Por Marina Baldoni Amaral
O Fórum Social da Educação Popular (FSEPop) começou neste domingo levantando o debate sobre a relação entre Educação Popular e Universidade. Na Roda de Conversa que marcou a abertura do evento, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos avaliou o atual momento dessa relação. Ele aponta que ambas, universidade e educação popular, se tronaram mais complexas e se encontram em uma “encruzilhada”.
Segundo o sociólogo, a Educação Popular surge de uma dupla exclusão das classes populares: a falta de acesso à universidade e o conteúdo de aprendizagem nas universidade, hostis aos interesses desses grupos. Ele avalia que os dois campos estão muito distantes um do outro: “Temos que nos deseducar de muita coisa que aprendemos para nos educar de outra forma. Abrir para outras formas de educação, porque é ai que está o futuro”, defende.
Para Boaventura, o conhecimento popular “tomou mais consciência de si” e os movimentos sociais têm assumido uma posição de protagonismo, utilizando conhecimentos e formas de organização interna próprios, tornando mais complexa a ideia de “classes populares”.
Neste mesmo processo, ele aponta também o surgimento das novas classes médias, nos últimos 15 anos, que passaram por um processo de “inclusão dependente”, através do acesso ao consumo mais do que à cidadania. Boaventura também destaca o que chama de “sociologia das ausências”, indicando uma exclusão ainda mais dura dos que não participaram desse processo de inclusão.
O sociólogo apontou ainda grandes transformações na Universidade, principalmente nas instituições públicas, que passam por um processo de democratização e aumento do acesso graças às políticas de ações afirmativas, “permitindo uma aproximação das classes”. Mas ele destaca que este movimento é “relutante”, “inclui gente diferente mas não inclui cosmovisões diferentes”
Ele avalia que é cada vez mais difícil identificar o opressor e o oprimido, mas essa distinção nunca foi tão importante”. Para Boaventura, Universidade e Educação popular estão “em uma encruzilhada”. “Ela pode ser superada de forma progressista e emancipadora”, ele defende que para isso, a “educação popular precisa de uma universidade progressista e a universidade progressista precisa da educação popular”.
Para Boaventura, “educar é construir experiências que representem o mundo como seu”, e ressalta que, para a grande maioria da população mundial “o mundo lhes acontece, eles não fazem acontecer o mundo. E se não fazem acontecer, não podem o transformar”. O sociólogo defende uma inversão no pacto educativo, propondo uma pedagogia de “retaguarda” que “entra nas classes populares a partir de baixo, caminha com os que vão mais devagar”. “Asas com raízes é a metáfora da utopia educativa do nosso tempo”, concluiu.
Compuseram a roda de diálogo Naomar Almeida Filho, reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Lia del Carmen Córdoba Garrido, da Universidad de los Pueblos (Colômbia), Cláudia Rose, do Museu da Maré (RJ), e Jesus Alejandro Vera Jimenez, reitor da Universidad Autónoma del Estado de Morelos (México), comentaram a apresentação de Boaventura e falaram sobre suas experiências, como a UFSB. A universidade tem compromisso com a “ecologia de saberes”, conceito trabalhado por Boaventura para a relação entre os conhecimentos, e que é eixo estrutural da relação dos estudantes com a instituição. “Estamos buscando construir na prática este enorme complexo de ideias, princípios e conceitos, que são um projeto de universidade”, disse Naomar Filho.
Participaram da mesa de abertura do FSEPop Salete Valesan Camba, diretora da Flacso Brasil, Mauri Cruz, presidente da Abong, Albet Sansano (STEs), Oscar Jara, do Conselho de Educação de Adultos da América Latina (Ceaal), presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre, o vereador Cassio Trogildo.
FSEPop
O Fórum Social da Educação Popular acontece até o dia 23 de janeiro, em Porto Alegre, no contexto do Fórum Social Mundial Temático 2016. O evento reúne intelectuais da América Latina, África e Europa, organizações e lideranças sociais, movimentos, universidades e governos em um grande debate a educação popular no mundo atual.
A ideia do FSEPop surgiu de um diálogo entre a Flacso Brasil, o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o projeto Alice, a Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS), o Conselho de Educação de Adultos da América Latina (Ceaal), o Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e o Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais na África (Codesria).
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