Confira entrevista de Miriam Abramovay, coordenadora do Programa Estudos e Políticas sobre a Juventude da Flacso, sobre a falta de dados disponíveis sobre violência nas escolas brasileiras. A entrevista ilustra reportagem sobre o caso do adolescente que matou dois colegas com arma de fogo em escola de Goiânia/GO.
Por Paulo Saldaña, da Folha de São Paulo
O Brasil não tem um mapeamento claro sobre a dimensão da violência dentro das escolas. Não há estudos abrangentes sobre a temática, o que, segundo especialistas, dificulta não só um diagnóstico do problema, mas também uma intervenção mais adequada.
Na sexta-feira, um estudante de 14 anos atirou contra colegas de sala em uma escola particular de Goiânia. Dois morreram e outros quatro ficaram feridos.
O próprio autor dos disparos disse à polícia que era vítima de bullying. Colegas relataram que o estudante, tímido e retraído, era vítima de gozações contínuas e era xingado de “fedorento”.
Pesquisadora sobre violência nas escolas, Miriam Abramovay afirma que não é possível saber, por exemplo, quais são os fatores de risco aos quais os estudantes estão envolvidos, nem tampouco possíveis estratégias de proteção -essa realidade é foco, inclusive, de estudo que ela coordena atualmente em dois Estados.
“Não temos diagnósticos. Estados e municípios não querem ver expostos dados negativos em geral, muito menos sobre a violência nas escolas”, diz ela, ligada à Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais). “No sistema privado talvez seja ainda mais difícil.”
Em parceria com o MEC (Ministério da Educação) e OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos), a Flacso realizou uma pesquisa em 2015 com 6.700 estudantes das sete capitais mais violentas do país. Divulgado no ano passado, é o último levantamento de maior fôlego feito no país.
Mesmo que parcial, os dados indicam um cenário preocupante da escola como reprodutora da violência social, mas também produtora de uma violência particular.
Quatro em cada dez estudantes (do 6º ano do ensino fundamental ao 3º do médio) afirmaram já terem sofrido violência física ou verbal dentro da escola no último ano.
Em 65% dos casos, o agressor foi um colega –15% assumem já ter cometido alguma violência. Um quarto das agressões relatadas ocorreram dentro da sala de aula.
Sem uma sistematização dos desafios, as escolas têm dificuldade de lidar com desafios de violência e bullying -uma sequência contínua de ataques. “A escola está muito ligada no ensino e aprendizagem e não olha corretamente para isso. Não consegue detectar inclusive casos extremos como esse”.
Em Goiânia, o estudante, que é do 8º ano, relatou ter planejado o ataque por três meses. O pai disse que o filho havia passado por tratamento psicológico. Ele deu 11 onze tiros, mas uma das vítimas era seu alvo principal.
A psicopedagoga Quézia Bombonatto afirma que a problemática envolve alunos, escolas e famílias. “As escolas precisam sempre conversar com o grupo, é um trabalho que precisa ser feito permanentemente, sem esperar que algo aconteça”, diz ela, conselheira vitalícia da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “E as famílias devem ficar muito atentas”.
Mudanças de comportamento, queda de rendimento e desinteresse em ir à escola, por exemplo, podem ser sinais de que algo pode estar errado. “Tanto a vítima de ataques quanto o algoz precisam de atendimento.”
A falta do diagnóstico mais confiável não significa que as escolas não tem feito nada. Embora, pela falta de informações, é difícil mensurar a efetividade de ações no nível nacional.
Nas escolas públicas de ensino fundamental, 74% dos diretores dizem que têm projetos nas escolas com a temática da violência e 83%, sobre bullying. Os dados são do questionário aplicado na realização da Prova Brasil de 2015. Naquele mesmo ano, 17% dos gestores relataram terem identificado alunos com armas como faca e 3%, com revólver.
Pesquisas nacionais e internacionais mostram que o clima escolar –em que a identificação e combate a conflitos é parte fundamental– contribui para melhores resultados da escola, como de aprendizado e de redução das desigualdades. Abramovay, da Flacso, vai além. “Essa violência prejudica não só o alunos e a escola, mas tem consequências sociais e econômicas”, diz. “Ninguém sai incólume”.
A questionou o MEC sobre a existência de dados, bem como acerca da atuação federal na temática, mas não obteve resposta. A pasta lamentou o episódio e, em nota, disse reafirmar “o compromisso com a busca de uma sociedade mais justa e solidária, pautada no respeito à diversidade, à convivência harmônica e à tolerância entre crianças, adolescentes e jovens”.
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