Por Marina Baldoni Amaral
O aumento real e constante da violência contra crianças e adolescentes e tentativas de retrocesso na legislação que protege os direitos dessa população marcaram os 22 anos da Chacina da Candelária. Duas décadas depois do massacre, o Brasil registra por ano mais de dez mil homicídios de crianças e adolescentes na mesma faixa etária das oito vítimas do massacre ocorrido no Rio de Janeiro em 1993 (11 a 19 anos). Isso equivale a dizer que ocorrem no país 3,5 Candelárias todos os dias. Este dados deram o tom das cerimônias que ocorrem em memória das vítimas da chacina, dias 22 e 23 de julho, no Rio de Janeiro.
Os novos números foram apresentados na quinta-feira (23) pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, em audiência pública organizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pelo movimento Candelária Nunca Mais, com apoio da Flacso Brasil, no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. A audiência discutiu o enfrentamento da letalidade infanto-juvenil e as medidas de reparação às famílias de vítimas de violência praticadas por agentes do Estado.
Os números são do Mapa da Violência, que indica também que, enquanto as mortes por causas naturais na população entre zero e 19 anos cairam 78,5% entre 1980 e 2013, os homicídios aumentaram 426,9%. O perfil das vítimas é predominante de pessoas negras, pobres e com baixa escolaridade. “Está aumentando drasticamente a vitimização negra no Brasil, e nada indica que vá cair”, alerta Jacobo, que entende existir uma estrutura institucional que segrega a população negra.
Apesar dos números alarmantes, essas mortes não têm visibilidade. Para o sociólogo vivemos uma “cultura da cegueira”. “Os homicídios ocorrem no lusco fusco da ignorância da sociedade, não se atribui importância a este fenômeno”, disse.
Na audiência, o Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Pepe Vargas, avaliou que o Brasil precisa de formas mais efetivas para encarar grupos de extermínio e as políticas antidrogas. Para ele, não são só abordagens de segurança publica que vão reduzir a criminalidade.
Ele anunciou que o governo federal está discutindo uma proposta de pacto nacional pela redução de homicídios, “onde a juventude das comunidades de periferia, principalmente a juventude negra, vai ter q ter um olhar especial”.
Em resposta às mães de vítimas que relataram suas histórias pessoais nas audiência, o ministro fez um pedido de desculpas, em nome da união, pela violação de direitos por agentes do Estado.
Reparação
Mônica Cunha, do movimento Candelária Nunca Mais e fundadora do Movimento Moleque, um movimento de mães pelos direitos dos adolescentes no sistema socioeducativo, falou sobre a necessidade reparação financeira e apoio psicossocial aos familiares das vítimas. “Precisamos estar com a mente sã para ter noção do que de fato temos direito”, argumentou.
Ela relata que muitas mães enfrentam dificuldades para retomar a vida e a carreira profissional: “precisamos estar juntos dos nossos outros filhos para que eles não integrem também o sistema socioeducativo ou os cemitérios”.
Patrícia Tolmasquim, uma das fundadoras do Movimento Candelária Nunca mais, pediu por um Projeto de Lei em âmbito nacional para reparação de todos os familiares que tiveram seus direitos violados pelo estado brasileiro.
O desembargador Sirio Darlan entende que essa é uma boa medida também para combater a violência contra a juventude. “Se o Estado começar a ser acionado, mexer no seu tesouro e nas suas economias, eles vão ter que se organizar para evitar essa violência”, disse.
Maioridade Penal
Carlos Nicodemos, vice-presidente do Conanda, entende que a aprovação do Projeto de Lei (PL) na Câmara dos Deputados pela redução da maioridade penal foi uma derrota aplicada de forma inconstitucional, que afeta “especialmente o segmento de adolescentes e jovens negros, colocados secularmente nessa estrutura de vitimização”. Os participantes da audiência pública destacaram que no Congresso nacional tramitam propostas legislativas que ameaçam o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA).
Para o desembargador Sirio Darlan, o fato de o ECA não ter sido plenamente efetivado nos seus 25 anos de existência faz com que os conservadores responsabilizem a lei pela violência, e as principais vítimas, os jovens, sejam apontados como os algozes.
O ministro Pepe Vargas entende que vivemos um momento preocupante também em outras matérias legislativas, como as propostas de alteração do estatuto do desarmamento e de mudança na classificação do que é trabalho escravo. “Precisamos não só resistir e impedir que elas se realizem, mas também ter capacidade de produzir e ir além”, afirmou.
Candelária
Como acontece todos os anos no aniversário da chacina, houve missa e ato inter-religioso na igreja da Candelária para lembrar as vítimas do extermínio. Além de movimentos de mães do Rio de Janeiro e São Paulo, estiveram presentes crianças de grupos como a Pastoral do Menor, membros de movimentos dos direitos humanos, religiosos e autoridades.
Em um momento de grande emoção, o Padre Renato, da Casa do Menor de São Miguel Arcanjo pediu que todos os meninos presentes se levantassem. Em seguida, pediu para os adultos se virarem para as crianças e, ajoelhados, pedissem perdão. “Nós adultos devemos ter vergonha, pois estamos tratando nossos meninos muito mal”, disse o padre. Depois da celebração religiosa, o grupo desceu a avenida Rio Branco e seguiu a pé até a Cinelândia, onde realizaram ato de protesto antes da audiência pública.
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