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19.out.2016 - Maria Inês Fini, presidente do Inep

19.out.2016 – Maria Inês Fini, presidente do Inep

Apesar de não afirmar quando e quais mudanças fará no Enem, a presidente do Inep, Maria Inês Fini, deixa claro que é contra o formato da prova e boa parte do uso atual do Exame Nacional do Ensino Médio.

Considerada “mãe do Enem” –a educadora foi responsável pelo desenho pedagógico da avaliação que foi aplicada pela primeira vez em 1998, na gestão FHC–, Fini afirma que a reforma promovida pelo então ministro da Educação Fernando Haddad, em 2009, “tocou o horror na estruturação do ensino médio”.

Ela defende a Medida Provisória (MP) do ensino médio como forma de corrigir esse “absurdo”. A MP do governo Temer é uma das razões das ocupações de escolas que impediram cerca de 270 mil inscritos de fazerem a prova no último final de semana.

Originalmente, no modelo proposto por Fini, o Enem era realizado em um só dia com foco na capacidade do aluno de interpretar os enunciados. A reforma promovida por Haddad, em 2009, aumentou a cobrança por conteúdo e transformou a prova no principal acesso ao ensino superior no Brasil, o que a educadora chama criticamente de “vestibular enciclopédico”.

UOL – Como foi gestado o Enem, em 1998?

Maria Inês Fini – Há 18 anos, o ministro Paulo Renato [Souza (1945-2011)] queria fazer um exame que fosse para os alunos e que, ao mesmo tempo, pudesse estar vinculado aos princípios que balizavam a reforma do ensino médio de 1998. Ele me convidou para organizar esse exame e eu arregimentei um grupo de profissionais para pensarmos em uma maneira mais moderna e mais abrangente de avaliar essas estruturas mentais de inteligência dos jovens ao final da escolaridade básica.

Houve uma inspiração?

Muito do que nos inspirou estava na “Conferência Internacional de Educação para Todos” lá de Jomtien [Tailândia], em 1990, que é um marco muito importante para os educadores do mundo todo. Lá se preconizava uma antevisão dessa modernidade invadida pela microeletrônica e que previa que não bastava só você guardar na memória informações, mas que era fundamental que você soubesse transformá-las para resolver os problemas cada vez mais complexos de nossa vida cotidiana.

Daí surge a premissa de que informação não é conhecimento e de que memória não é inteligência. Com base nisso e na reforma de 1998, fizemos um exame que media as estruturas mentais, ou seja, as estruturas de inteligência mais do que os conteúdos. Então tínhamos a interdisciplinaridade e a contextualização –queríamos tirar da prateleira a ciência, a arte e a filosofia acumuladas em 21 séculos e colocá-las a serviço daquilo para os quais elas foram criadas: para aumentar a nossa compreensão do mundo que nos cerca.

E a senhora acredita que isso tenha acontecido?

Sim. Fizemos um exame moderno, respeitado no mundo todo. Ele foi crescendo, ganhando muita credibilidade. Em 2002, quando deixei o MEC, mais de 500 instituições usavam o Enem. Era um exame amigável. Não tínhamos rankings de escolas, nem de alunos. Fazíamos um boletim individual onde apresentávamos o desempenho do estudante e de todos os jovens que fizeram com ele o exame. Apresentávamos para a escola, mas sem dar publicidade, para não acontecer essa coisa tão errada que é o boletim do Enem por Escola.

Tudo mudou com a reforma de 2009?

Sim. Em 2009, o ministro Fernando Haddad resolve fazer uma negociação com as universidades públicas federais e, em troca de uma série de favores mútuos, ele altera a estrutura do Enem e acrescenta a essa lista de habilidades e competências uma lista de conteúdos para cada uma das disciplinas das quatro áreas. Isso tocou o horror na estruturação do ensino médio que eu espero realmente que seja corrigida com essa nova medida provisória do ensino médio.

Qual é o principal problema da reforma, na sua opinião?

Acho que foi um absurdo, não só em relação à própria concepção, à estrutura do exame. Ele foi alterado sem nenhum critério acadêmico, pedagógico, metodológico. Simplesmente para se fazer um acordo com as comissões de vestibulares, se acrescentou uma lista de conteúdo onde antes você tinha uma concepção de áreas de conhecimentos, uma estrutura de indicação de habilidades, isto é, de fazeres específicos do que os alunos deveriam fazer com os conteúdos. Daí o Enem ganha essa característica de vestibular enciclopédico para todos os alunos, com listas de disciplinas dentro das quatro áreas.

Isso deve mudar?

Essa é uma resposta de um milhão de dólares que você não terá agora. A única coisa que posso fazer como mãe, como professora, como criadora do Enem é que nenhum movimento será feito no sentido de tirar dos jovens brasileiros todas as oportunidades que ganharam com o Enem. Isso eu garanto. Não será de minha parte, não é intenção do ministro que nada disso se faça.

Então o resultado deve continuar sendo usado para o Sisu, o Fies…

Isso já é especulação sua…

Não, é por conta de sua última resposta. Afinal, senhora acha o Sisu um bom instrumento?

Ele é uma lista classificatória, não é instrumento. Mas de fato dinamizou as vagas de todo o Brasil para todos os estudantes.

E isso é bom?

Então, eu gostaria que você conversasse com algumas universidades federais do Norte e do Nordeste para saber o que eles acham dos alunos paulistas que entram lá em primeiro lugar enquanto nenhum aluno local entra. Essa é uma crítica recorrente que eu tenho ouvido não como presidente do Inep, mas como educadora. Mas eu acho que qualquer mudança tem de ser feita com muita ponderação –de um lado você tem um exame que pode ter qualidades magníficas e, de outro, você tem todas essas políticas sociais associadas aos resultados que devem ser analisadas com extrema cautela, para que os jovens não percam as vantagens.

Caso haja uma mudança e, com ela, o Enem não seja mais usado como vestibular, como fazer para que ele continue atrativo? 

Mas isso é uma especulação que você está fazendo e eu não posso brincar de especulação com você nesse momento tão difícil.

A Medida Provisória do ensino médio “conversa” com o Enem que a senhora criou, lá em 1998?

Olha, ela vai conversar do jeito dela. Ela está permitindo uma organização curricular bastante interessante, bastante moderna. Nesse momento, inclusive, estamos discutindo em audiências públicas no Senado para que a MP possa ter as modificações necessárias, que a sociedade organizada e de maneira disciplina propuser. Seguramente, o Enem tem de ter uma aderência da reforma.