fbpx

Por Marina Baldoni Amaral

A última terça-feira (15) foi de debates na 18ª Cúpula Social do Mercosul, que tem como tema “Avançar no Mercosul com mais Integração, mais Direitos e mais Participação”, em Brasília. Representantes do governo e da sociedade civil de Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela participaram de painéis nos três eixos que dão nome ao evento. O evento, que teve abertura na quarta à noite, vai até hoje, 16. Os auditórios cheios foram uma amostra do interesse pelas pautas e a diversidade de público, que tinha representantes de movimentos como os das mulheres, negro, do campo, da juventude, sindicais, de direitos humanos, comunicação, entre outros tantos.

A Cúpula social é um espaço de diálogo entre governos e sociedade civil concebido para expandir e fortalecer a participação social no processo de integração regional entre os países do bloco. Coordenado no Brasil pela Secretaria-Geral da Presidência da República e pelo Ministério das Relações Exteriores, o evento é organizado por um grupo de entidades que compõe Programa Mercosul Social e Participativo (PMSP), instância de participação e debate da sociedade civil brasileira dedicada ao bloco da qual a Flacso Brasil faz parte.

Crédito: Cobertura Colaborativa da Cúpula Social do Mercosul.

Crédito: Cobertura Colaborativa da Cúpula Social do Mercosul.

Mais Integração

Os participantes do painel “Avanços e limites do processo de Integração atual e o modelo que queremos”, falaram sobre o desafio de fazer do Mercosul uma aliança não só econômica, mas também social, discutindo questões como o avanço de forças conservadoras na região e os papéis da mídia, da educação, dos governos e dos movimentos sociais nesse processo.

O ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência da República Luiz Dulci avaliou que o momento é de enorme desafio, e que para barrar a onda reacionária que não têm interesse na integração social dos países da América do Sul, é preciso ir para as ruas: “Integração, se não avança, não fica parada onde esta, ela retrocede. Precisamos criar uma correlação de forças mais favoráveis às questões progressistas e fazemos isso por meio de muita mobilização social. Quanto mais, melhor.”

Além disso, deixou como sugestão ao documento final da Cúpula, que será apresentado aos Chefes de Estado, o sentido de urgência dos apontamentos dos participantes. “No contexto atual, as decisões de rotina dos governos já não são mais suficientes, sobretudo na dimensão da integração social. Não é somente de identidades coletivas que precisamos construir, mas combater a regressão moral, de valores e de comportamentos que estamos assistindo de volta a medidas medievais. Estamos falando de processos civilizatórios”, pontuou.

Para Dulci, o Mercosul progrediu mais na dimensão política do que na econômica – motivação inicial do bloco.  Mas ressalta que nem todas as forças políticas do continente têm interesse nessa integração, apesar de raramente se posicionarem abertamente contrárias em seus discursos. O processo de integração, segundo Dulci, passa necessariamente por uma participação popular – de movimentos sociais e também de não militantes – para a criação de uma “cultura popular de integração”, que só será possível por meio da educação.

Já o embaixador argentino Oscar Laborde acredita que precisamos buscar uma resposta na política para avançar no Mercosul social. Ele ressaltou o papel da resistência popular ao neoliberalismo no processo de mudança de perfil do bloco na última década. Para ele, o nascimento da integração regional como a conhecemos aconteceu no momento em que “dissemos não à Alca”. “Foi o que nos marcou e nos deu identidade”, avalia.

O sindicalista venezuelano Iván Gonzaléz, da Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas, acredita que é preciso romper com a lógica de mercado que deu origem ao Mercosul destacando que, principalmente nos últimos dez anos, os países puderam avançar em uma agenda de conquistas sociais e econômicas. “Se não convertermos o Mercosul em um cenário de mais conquistas, a direita, que se articula, vai encontrar caminhos de desconstruir o que conseguimos,” disse.

Os participantes ressaltaram a escalada conservadora nos países do Mercosul e a necessidade de enfrentá-las para garantir o avanço dos processos democráticos e de conquistas de direitos na região. Maria Julia Aguirre, do Centro de Participación Popular do Uruguai, alertou para a articulação de forças reacionárias no continente: “Por mais que haja governos progressistas, isso não significa que as direitas estejam vencidas ou contidas”.

Para Aguerre, existe também uma distância grande entre o discurso das lideranças do bloco e a realidade. Diminuí-la é um desafio, além de construir uma agenda externa comum ao Mercosul.  Ela defende que devemos “aprofundar nosso conceito de desenvolvimento e um novo conceito de  soberania, a soberania compartilhada”. E destacou a necessidade de atuação dos Estados como uma unidade regional. “Temos que fortalecer o Mercosul se quisermos uma possibilidade em um mundo não só futuro, num mundo que está aqui”.

Mais Direitos

A construção de Diretrizes de Educação e Cultura em Direitos Humanos Para o Mercosul foi aprovada no início do mês, durante a XXVI  Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul (RAADH) que levou à Cúpula um painel com o mesmo nome se dedicou a discussão do tema. A coordenadora-executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), Fernanda Lapa, lembrou que a discussão das diretrizes surgiu em 2012, também durante uma das edições da Cúpula, em Brasília, destacando a importância da participação da sociedade civil na construção delas. “É necessário articularmos o que a população pensa em relação à educação em direitos humanos para que, quando os Estados começarem a construção desse conteúdo, essa perspectiva seja contemplada.”

Lapa ressaltou a imprescindível realização do evento na construção de políticas públicas na região. “A formação de uma cidadania regional passa necessariamente pela educação, e é preciso subsidiar e complementar os espaços que já existem em educação para direitos humanos nos países, saindo do âmbito das especificidades e pensando no bloco,” alertou.

