O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu um parecer, nessa quarta-feira (19), alegando inconstitucionalidade da lei “Escola Livre“, aprovada pela Assembleia Legislativa e já em vigor em Alagoas. Para ele, além de ser ilegal por usurpar a função de legislar sobre educação –exclusiva da União–, a lei é carregada de vícios.
“O propósito perseguido pelo legislador alagoano, de limitar o conteúdo da manifestação docente no ambiente escolar, não se compatibiliza com os princípios constitucionais e legais atinentes à educação nacional, os quais determinam gestão democrática e pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, não a proscrição de manifestações que possam vir a ser consideradas por parte de pais como contrárias às suas convicções morais, religiosas, políticas ou ideológica”, afirmou o procurador.
A manifestação contrária foi dada em parecer na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5580, impetrada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino no STF (Supremo Tribunal Federal). De forma cautelar, a entidade pede a suspensão da lei; no mérito, quer a revogação da lei da “Escola Livre”, como foi chamada em Alagoas.
Antes da PGR, a AGU (Advocacia Geral da União) também manifestou entendimento semelhante, criticando a lei alagoana. O processo ainda será julgado.
Esse tipo de legislação foi a primeira aprovada por um Estado brasileiro seguindo as bases do programa “Escola Sem Partido“, que está em discussão no Senado. O projeto 193/2016 é de autoria do senador Magno Malta (PR-ES) e inclui o programa entre as diretrizes e bases da educação nacional. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão,do Ministério Público Federal, já havia se manifestado contra o projeto.
Em Alagoas, a lei foi promulgada pela própria Assembleia após o governador Renan Filho (PMDB) ter o veto derrubado pelos deputados, em abril, e se recusar a assinar a promulgação. O governo também se manifestou no processo contrário à lei.
“Proibições genéricas”
Segundo Janot, a lei alagoana traz um “desproporcional sacrífico da liberdade de expressão e das liberdades educacionais, por meio de proibições genéricas, capazes de transformar estabelecimentos de ensino em comitês de controle de ideias debatidas em ambiente escolar.”
“Empregou o legislador termos amplos e vagos para identificar o objeto da conduta proibida: prática de doutrinação política e ideológica, emissão de opiniões político-partidárias, religiosas ou filosóficas e contrariedade a convicções morais, religiosas ou ideológicas”, explica.
Janot também cita que a lei interferiu no regime de servidores públicos estaduais e impôs ao Poder Executivo impactos financeiros e orçamentários, o que são práticas vedadas.
Sobre o argumento da lei, semelhante à do projeto “Escola Sem Partido”, Janot diz que ela “despreza a capacidade reflexiva dos alunos” e os trata “como se eles fossem apenas sujeitos passivos do processo de aprendizagem, e a interação de pais e responsáveis, como se não influenciassem a formação de consciência dos estudantes. Tomar o estudante como tabula rasa a ser preenchida unilateralmente com o conteúdo exposto pelo docente é rejeitar a dinâmica própria do processo de aprendizagem”, afirma.
“A atividade educacional serve não apenas ao fomento do desenvolvimento intelectual e cognitivo do alunado ou à ministração de conteúdos básicos para viabilizar a qualificação profissional, mas também à integração do estudante à vida em sociedade e ao exercício da cidadania”, completa.
Defesa da Assembleia
Na manifestação em defesa da lei, a Assembleia Legislativa de Alagoas discorda da tese de que o Estado não poderia legislar sobre educação. “Os Estados, enquanto entes federativos, possuem competência legislativa para a instituição de novas regras no plano de ensino e para a criação de programas que auxiliem no processo educacional. Em outras palavras, as decisões do STF apontam que, se há disposição do ente em oferecer maior prestação do direito à educação, deverá essa ser admitida e recepcionada”.
O procurador da Assembleia de Alagoas, Diógenes Tenório Júnior, explica que regra vale como forma complementar e aguarda que o STF acolha os argumentos. “No nosso entendimento, o Estado não pode legislar sobre os princípios da educação federal. Mas existe a autonomia dos Estados, assegurada constitucionalmente, que diz que o Estado pode legislar de forma suplementar sobre saúde e educação, desde que não conflite com a legislação federal”, explicou.
A lei
Segundo a lei promulgada, o professor deve manter “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”; e fica “vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam induzir aos alunos a um único pensamento religioso, político ou ideológico.”
O professor também ficaria proibido de fazer “propaganda religiosa, ideológica ou político-partidária em sala de aula” e incitar “seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas”.
Além disso, determina ainda que, nas questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor deve apresentar aos alunos, “de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas das várias concorrentes a respeito, concordando ou não com elas.”
A lei também condiciona a frequência dos estudantes em disciplinas optativas à “expressa autorização dos seus pais ou responsáveis.” Para garantir a efetividade da lei, o projeto prevê punições previstas no Código de Ética e no regimento único dos servidores, que estipula até demissão.
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