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Segundo Julio Jacobo Waiselfisz, o crime contra a propriedade, como roubos e furtos, tende a aumentar com as crises

Por Renata Mariz, O Globo

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O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz adverte que a crise econômica é muito preocupante para a Segurança – Hans von Manteuffel/17-7-2013

BRASÍLIA — Os problemas financeiros dos estados levarão a um aumento da criminalidade, adverte o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência no país, desde 1998, e coordenador de estudos sobre Segurança Pública da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Segundo o sociólogo, em geral, o crime contra a propriedade, como roubos e furtos, tende a aumentar com as crises econômicas.

Que tipo de impacto a crise econômica do país, com grave reflexo em governos estaduais, como o do Rio, pode ter na Segurança Pública?

Essa crise é muito preocupante para a Segurança Pública. Há muitos anos não tínhamos a crise que temos neste momento. O mais perto que temos como exemplo é a situação de Alagoas, que, em crise em meados da década passada, teve uma greve prolongada da polícia, durante meses a fio. Os policiais praticamente sumiram das ruas, e houve aumento de todos os tipos de violência. Alagoas, que não era tranquila, mas estava do meio para baixo no ranking, subiu para o topo do Mapa da Violência. Os assaltos explodiram. A bandidagem tomou as ruas porque não havia praticamente atividade de repressão. Meu temor é que, neste momento, aconteça mais ou menos isso. Alguns estados estão sem dinheiro para gasolina, para patrulhar, para repor as saídas por aposentadorias e outros motivos. Vai haver um enxugamento no quadro e uma crise nas atividades de repressão e prevenção em muitos estados.

A crise, além de reduzir os investimentos no aparato de Segurança, leva a população a cometer mais crimes? Há relação direta?

Há vários estudos nessa área, comparando o ciclo econômico e o incremento da criminalidade. Em geral, o crime contra a propriedade, como roubos e furtos, tende a aumentar com as crises econômicas. Não aumenta tanto o crime contra a vida. Nesse caso, não há uma relação direta. Tem que haver um tempo de maturação da crise para se verificar um incremento nos crimes contra a vida. Não é imediato. Mas o crime contra a propriedade é quase imediato. Um estudo grande observou essa relação na Região Metropolitana de Belo Horizonte, há uns seis ou sete anos.

Mas por que o Brasil, mesmo vivendo período recente de crescimento econômico, não teve queda nos índices de criminalidade, e, sim, aumento?

Esse movimento de expansão econômica, vivido inclusive neste século, foi altamente segregacionista e concentrado. Nosso nível de concentração de renda, medido pelo índice de Gini, por exemplo, é um dos piores do mundo. Não foi um desenvolvimento igualitário, que beneficiou todos os grupos sociais nem mais aqueles que necessitavam. Baixamos um pouco nosso nível de desigualdade, mas ainda somos um país altamente excludente. Temos uma população excluída dos benefícios do desenvolvimento econômico e de políticas públicas que comprovadamente reduzem índices de criminalidade, como a Educação de qualidade.

Como isso se reflete nos números da criminalidade?

O Mapa da Violência mostra com números que o índice de homicídios de homens brancos diminuiu drasticamente nos últimos anos, enquanto o de negros permaneceu igual ou aumentou em alguns locais. Então, temos uma Segurança Pública altamente excludente, que protege a zona de maior riqueza, onde moram os brancos. Enquanto na favela, os jovens negros, as mulheres, as famílias são ainda muito desprovidas de segurança. Quando não mortas pelos próprios policiais, que entram matando.

Embora tenha havido aumento gradativo dos investimentos em Segurança, a violência só aumenta. Investimos mal?

Em geral, o gasto público com Segurança Pública vai para a parte mais ostensiva, de equipamentos, de infraestrutura, de viaturas, da estrutura das delegacias e carceragens. Pouco, no geral, é aplicado em atividades de inteligência e menos ainda em atividades de prevenção da criminalidade. Não há grandes investimentos em sistemas informatizados, na melhoria da comunicação de dados entre as instituições, no tratamento de informações sobre criminalidade. Isso não é muito priorizado. Nessas áreas, importantes, não estamos muito bem. Nossos estudos são escassos para destrinchar a questão da criminalidade atual e aprender como combatê-la.

Isso quer dizer que não conhecemos a criminalidade no país?

Até 2000, havia uma economia altamente concentrada em duas ou três grandes regiões urbanas do Brasil. São Paulo e o ABC paulista, as Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Depois, começou um movimento de descentralização industrial. Surgiram Macaé, no Estado do Rio; Ribeirão Preto e Campinas, em São Paulo; Suape, em Pernambuco. Criaram-se polos como Zona Franca de Manaus; Ananindeua, no Pará; Camaçari, na Bahia, que viram atrativos de população, de investimentos e, também, de criminalidade. E havia, nesses locais, polícias adaptadas à velha época, em que o malandro tinha nome, sobrenome e endereço certo. Ao mesmo tempo, surgiram organizações nos cárceres, que começam a atuar fora deles. Grandes grupos criminosos que não são mais locais. São nacionais e até internacionais, porque acionam as fronteiras, atuam no contrabando de armas e drogas. Nesses novos locais, a polícia não está preparada. E não se prepara polícia para isso em uma semana. Tem que haver investimentos e uma maturação. Nesse ponto, temos uma defasagem.

A insegurança nas ruas fortalece um movimento no Legislativo para se revogar o Estatuto do Desarmamento. Quais serão as consequências se isso ocorrer?

Basicamente, vai haver um aumento da violência, dos homicídios. A partir do Estatuto, pelo menos estabilizamos algo que estava crescendo num ritmo de 6% a 7% ao ano, numa taxa brutal de aumento. Ninguém disse que o Estatuto seria uma panaceia que solucionaria todos os problemas. Mas é preciso compreender que a arma não soluciona o conflito, só aumenta sua letalidade. É preciso que sejam tomadas outras medidas, como a reforma das polícias, do Código Penal e do próprio Estatuto, no que couber, para diminuir a violência no país.