Paulo Abrão, Diretor do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH), afirmou que a construção das diretrizes está no topo das prioridades da entidade e que é possível estimar que o processo esteja concluído no prazo de um ano e meio. “Construir essas diretrizes é condição de possibilidade para que possamos avançar na dimensão da cidadania regional, uma integração regional social”, disse.

Abrão avalia que os países do bloco já alcançaram um “nível satisfatório” de institucionalização dos direitos humanos. O desafio, segundo ele, é dar o passo seguinte e construir uma ferramenta que permita interação e interatividade regional nessas institucionalidades. Concluiu com a reflexão de que é crucial que as diretrizes reflitam perspectivas, valores e diversidade de abordagem e garantam o vínculo à sua origem de luta social. “Quanto mais a sociedade civil se empoderar dentro da Cúpula, menor o risco do resultado ser desconectado”, avalia.

Christiana Freitas, coordenadora-geral de Educação em Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos afirmou que, a partir dos desafios dos pontos de vistas formal e de conteúdo, a pasta vai trabalhar pela elaboração concreta das diretrizes levando em conta a dimensão regional e olhares plurais.

Rodrigo Mondego, militante dos direitos humanos e membro do Coletivo de Advogados do Rio de Janeiro – criado na época das Jornadas de Junho, em 2013 – alertou para “as permanências das condições na discussão de políticas públicas” como obstáculos enfrentados na defesa dos direitos humanos. “Estamos vivendo numa época em que para a população em geral há cidadãos que não devem ter direitos. Esta opinião é muito clara nas expressões ´direitos cidadãos’, ´cidadãos de bem´. E quais são os grupos que estão fora desta concepção? Mulheres, migrantes, adolescentes em conflito, em sua maioria jovens negros, com a lei tidos como pessoas ‘matáveis’”, sentenciou. Para Mondego, o discurso de senso comum e de ódio influenciado pela nossa mídia, está impregnado nessa defesa anti-direitos humanos.

Mais Participação

No eixo Mais Participação, a mesa “Políticas Públicas, Leis de Meios, Redes de Comunicação Popular” promoveu um debate sobre o acesso à comunicação nos países membros do Mercosul e trouxe exemplos de mídias alternativas que resistem nesse contexto. Os participantes apontaram o monopólio dos meios de comunicação como o principal obstáculo para a garantia da democratização da comunicação e a liberdade de expressão na região. “Estamos em um continente em que quatro grupos são responsáveis por 60% do conteúdo produzido”, disse Bia Barbosa, do Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Ela entende que esse quadro de centralização invisibiliza setores da sociedade. Em sua avaliação, a ausência de diversidade e pluralidade de valores tem impactos concretos nos desenvolvimento de políticas públicas e na tomada de decisão nos países, que são baseadas na visão minoritária daqueles que conseguem levar suas opiniões aos meios de comunicação.

Barbosa defende que é preciso fazer uma “disputa de imaginário e de sociedade pautada na diversidade”, e cita as Leis de Meios da Argentina, do Uruguai e do Equador como exemplos de mecanismos de combate à concentração de meios de estimulo à diversificação de vozes. Mas o privilégio histórico do controle, segundo ela, desinforma a sociedade sobre esses processos. “O cidadão comum vai dizer que o que está acontecendo é censura à imprensa”, diz.

Para Rubén Ayala da organização Decidamos, do Paraguai, a região diminuiu as desigualdades em muitas áreas, mas esse processo ainda não ocorreu no exercício do direito à comunicação. “Em nosso país, a concentração dos meios de comunicação chega de 95 a 98% de monopólio nas mãos e poucos empresários.”

Na visão de Ayala, essa concentração permite que as elites definam a agenda política do país e pautem o debate de políticas públicas. Para ele, “a comunicação deve ser entendida como um bem público. Atualmente, ela é um negócio”.

Uma consulta pública sobre a situação de normas jurídicas e práticas para enfrentar o fenômeno da concentração da propriedade dos meios de comunicação no continente foi lançada esse mês pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Para saber mais, acesse: http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/

A comunicação alternativa e popular tem ganhado força nos países latino-americanos, mas ela também enfrenta obstáculos concretos. O argentino Oliver Kornbhlitt faz parte do Facción, uma plataforma que articula redes independentes de midiativismo na América latina. Ele acredita que “é preciso fazer uma disputa de narrativas e um mosaico de realidades”, entendendo a comunicação “como uma arma” nesse embate.

Filipe Peçanha, da Mídia NINJA, também contou sobre a trajetória da rede de comunicação, que ganhou notoriedade com a cobertura dos protestos de 2013. Ele ressaltou a necessidade de elaborar narrativas, “criando história, não apenas comunicações”.

Mas Bia Barbosa alerta que, além da concentração, outro desafio do campo é a exclusão digital. A internet, ferramenta essencial da mídia alternativa, não está disponível para a maioria da população da região. Apenas Uruguai, Argentina e Chile atingem índices de acesso à rede superiores a 50%. É preciso, segundo ela, lutar pelo expansão do acesso à internet, mas também garantir que a comunicação contra-hegemônica não se restrinja à ela.

Peçanha sugeriu que a Cúpula Social encaminhe uma proposta para investimento e fomento de veículos alternativos e comunitários no Mercosul, criando um fundo específico para comunicação.
 
Mais da Cobertura Colaborativa da Cúpula Social do Mercosul
Facebook: https://www.facebook.com/CupulaSocialdoMercosul
Instagram: https://instagram.com/mercosulsocial/