Cresce a oferta de cursos de bacharelado não tradicionais, mas ainda falta reconhecimento junto ao mercado.
Sustentabilidade, novas tecnologias, qualidade de vida, gestão da informação. São diversas as áreas apontadas como promissoras por pesquisas que buscam prever tendências e oportunidades de trabalho para os jovens. Na tentativa de alinhar-se às novas demandas econômicas e sociais, as universidades brasileiras ampliam o leque de graduações com cursos focados em novos nichos de mercado. “O modelo de formar pessoas apenas para as profissões já estabelecidas está mudando. É crescente a criação de cursos inovadores, tentativas de pensar as qualificações e profissões de uma maneira diferente”, afirma Carlos Antônio Monteiro, presidente da CM Consultoria, especializada em Ensino Superior.
Criada em 2005 e com um catálogo que inclui Gestão Ambiental, Gerontologia, Sistemas de Informação, Lazer e Turismo, Obstetrícia e Têxtil e Moda, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), campus da Universidade de São Paulo (USP) na zona leste da cidade, foi uma das primeiras instituições públicas a apostar no pioneirismo graças a uma questão legal – como o regimento interno da USP proíbe a oferta de cursos idênticos na mesma cidade, a unidade precisou pensar novos caminhos e possibilidades de qualificação.
“A ideia, então, foi detectar áreas que apresentavam carência de profissionais bem preparados, especificidades que não eram atendidas. E, por outro lado, indicar formações já prevendo problemas do futuro”, explica Thomás Haddad, vice-presidente da comissão de graduação. Assim nasceu, por exemplo, o curso de Gerontologia, pensado para abarcar o crescente envelhecimento populacional e suas consequentes mudanças sociais e de saúde. Já o bacharelado em Gestão Ambiental surgiu da relevância que o meio ambiente ganhou nas últimas décadas. “Por meio dos cursos tradicionais, a USP não conseguia dar conta destes nichos”, conta Haddad.
Na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), localizada no Rio Grande do Sul, a oferta de cursos não convencionais foi resultado de uma integração entre a proposta pedagógica da universidade e as demandas e potencialidades econômicas da região. A criação do bacharelado em Engenharia de Energias Renováveis e Ambiente, por exemplo, surgiu da necessidade de formar profissionais para atuar nos parques eólicos construídos no estado. Outra amostra é o bacharelado em Enologia, ciência que estuda a produção e conservação do vinho: hoje, 90% da produção vinícola do País está concentrada no Rio Grande do Sul.
“Nosso objetivo maior é criar esta integração e contribuir para o desenvolvimento local, gerando inovação e novos conhecimentos. São muitas as novas profissões que surgirão nos próximos anos e a universidade tem o papel de apontar caminhos”, explica Ulrika Arns, reitora da instituição. Uma das estratégias adotada pelas universidade que tem facilitado a inovação dentro dos bacharelados foi criação de campus temáticos, divididos por áreas do conhecimento. No campi de Caçapava do Sul, por exemplo, estão agregados os cursos voltados para as ciências da terra, como Tecnologia da Mineração, Geofísica e Geologia. “Ao pensarmos a universidade por áreas do conhecimento e não por cursos isolados, aparecem novas proposições que vão além daquelas tradicionais. Novas demandas são elencadas a partir daquele grupo de cursos ali reunidos”, explica Ulrika.
Proposta semelhante embasa a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Localizada em Foz do Iguaçu, no Paraná, tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, a instituição oferece graduações pensadas para fomentar áreas estratégicas para a integração entre os três países, além de um maior intercâmbio cultural e científico na América Latina. Entre estes cursos, destacam-se Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar, Saúde Coletiva, Engenharia de Energias Renováveis, Relações Internacionais e Integração e Antropologia – Diversidade Cultural Latino-Americana. “Um dos aspectos mais inovadores dos cursos é este enfoque latino-americano. No Brasil, há núcleos dentro das universidades voltados para o estudo desta questão, mas não formações sistemáticas que tenham como diretriz a realidade do continente, como faz a Unila”, explica Josué Modesto dos Passos Subrinho, reitor da instituição.
