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Por Marina Baldoni Amaral

Está surgindo a primeira geração de adultos nascida sob a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 25 anos. Em um quarto de século, conquistamos importantes avanços na garantia de direitos ao grupo mais jovem de cidadãos e cidadãs do país. Mas esse aniversário também é marcado por ameaças, como as tentativas de aprovação no Congresso Nacional de medidas para redução da maioridade penal.
O Estatuto enfrenta atualmente um dos maiores desafios desde sua criação. Tramitam entre as prioridades do Congresso Nacional pautas que ameaçam diretamente direitos estabelecidos na lei. A principal delas é a PEC 171, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes graves. Votada e derrotada no dia 30 de junho na Câmara dos Deputados, foi aprovada no dia seguinte em uma manobra regimental da presidência da casa. Ela agora precisa passar por nova votação na Câmara.
O tema tem mobilizado organizações, campanhas, artistas e comunicadores contrários à proposta que veem nela não somente um retrocesso aos direitos e deveres conquistados de crianças, adolescentes e jovens, mas a abertura de um flanco à aprovação de outras medidas conservadoras.
“Infelizmente a falta de informação palatável à população em geral, o desejo de ‘justiça’ das famílias que perderam entes queridos, a manipulação da mídia e sua sanha por audiência com o uso excessivo de imagens e discursos que constroem o imaginário de responsabilidade única de adolescentes e jovens por toda a violência sofrida hoje não contribuem para um debate racional, qualificado e equilibrado. Queria ver, por exemplo, as pessoas debatendo o genocídio dos jovens principalmente nossa juventude negra. Há uma arraigada questão de classe sim! A redução não é solução, não vai reduzir a violência. As propostas são falaciosas”, salientou Salete Valesan Camba, diretora da Flacso Brasil, lembrando que o Brasil é signatário de vários acordos internacionais no âmbito do atendimento prioritário e do respeito à este público.
Além da Câmara, a proposta vai ao Senado Federal onde também será criada uma comissão para analisar todos os projetos de lei que tratam de maioridade penal e de alterações no ECA. Entre eles está o PL 333, com a proposta de aumentar de três para oitos anos o tempo de internação de adolescentes em conflito com a lei que tenham cometido infrações graves.
Entenda mais sobre o assunto e acompanhe a tramitação da PEC 171:
18 Razões
Mitos e Fatos Sobre a Redução da Maioridade Penal – Instituto Sou da Paz
Redução da Maioridade Penal Não Funciona – Conectas
Comparação com outros países 
Maior Idade Penal

No horizonte dos avanços

Sancionado no dia 13 de julho de 1990, o ECA regulamenta direitos fundamentais da criança e do adolescente, como saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, liberdade e convivência familiar e protege da negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Desde sua regulamentação, avanços importantes para a proteção de crianças e adolescente foram alcançadas por meio de políticas públicas. Entre elas, o aumento do acesso à educação ( a Pnad de 2013 indica que 97% das crianças de 6 a 14 estão matriculadas no Ensino Fundamental), a mortalidade infantil foi reduzida (de 51,6 mortes por cada mil bebês nascidos vivos em 1990 para 15,3 em 2011) e o número de registros civis de recém-nascidos aumentou (de 75,1% em 1994 para quase 96% em 2011).
Para conhecer outros, acesse: http://www.fundabrinq.org.br/index.php/noticias/171-25-conquistas-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente.
A instituição dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente em todos os níveis da administração pública é considerada dos pontos mais importantes do Estatuto. De caráter deliberativo e de controle das ações governamentais e não-governamentais, são compostos por membros, em igual número, da sociedade civil e do poder público. Eles têm como objetivo assegurar políticas para a efetivação dos direitos tendo o papel de garantir o cumprimento da lei e agir em casos de violações ou ameaças aos direitos de crianças e adolescentes.
Segundo estudiosos do tema e profissionais da área, entre os avanços mais recentes está o Plano nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, que estabelece 20 metas a serem atingidas em dez anos. Entre elas, a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar e o fim das desigualdades educacionais. Além dele, a Lei nº 10.639, que tornou obrigatório, desde 2003, o ensino de cultura africana e afro-brasileira nas escolas.
Apesar disso, há muito ainda por avançar para garantir a aplicação das leis na vida cotidiana. Um dos maiores desafios atuais é o combate à violência contra crianças e adolescentes. É o que mostra o Mapa da Violência, de autoria do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz e lançado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no último mês. Os homicídios representam hoje a principal causa de morte de jovens de 16 e 17 anos – 46% dos óbitos em 2013, um crescimento de 372,9% em relança a 1980. Apesar de forte queda no índice de mortes por causa naturais, as mortes por causas externas entre crianças e adolescentes cresce de forma lenta mas contínua.
Sujeitos de Direitos
A garantia de direitos das crianças e adolescentes é fruto da intensa participação da sociedade civil e ganhou força durante a Assembleia Nacional Constituinte. O ECA é uma regulamentação do artigo 227 da Constituição Brasileira de 1988. A luta por sua aprovação é considerada um dos principais momentos de engajamento social no país em torno de uma legislação.
Em 1987, num desses momentos de mobilização, André Luís de Jesus, identificado pelos jornais e atas do Congresso Nacional como “menino de rua”, entregou ao deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, um manifesto gravado em uma placa de asfalto. Nele estavam elencadas reivindicações e expectativas para a nova Constituição. O manifesto é assinado: crianças de rua.
“Não é só gente grande que tem direito às coisas. As crianças têm o direito a tudo que quiser. Não só vocês que têm dinheiro, que é grande, que é pai, que sabe fazer as coisas, que tem direito. As crianças também têm direito de saber fazer as coisas, trabalhar e ser alguém”, argumentou André em uma fala à Subcomissão da Família, do Menor e do Idoso.
No mesmo ano, diversas entidades, entre elas o Movimento Nacional dos Meninos e meninas de Rua (MNMMR), a Pastoral do Menor e a OAB, apresentaram a emenda popular “Criança Prioridade Nacional”, que recolheu 200 mil assinaturas de eleitores e quase 1,5 milhão de assinaturas de crianças e adolescentes – sem valor legal, mas que simbolizou o desejo de mudança por parte da sociedade civil.
O ECA representou de fato essa alteração na forma de perceber a criança e o adolescente, que passaram a ser compreendidos como sujeitos de direitos e não mais objetos de uma legislação tida como paternalista e discriminatória. Antes do Estatuto, considerado avançado no contexto mundial, existia no Brasil a Doutrina da Situação Irregular, representada pelo Código de Menores, em vigor desde 1927. Era uma legislação que concebia a criança e o adolescente, especialmente os pobres, como objeto de intervenção da família e do Estado.