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Temos um problema: quase 10% dos alunos que fizeram a principal prova de avaliação do ensino médio do Brasil, o Enem, zerou na prova de redação. Foram cerca de 500 mil notas zero na única parte escrita da prova. Um desastre.

Mais: apenas 250 estudantes, dos cerca de 6,2 milhões que fizeram a prova, tiraram a nota máxima na parte escrita. Para se ter uma ideia do que isso significa, esse grupinho representa 0,004% de quem fez o exame. Tirar nota máxima no Enem foi estatisticamente tão raro -raríssimo- quanto desenvolver, a ver, “síndrome dos ossos de cristal” (osteogênese imperfeita), aqueça doença que deixa os ossos frágeis a ponto de quebrá-los com um aperto de mão.

O que isso significa? Bom, significa muita coisa.

Escreve minimamente bem quem lê pelo menos um mínimo. Falo de notícias, textos acadêmicos, livros. É lendo que se aprende a escrever, que o vocabulário enriquece, que a gramática aparece corretamente sem que o aluno tenha de decorar regras. Sobretudo: é lendo que se coleciona argumentos para discorrer sobre um determinado assunto. Não é por coincidência que uma das estudantes que tirou nota máxima no Enem, Taiane Cechin, 17, classifica-se como “leitora voraz”: Leitura desde cedo levou à nota máxima no Enem, diz estudante.

O problema é que ler, no Brasil, é raro em casa e raro na sala de aula. E, em uma escola cada vez mais preocupada em encher os alunos com conteúdo memorizado para provas testes –como o próprio Enem–, o tempo para leitura fica ainda mais escasso.

Quer um exemplo da importância da leitura? Pois bem. O tema de redação da última prova do Enem, essa que teve meio milhão de notas zero, foi “publicidade infantil em questão no Brasil”. Exatamente um mês antes do exame, o blog Maternar, desta Folha, trouxe uma reportagem sobre o tema:Às vésperas do Dia das Crianças, campanha denuncia publicidade infantil

Quem leu essa reportagem, já conhecia o debate, refletiu sobre ele e, com sorte, conversou sobre o assunto com colegas, família, quem seja. Pronto: temos aqui a construção de uma argumentação. Isso também é um exercício muito importante. É preciso convidar os jovens a se expressar com argumentos, com embasamento. É preciso ouvi-los.

EM SILÊNCIO

Para se ter uma ideia do que estou falando, imagine a seguinte cena: o estudante chega na escola, assiste às aulas passivamente, em silêncio, e volta para casa. Ninguém pergunta a opinião dele sobre nada, ninguém o convida a refletir, ninguém quer saber o que ele pensa, por qual motivo pensa e de onde vieram os argumentos. Nós não aprendemos a debater –já escrevi sobre isso em Quem não sabe debater xinga. Aí o aluno, sem aprender a debater, e ser nunca ter debatido, chega ao Enem e tem de escrever tudo o que ele pensa e sabe sobre um determinado assunto (no caso, publicidade infantil). Oi?

Claro, há técnicas de redação, uma espécie de receita de bolo. Introdução, argumento a favor, argumento contra, problematização, conclui. Ótimo, isso também deve ser ensinado na escola. Mas para seguir essa receita é preciso ter um mínimo de ingredientes, de informação e de argumentos. Sem isso, não tem bolo.

Um país em que um em cada dez jovens zera no item em que ele deveria se expressar, argumentar e se comunicar tem um problema. Estamos formando uma geração apática e silenciosa.