Na Universidade Federal do ABC (UFABC), com campi em São Bernardo do Campo e Santo André (SP), todos os estudantes ingressam em um bacharelado interdisciplinar, que pode ser em Ciência e Tecnologia ou Ciências e Humanidades. Além destas formações mais amplas, os alunos podem escolher sair com outros diplomas como Neurociência, Políticas Públicas e Planejamento Territorial. “A ideia é, primeiramente, dar uma formação generalista para o aluno e, em um segundo momento, ele pode optar por ter uma formação mais específica”, explica José Fernando Queiruga Rey, pró-reitor de graduação da instituição.
Entretanto, a empregabilidade dos egressos é ainda incerta. Formada em Gestão Ambiental pela Each, Mayra Jacob, de 24 anos, acabou desistindo da área após sucessivos empregos incompatíveis com suas expectativas e qualificação profissional. “O problema é que não há um espaço consolidado no mercado para o gestor ambiental. Muito se fala em sustentabilidade e outras questões ligadas ao meio ambiente, porém não existe uma regulamentação que garanta a atuação ou contratação desse profissional. Há empresas, por exemplo, onde a pessoa que responde sobre a questão ambiental é um advogado”, explica Mayra, que hoje trabalha no ramo do Turismo.
Além disso, frequentemente, os formados se veem disputando vagas com profissionais cuja qualificação não é de nível superior, como os técnicos. “Tenho colegas que hoje trabalham fiscalizando funcionários para ver se estão utilizando os equipamentos de proteção individual. Não é para essa função que se forma um gestor ambiental. Para isso, existem os técnicos em Segurança do Trabalho”, reclama Mayra.
A situação não é mais fácil para aqueles que tentam conquistar um emprego por concurso público, já que grande parte dos editais ignora as novas formações. Foi o que ocorreu com Pedro Souza, de 26 anos, bacharel em Esporte pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Aprovado para o cargo de técnico pedagógico desportivo em um concurso público do município de Praia Grande, no litoral sul de São Paulo, Souza viu-se impedido de assumir a função por causa da sua formação acadêmica, já que o edital apenas comtemplava Educação Física. “Não assumi a função e perdi o concurso. Alegava que não poderiam preferir o educador físico em detrimento do bacharel em Esporte para o exercício do cargo. Para mim, era muito claro que o edital não trazia o curso por desconhecer a carreira”, conta.
Para Souza, a questão central é que os formados em Esporte seguem sem reconhecimento nacional. “Quando falo para as pessoas que sou formado em Esporte, elas normalmente não entendem. Acham que sou formado em Educação Física ou que possuo um curso profissionalizante”, conta.
Para Monteiro, contribui para o problema o fato das entidades corporativas enxergarem os novos cursos como uma ameaça aos espaços conquistados pelas profissões tradicionais. “Hoje, o maior empecilho para a absorção destes egressos pelo mercado está na barreira criada pelos registros e conselhos profissionais. Basta olhar para o caso de Obstetrícia, um curso em luta constante com os conselhos Regional e Federal de Enfermagem para conseguir exercer a função (apesar de o bacharelado ser reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação desde 2008)”, aponta.
Esta excessiva burocratização, diz o consultor, faz com que a incorporação de novas ocupações seja mais lenta no Brasil comparada a outros países. “Há profissões que já estão bem consolidadas no resto do mundo e que, aqui, ainda têm dificuldade de encontrar espaço. É só olhar para a área do Turismo. O curso de Hotelaria no Brasil não vai para a frente, os profissionais formados nesta modalidade possuem até hoje dificuldade em estabelecer-se”, aponta Monteiro.
A percepção de que as novas carreiras competirão com aquelas mais tradicionais é errônea, diz Haddad. “A verdade é que a maioria destes cursos forma profissionais que, hoje, são inexistentes no mercado. Assim, longe de criar uma concorrência, a ideia é gerar uma mudança nas culturas profissionais”, explica.
Para Ulrika, o impasse só será resolvido por meio de um diálogo de aproximação com o mercado e outras instituições para divulgar e elucidar as novas carreiras. “O novo precisa ser compreendido para que possa ser acolhido. Estamos em uma força-tarefa para trabalhar nossas diretrizes junto aos conselhos profissionais e os municípios. Mas acredito que as inovações da universidade acabam pressionando uma modernização do mercado de trabalho e dos editais”, conclui.
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