RIO – Cantados tantas vezes em letras de sambas de compositores da Mangueira, orixás, capoeira e acarajé — elementos da África incorporados pelo Brasil — agora estão em publicação feita por crianças e jovens da favela localizada na Zona Norte do Rio. “Cartografia das Práticas Culturais Africanas na Mangueira”, produzida por professores e estudantes da ONG Arte de Educar, será lançada no próximo dia 16 na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), na Quinta da Boa Vista. Ao longo de meses, eles percorreram as vielas do morro batendo de porta em porta atrás de histórias sobre a influência da cultura africana na região. E encontraram de mães de santo a mestres de capoeira.
Cerca de 150 estudantes, de 8 a 15 anos, participaram do levantamento. Além do livro, que terá primeira tiragem de 300 exemplares, eles desenvolveram outras atividades ligadas ao assunto, como um jogo de perguntas e respostas sobre religião, escravidão, quilombos e alimentação relacionados à África.
— A maioria da população da Mangueira é negra, então nós temos valorizado a negritude entre os alunos. Por isso, trabalhamos com eles o que significa ser negro no Brasil, no Rio, na Mangueira — argumenta Lolla Azevedo, gestora de projetos da Arte de Educar, que oferece atividades no turno oposto ao escolar.
As fotos e entrevistas da publicação exibem histórias como a de Dona Baiana, como é conhecida Elenita Maria de Souza. A mãe de santo nasceu em Ilhéus, na Bahia, e se mudou para a Mangueira há 50 anos. Foi lá que aprendeu os ensinamentos sobre o candomblé com Maria Baiana, uma conhecida senhora da comunidade na época que considerava como avó. Hoje, ela igualmente transmite os conhecimentos para netos biológicos e de santo.
— Nossa religião tem muito a ensinar: sobre danças, cantos e mesmo a relação com a natureza. Temos de manter nossas tradições. Aqui, ainda fazemos festas, como o caruru dos erês, por exemplo.
‘AINDA EXISTIA PRECONCEITO’
Rose Carol da Silva, coordenadora local da ONG, explica que ao buscar as origens da favela e da sua população foi possível elucidar dúvidas dos alunos sobre temas como a religiosidade do candomblé e da umbanda.
— Resgatando nossa história nos identificamos com a afrodescendência. Constatamos que ainda existia preconceito entre os meninos e meninas. Mas se deparar com essa realidade contribuiu para eles entenderem que essas práticas, assim como as rezas, fazem parte de sua identidade — explica.
Larissa Bolini, de 13 anos, participou do mapeamento e confirma
— Pensava que o que essas religiões faziam era errado. Mas entendo que não fazem o mal. É bom saber as coisas para não criticar o que não conheço — admite a menina.
Outra crença antiga ainda preservada na Mangueira, descobriram os jovens, é a reza. Um dos personagens encontrados pelos estudantes foi Diara, Esmediara Santos da Sena, rezadeira que vive na comunidade há mais de seis décadas. Ela usa ingredientes como ervas medicinais, limão, mel e alho para fabricar xaropes usados para tratar moradores acometidos por doenças respiratórias e intestinais.
— Aprendi as receitas com uma tia e pratico desde os 35 anos. Já curei muita gente e até hoje recebo muitos pedidos de visita. Tem dias que são tantos chamados que não consigo nem parar para dormir — diz, orgulhosa
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