Teve festa na aldeia da etnia Gavião Parkatêjê no Pará quando Japupramti Parketge obteve nota suficiente para ingressar no curso de direito da Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará) em 2012.
A alegria de ter conseguido uma boa nota no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) foi substituída pelo medo ao chegar a Marabá (PA), onde fica o campus da universidade. “No começo foi muito difícil porque eu sempre estudei na escola da aldeia e foi como um choque. Eu nunca tinha morado na cidade. Eu ia todos os dias da aldeia para aula e percorria uma distância de 100 quilômetros. Não entendia muita coisa que os professores falavam. Pensei em desistir”.
O relato de Japupramti não é um caso isolado. O ingresso de indígenas no ensino superior é difícil e, mesmo aqueles que conseguem entrar na universidade, enfrentam desafios que tornam o caminho em busca do diploma bem tortuoso.
“Ainda existe muito preconceito entre os colegas da turma e até mesmo por parte dos próprios professores que colocam os alunos indígenas na condição de menos capazes , como se eles não tivessem condições de estarem ali. Justamente no ambiente da universidade que deveria ser um lugar de criticismo, de reflexão, isso ainda acontece”, relata a pesquisadora Juliana Saneto, que faz doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre educação indígena.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em todo o país, são 13.691 universitários indígenas. Só na Amazônia, eles são 4.415. Esse número cresceu nos últimos anos devido à Lei 12.711, a Lei de Cotas, instituída pelo governo federal em 2012, e também às ações afirmativas de algumas universidades que, mesmo antes da lei, abriram vagas em seus cursos para os indígenas, como é o caso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que oferece vestibular específico e atrai indígenas de todo o país.
Porém, para os especialistas da área, a política de cotas é incipiente porque a questão vai além do ingresso. “Não existe uma política pública de educação indígena em âmbito nacional. Existe sim, essa discussão em torno de cotas, de ingresso diferenciado, mas isso ainda não acontece como deveria acontecer. Existe uma discussão junto ao Ministério da Educação para a criação de uma Universidade Indígena no país porém ainda está tudo no campo da discussão”.
Barreiras linguísticas e dificuldades financeiras
Além do preconceito, outro desafio enfrentado pelos indígenas é a barreira linguística. “Não se pode ignorar a diversidade linguística do país. Para o indivíduo ingressar numa universidade ele tem que falar o português. Eles falam mas a maioria não tem um português para ler livros específicos, muitos técnicos”, explica Juliana Saneto.
A adaptação na universidade também passa pela dificuldade de viver no ambiente urbano. Para não desistir do curso, Japupramti se mudou para Marabá. “Eu aluguei uma quitinete perto da universidade e me vi tendo gastos que eu nunca tive. Na aldeia, a gente não paga luz, não paga água e eu tive que fazer uma contenção de gastos pra me manter”.
Atualmente, Japupramti conta com a ajuda da Bolsa Permanência, um auxílio financeiro dado pelo governo federal a estudantes matriculados em instituições federais de ensino superior em situação de vulnerabilidade socioeconômica e para estudantes indígenas e quilombolas. O auxílio é pago diretamente ao estudante de graduação por meio de um cartão de benefício. Mas, segundo o estudante, o valor que recebe de R$ 900 é insuficiente para as despesas. “Os livros no curso de direito são muito caros e o aluguel também”, conta.
A despeito dos desafios, Japupramti segue firme na universidade. Duas questões o motivam a seguir em frente. “Meu pai tinha um sonho de ver um dos filhos formados e eu vou dar esse orgulho para ele. Também quero me formar para ajudar a minha etnia porque eu vejo a dificuldade que nosso povo sofre hoje no Brasil. Nós temos o direito garantido na Constituição, mas estes direitos são violados. Eu quero auxiliar meus parentes, lutar pelo meu povo.”
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