São Paulo – O número de estudantes de Direito em cursos pagos com financiamento público já supera a quantidade de vagas oferecidas em instituições federais e estaduais. Relatório do Observatório do Ensino do Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), obtido com exclusividade pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, mostra também que na área um em cada quatro alunos recebe auxílio governamental para estudar.
O Financiamento Estudantil (Fies) beneficiou 132,9 mil alunos de Direito em 2013, ano do último Censo da Educação Superior divulgado. O número de vagas nas instituições públicas foi de 64,9 mil. Somados os beneficiários do Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas integrais e parciais a estudantes de baixa renda, o subsídio federal atendeu 170,5 mil alunos de um total de 704,9 mil matriculados em cursos pagos.
A inversão aconteceu em 2012, com o crescimento expressivo dos contratos do Fies. Naquele ano, o número de contemplados pelo financiamento em Direito passou para 75,5 mil, ante 62,5 mil estudantes em cursos gratuitos. No ano anterior, eram 43.378 alunos em faculdades pagas com Fies.
O estudo da FGV, que será divulgado neste mês, mostra também que Direito foi o curso com o maior número de contratos no Fies. A publicação é parte de um conjunto de pesquisas sobre a área no País, que abrange quem ensina (perfil dos professores), quem aprende (alunos) e onde se ensina (instituições).
“Precisamos pensar qual é a política para o espaço público e qual é a política para o privado. Evidentemente, há expansão da rede privada, até porque existe uma meta de oferta de vagas no Plano Nacional de Educação e o Brasil não conseguirá cumpri-la só pelo sistema público, que é muito mais caro. Vai cumprir pela combinação de ambos”, diz a coordenadora do Observatório, Luciana Gross Cunha.
Prioridades
Reportagens publicadas pelo jornal em fevereiro deste ano mostraram que o gasto com o Fies cresceu 13 vezes entre 2010 e 2013, desde que as regras do programa se tornaram mais flexíveis para elevar as matrículas na rede privada. No período analisado, o número total de alunos financiados cresceu de 150 mil para 827 mil, enquanto a rede privada subiu apenas 13% – de 3,9 milhões para 4,4 milhões.
A falta de prioridade na distribuição de recursos do Fies foi um dos motivos que levaram o governo federal a instituir uma portaria que alterou as regras do financiamento. As mudanças incluem critérios para as vagas: área (preferência por Engenharias, Saúde e formação de professores), qualidade (notas 4 e 5) e região (Norte, Nordeste e Centro-Oeste).
Para os autores do relatório, no entanto, o impacto das mudanças no curso de Direito vai depender de como os critérios serão usados pelo governo federal.
Segundo o pesquisador Guilherme Klafke, do Observatório, pode haver conflito entre as regras.
“Se a prioridade for para a região, pode continuar indo (financiamentos) para o Direito. No Centro-Oeste, por exemplo, um em cada cinco alunos de cursos pagos estão no Direito. Se for conceito, o recurso continuaria indo para o Sudeste. E, se for por área, pode ser que não haja vagas (porque a procura é maior do que a oferta). Temos dois cenários possíveis com a mudança: ou vai induzir uma mudança e alterar a demanda, ou os critérios vão se conflitar tanto que a realidade vai continuar como hoje”, diz.
Grandes grupos
Outro questionamento apontado pelo estudo é a concentração do número de contratos financiados em poucas empresas educacionais. O levantamento mostra que 10% das mantenedoras de cursos jurídicos com maior quantidade de beneficiados representam 56,7% do total com financiamentos e bolsas do ProUni.
OAB
Apesar do financiamento público cada vez maior, o total de formados em Direito que procuram exercer a advocacia não aumentou na mesma proporção. O número de inscritos no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem ficado estável. Em 2010, eram 24.418. Em março deste ano, 24.187. A taxa de aprovação oscilou entre 11% e 25% no período.
“Devemos questionar se as novas regras do Fies serão suficientes para induzir a mudança de comportamento. Há prestígio social na profissão, assim como em Medicina e Engenharia”, diz José Garcez Ghirardi, um dos coordenadores do Observatório da FGV.
Formado por uma universidade privada em São Paulo, Marcelo Ponci, de 42 anos, hoje desempregado, já prestou o exame cinco vezes. Fez uma pós-graduação em Direito Imobiliário e trabalhou no Conselho Regional de Corretores de Imóveis, mas agora deixou o posto para estudar. Hoje, faz cursinho preparatório para o exame. “Sempre faltou conteúdo na graduação. Precisei do cursinho para focar mais, ver mais conteúdo que cai na prova”, diz.
Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Marcus Orione, o aumento de financiamento privado, apesar de trazer mais inclusão, pode causar distorções. “A maior aplicação de aporte em cursos privados, em vez de públicos, traz alguns valores específicos de mercado. Quando você está em uma universidade pública, consegue trabalhar com outros valores que também são demandados do advogado”, afirma.
Para o presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, é preciso atentar às exigências feitas aos cursos financiados. “A grande quantidade de faculdades autorizadas nos últimos anos não tem interesse na qualidade.” As informações são do jornal “O Estado de S. Paulo”.
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