Por Ana Luiza Basílio, no Centro de Referência em Educação Integral
Uma vez identificadas essas situações, os jovens convidaram as pessoas envolvidas para uma entrevista e buscaram sondar o que cada uma delas entendia por um ato violento.
Essa investigação partiu de uma proposta de pesquisa da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), do Ministério da Educação (MEC) e daOrganização dos Estados Interoamericanos (OEI), sob coordenação da socióloga Miriam Abramovay. Aplicado em sete capitais com maiores taxas de homicídios entre os jovens – totalizando 6.709 alunos, de 246 turmas do Ensino Fundamental e Médio – o estudo “Diagnóstico participativo da violência nas escolas: os jovens falam” possibilitou, de janeiro a novembro de 2015, que 140 escolas públicas autoavaliassem os seus contextos e ressignificassem a violência.
A supervisora do Liceu Maranhense, Jacira Pavão da Silva, comenta que os resultados surpreenderam a instituição. “A gente tinha a ilusão de que a violência se materializava com o toque físico. Não tínhamos a percepção de que até a forma de lidar com o colega quando ele não concorda com o nosso ponto de vista pode ser violenta”.
Entre mediadores e monitores
A pesquisa envolveu um trabalho com a comunidade escolar. Primeiro, os professores – foram eleitos dois por escola participante – receberam uma formação de dois dias e ganharam o título de mediadores. O trabalho buscou conceituar os tipos de violência e capacitá-los diante dos instrumentos de pesquisa, como questionários, entrevistas e métodos de observação em campo. Depois de apropriados dos materiais de formação, eles foram responsáveis por repassá-los aos estudantes que seriam os monitores da proposta.
Para a coordenadora do programa na Secretaria Estadual de Educação do Maranhão, Socorro Campos Almeida – que acompanhou 15 escolas estaduais participantes (também participaram 4 unidades da rede municipal) -, foi importante desconstruir o lugar comum da violência junto às equipes escolares.
“As pessoas tendem a achar que um palavrão, ou um “cala a boca, menino” não é violência. Então, além de conceituá-la devidamente, os estudantes, na maioria vítimas dessas situações, puderam ser propositores de soluções”, reconhece.
Revendo os processos
Para a socióloga e coordenadora da pesquisa Miriam Abramovay o estudo contribuiu para que as escolas olhassem para os seus próprios percursos, a partir de dados que diziam sobre a sua realidade. “Evidentemente, a escola reproduz algumas violências da sociedade, do bairro, do entorno, mas também cria as suas próprias nas relações entre alunos, professores, alunos-professores e com os demais profissionais e acaba por produzir um clima nem sempre condizente com o que deveria ser”, avalia.
A questão, para a pesquisadora, é que esses fenômenos acabam por serem banalizados junto ao cotidiano escolar. “O professor grita, xinga, os alunos também, e isso vai passando como se não fosse nada. Foi super importante instrumentalizá-los com ferramentas de pesquisadores para que eles pudessem ver essa atmosfera com outros olhos”, sentencia.
Os dados gerais da pesquisa – que apontam que 42% dos alunos da rede pública afirmam ter sofrido algum tipo de violência escolar no último ano – dizem sobre a própria configuração desses espaços, na opinião de Miriam.
Os jovens são muito críticos, e são críticos com a escola. Apresentam queixas sobre seus espaços, conteúdos, condições de infraestrutura e relações com os adultos. Então, quando o clima escolar não é razoável, não convida a pensar, a ser criativo. Pode haver conflitos, o que pode até ser positivo. O problema é quando isso toma proporções violentas”, relata.
Ela ainda entende que essas situações estão intimamente ligadas à questão da falta de participação da juventude nos espaços escolares. “Esses meninos não estabelecem uma relação de pertencimento, não reconhecem a escola como um espaço deles, é só um local de passagem e só se consegue reverter isso com voz no espaço escolar”, defende.
Em seu entendimento, a escola precisa ser propulsora de oportunidades de experimentação essencialmente no Fundamental II, etapa que significa adaptação a novas escolas, a novos colegas e a uma dinâmica diferente de ensino.
Uma questão de oportunidade
O estudante do Liceu Maranhense Louis Guilherme de Castro Soares, 16 anos, viu no trabalho de pesquisa uma oportunidade de intervir junto à realidade e também de apoiar a classe estudantil. “Mudar a nossa percepção sobre a violência nas escolas é essencial porque ela traz danos muito maiores do que se imagina. Ela talvez seja uma semente inicial para a violência como um todo, pois estamos falando de jovens que vão representar o futuro da sociedade no nosso país”, entende.
Ele conta que em sua escola, os estudantes têm se organizado para promover debates e trazer para a pauta temas de interesse da juventude, com o apoio da gestão. A sua participação também motivou a sua candidatura e eleição no grêmio estudantil da instituição.
Para ele, a instância de participação tem um propósito claro: “a de mostrar aos jovens que eles são protagonistas e que têm, sim, o poder de transformar as suas realidades. Além também de chamar a atenção do poder público para os problemas que ainda precisamos resolver”.
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