melhor ou pior, o desempenho dos estudantes, é a situação econômica do Brasil, que afeta o nível socioeconômico (ou NSE) das famílias desses estudantes. “O NSE é um dos principais fatores associados ao desempenho”, diz ele.
- Quando a renda da família melhora, as notas sobem
O professor afirma que a situação econômica positiva do país no período entre 2005 e 2015 pode ter contribuído para o aumento no número de escolas que chegaram ao Ideb 6, considerado o patamar mínimo de qualidade que o MEC espera para o Brasil. Segundo ele, essa situação resultou no aumento do nível socioeconômico das famílias e, com isso, teve um impacto direto em uma das estratégias que ajudam no desempenho escolar: a frequência dos alunos na escola.
“As melhorias nas condições do país, ainda que não tenha resolvido todos os problemas, criou melhores condições da frequência da escola, e evidentemente isso contribui para o sucesso escolar.” – Ocimar Alavarse (FEUSP)
- Escolas ‘obcecadas’ pela frequência
Segundo Gabriel Corrêa, do Todos pela Educação, escolas com bons desempenhos podem ser beneficiadas pela melhoria do NSE das famílias, mas há também escolas com famílias majoritariamente de nível socioeconômico baixo que conseguem aumentar o desempenho de seus alunos. Para isso, ele afirma que a estratégia é ajudar as famílias na garantia da frequência escolar.
“É uma quase obsessão pela presença dos alunos das escolas. Elas têm um acompanhamento de frequência dos alunos muito forte, e tomam ações quando os alunos começam a faltar.”
Formação qualificada de professores
O terceiro fator mencionado pelos especialistas é a capacitação de professores, com a proliferação de cursos de alfabetização e de formação continuada, que ajudou os professores a terem mais ferramentas para trabalharem melhor com os alunos.
Ocimar Alavarse aponta que, nesse sentido, o Brasil tem avançado na quantidade de iniciativas de formação dos profissionais da educação. “Quando a gente olha o Brasil, o conjunto de esforços, de todas as esferas, focado no letramento, preocupações com alfabetização, multiplicação de cursos, isso propiciou também uma maior e melhor capacitação dos professores para trabalhar com os alunos”, explicou ele.
Corrêa, do Todos pela Educação, afirma que os professores das escolas de sucessão são “muito bem formados” e dominam tanto o conteúdo da matéria que ensinam, mas também a didática, ou seja, sabem como ensinar esse conteúdo. Além disso, “são professores sempre presentes”, disse ele.
Boa gestão
A boa gestão escolar que começa no gabinete da direção também está por trás do quão proveitosas são as aulas. Gabriel Corrêa explica que um ambiente agradável na escola, com funcionários e professores satisfeito, cria um clima mais favorável ao aprendizado.
- Preocupação com o aprendizado dos alunos
Ele diz que, além da Prova Brasil e de outras avaliações em larga escala que acontecem a cada dois anos, como a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), ajudam as escolas a entenderem onde vão bem e mal, e em que situação se encontram em comparação com o resto do Brasil. Mas ressalta que as próprias escolas devem aplicar, com muito mais frequência “avaliações diagnósticas frequentes”, uma forma para que professores consigam ver “o ritmo de aprendizagem dos alunos”.
Segundo Ocimar Alavarse, da USP, é dessas avaliações frequentes que os professores conseguem subsídios para entender como podem ajudar cada aluno a superar as suas próprias dificuldades e, assim, aumentar o desempenho da escola como um todo. Um estudo feito pela FEUSP em 2015 com escolas paulistas de baixo NSE e bons resultados no Ideb mostrou, segundo ele, que, em comum, essas escolas com bons rendimentos demonstram uma “preocupação com o acompanhamento da aprendizagem dos alunos”, além de um foco muito grande em leitura. “A hipótese é que na maioria das escolas isso não ocorre”, diz ele.
O professor aponta ainda que, para o dia a dia escolar, o Ideb tem algumas limitações. “O resultado chega muito atrasado. Os alunos fizeram agora a prova. O resultado vai sair no ano que vem. As escolas vão se debruçar e olhar os resultados só e 2019, quando os alunos nem vão estar mais na escola.”
- Investimento em infraestrutura
A gestão dos recursos da escola também depende do investimento das redes na infraestrutura, diz Gabriel, para dar aos alunos a “condição básica que garanta o ensino e a aprendizagem”. Ele cita dados do Censo Escolar que mostram que cerca de metade das escolas não contam com biblioteca ou sala de leitura, por exemplo, mas vai além. “Temos cerca de 15% de escolas que não têm infraestrutura básica, como esgoto, água tratada, eletricidade.”
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