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Nota de corte de cotistas é só 3% inferior e especialistas se dividem sobre o alcance da política

RIO – A um ano de que se cumpra o índice de 50% de vagas reservadas para cotas em universidades federais, estabelecido por lei em 2012, o total de inscritos por esse sistema na primeira edição de 2015 do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) alcançou 48,1%. Ao mesmo tempo, a diferença entre a média geral das notas de corte para não cotistas (665,03) e cotistas (644,08) continua em queda e, hoje, é de pouco mais de 3%, contra mais de 5% há dois anos. Possível reflexo, dizem analistas, da grande procura de estudantes pelo sistema de cotas, algo que se reflete na relação candidato-vaga: 27,99, para inscritos pela Lei de Cotas, contra 25,66 dos que se enquadram na categoria chamada de “ampla concorrência”.

No total, segundo dados divulgados ontem pelo Ministério da Educação (MEC), 2.791.334 estudantes usaram suas notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para pleitear uma vaga na universidade pública, recorde histórico e aumento de 9% em relação ao ano passado. Esses candidatos fizeram 5.431.904 inscrições (cada estudante pode optar por duas opções de curso). No primeiro semestre de 2014 haviam sido 4.988.206 inscrições.

Em meio ao universo de 2015, 42,7% das inscrições (2.319.594) foram feitas por Lei de Cotas, enquanto outros 5,4% (294.329) efetuaram seus registros através de ações afirmativas disponibilizadas em diferentes instituições país afora, que, além dos critérios étnicos e de conclusão de curso em escolas públicas, também contemplam candidatos com deficiência, por exemplo, entre diversos outros casos. A “ampla concorrência” respondeu nesta edição por 51,9% (2.817.981) das inscrições.

De acordo com o secretário-executivo do ministério, Luiz Claudio Costa, as notas de corte das duas modalidades são muito próximas, o que consolida a maior qualificação, inclusive, para estudantes com perfil cotista:

— A diferença (nas notas entre cotistas e não cotistas) tem que existir. Esse é o princípio. Mas hoje é muito pequena, dentro do razoável. É para corrigir uma diferença que houve no passado com alguns segmentos da nossa população. Mas, ao mesmo tempo, não pode ferir a qualidade.

‘Segregação era injusta’, diz especialista

Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara concorda. Segundo ele, o quadro rebate o argumento de que os cotistas teriam capacidade inferior aos demais.

— Esse número demonstra o quanto a segregação existente no Brasil era cruel e injusta, já que limitava o futuro dos estudantes vindos de escolas públicas e negros, por exemplo — sustenta. — Muitas pessoas consideram a Lei de Cotas como um privilégio. Mas, na verdade, trata-se de um direito. Pessoas que eram marginalizadas viram que têm chances e são iguais.

Já o coordenador de Vestibular e professor de História do Colégio QI, Renato Pellizzari, considera o quadro um alerta sobre os reais desdobramentos da política de cotas. Para ele, a aproximação entre as médias gerais para cotistas e “ampla concorrência” está ligada ao grupo de estudantes que estudam em colégios públicos de excelência e conseguem se inscrever pela categoria.

— As notas estão ficando muito altas porque alunos de colégios como Pedro II e Colégio de Aplicação da Uerj conseguem se candidatar às cotas por serem de escolas públicas. Mas eles têm perfeitas condições de entrar pela “ampla concorrência” — comenta, ressaltando que as cotas, porém, não devem ser bandidas, mas repensadas: — Esse recurso foi criado para corrigir distorções, mas não está fazendo isso.

A maioria dos inscritos nesta edição do Sisu foi de mulheres, que respondem por 57% dos registros no sistema. Além disso, de acordo com o MEC, 53% dos inscritos têm de 18 a 24 anos, enquanto os estudantes de 17 anos representam 22%. Destes, muitos correspondem àqueles que fazem o vestibular apenas como treinamento por ainda não ter concluído o ensino médio. Candidatos com mais de 45 anos são 4% do total de inscritos.

Na distribuição por regiões, vem do Nordeste a maior quantidade de inscrições no Sisu. A área reúne 38% dos inscritos. Em segundo lugar aparece o Sudeste, com 33%, seguido por Norte (11%), Sul (10%), e Centro-Oeste (8%).

A instituição com maior número de inscrições também fica no Nordeste: a Universidade Federal do Ceará (UFCE), com 187 mil. Depois, aparecem a Universidade Federal de Minas (UFMG), que atraiu 186 mil candidatos, e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com 177 mil. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ficou em quarto lugar, com 174 mil registros.

Como ocorre tradicionalmente, o curso de Medicina foi o mais concorrido do Sisu, com média de 63,14 candidatos por vaga. Em seguida vêm Psicologia (55,16), e Educação Física (47,12).

No entanto, é o curso de Administração que teve o maior número de inscrições (312.991), à frente de Direito (262.255) e Pedagogia (249.348). Medicina foi o quarto, com 237.267. Os quatro são tradicionalmente os mais procurados.

COM OS PÉS NA UNIVERSIDADE

Para os milhares de aprovados, o dia foi de comemoração, mas também de planejamento. Após quatro anos tentando uma vaga em Medicina, a estudante Vanessa Feijó Andrade, de 20 anos, que mora em Fortaleza, finalmente realizou seu sonho. Mas, além de se dedicar ao curso, ela terá que enfrentar o desafio de morar longe da família. Vanessa foi aprovada para a Universidade Federal de Campina Grande (PB) e terá que morar a 618 quilômetros de casa.

— Faria qualquer coisa por esse curso. Vai ser difícil no começo, mas a gente se adapta — conta a caloura, que já está buscando alguém para dividir apartamento na nova cidade.

Em Belo Horizonte, a futura colega de profissão de Vanessa também é só alegria. Lara Ferreira de Abreu, de 18 anos, passou para Medicina na UFMG em 17º lugar pela “ampla concorrência”.

— Juntando os estudos em casa e no cursinho, eram cerca de dez horas por dia. É muito bom ver que o esforço valeu a pena.

Aprovado em Física na UFRJ, Victor Velasco, de 18 anos, já faz planos para a carreira:

—Sempre sonhei em ser cientista e gostava muito de física e matemática. Agora, quero fazer um semestre da universidade no exterior e construir uma carreira como pesquisador e professor.

Os aprovados devem efetuar suas matriculas entre 30 de janeiro e 3 de fevereiro. Quem não foi selecionado pode participar da lista de espera, confirmando o interesse até o próximo dia 6.