Caso do goleiro Aranha reacende a discussão sobre o preconceito no país.
Assista a vídeos com as respostas de entrevistados sobre o tema.
Novos casos reacendem a discussão sobre o peso do preconceito racial no Brasil. Ofensas diárias contra negros e indígenas, principalmente, e episódios de discriminação de notoriedade questionam a ideia de harmonia racial no país. O goleiro Aranha, do Santos, foi chamado de “macaco” pela gremista Patrícia Moreira e por outros torcedores do clube durante um jogo e se voltou contra os gritos da arquibancada em um caso que ainda é debatido nas ruas.
O G1 fez a pergunta “o Brasil é racista?” a vítimas de injúria racial, artistas e antropólogos. Veja as respostas abaixo:
VINÍCIUS ROMÃO DE SOUZA, ator e psicólogo
Foi considerado injustamente suspeito de assaltar uma mulher no Rio, em fevereiro deste ano, e passou 16 dias em uma prisão. Leia sobre o caso.
“O Brasil é um país racista, sim. Pelos fatos que estão acontecendo e sempre aconteceram, e têm tomado maiores proporções. As pessoas têm mais informações, o que seria uma forma de combater o racismo. Eu não tinha vivido preconceito, não sei se por ser ingênuo ou se eu nunca reparei. Meus amigos, as pessoas com quem eu convivo, nunca me puseram apelido pejorativo, nunca liguei pra essa questão, porque eu sempre fui muito respeitado pelas pessoas do meu círculo social. Na verdade, o racismo dela [mulher que o acusou de tê-la assaltado] foi de generalizar os negros, mas acredito que fui preso porque a autoridade não fez o caminho certo.Vejo que o racismo mudou, não aparece na forma de agressão como antigamente, agora é mais emocional. É mais psicológico. Prende a mente das pessoas para que elas se sintam inferiores e não se achem dignas de um lugar de destaque.”
JAIR OLIVEIRA, cantor
“Não tem como dizer que o Brasil não é racista. O Brasil abraça o racismo de uma forma muito cruel e maldosa. É de uma forma velada, enfim, todo tipo de racismo, velado ou não, é muito prejudicial. Aqui no Brasil o preconceito racial está muito ligado ao preconceito social. Eu já nasci em um contexto em que meu pai negro [o cantor Jair Rodrigues] tinha um status diferente. Ele era conhecido. Então, pra gente, isso já mudou muito. Mas eu, como qualquer outro negro, tenho histórias de preconceito. Já fui parado pela polícia por acharem que eu estava em uma situação fora da lei – simplesmente, por eu ter a cor mais escura. Também já aconteceu de estar em shopping com a Tânia [Kallil, esposa] e entramos em uma loja e o segurança ficar me acompanhando. São situações horrorosas, mas costumo não me deixar abater, até porque não sofro isso diariamente. São casos mais raros e eu sei que isso tem ligação com o fato de ser conhecido, de não ser um negro desconhecido, porque essa variável da equação faz uma diferença gigantesca.”
ROBERTO DA MATTA, antropólogo
“No mundo ocidental, partindo de determinados pensamentos filosóficos, intelectuais e históricos, a gente tem essa ideia de que as coisas têm uma essência, elas não mudam. Então, existe essa ideia de que se misturar um negro puro e um branco puro dá merda. Não é verdade. E o Brasil é prova de que não é verdade. A lei é importante porque ela alerta. Minha visão do Brasil neste momento é pessimista. O racismo, na maioria dos casos, é inocente, acontece no dia a dia, em casa, com os filhos, com os amigos. Mas tem de punir, sou favorável à punição. O preconceito não acaba e ele se torna incontrolável. Já fui vítima de preconceito no sul dos EUA por ser latino, em 1963.”
BRUNO VERON, cantor de banda indígena de rap Brô
Em 2012, uma usuária do Facebook chamou os integrantes do grupo de “fedorentos” e o Ministério Público Federal em Dourados, MS, abriu uma investigação. Leia sobre o caso.
“O Brasil, do 100% da população, metade é racista. Aqui em Dourados (MS) é por causa da disputa de terra, de fazendeiro, por isso que aqui há o preconceito. Por questões de terra e luta. E nós sempre somos barrados quando vamos em alguma loja, porque somos indígenas. Isso acontece muito aqui. Eu acredito que o racismo diminuiu um pouco, acredito que ele existe ainda, mas que diminuiu. Agora as pessoas reconhecem mais os indígenas, o Brô ter aparecido na Xuxa, ter representado os indígenas, fez com que as pessoas tenham mais respeito. E o sucesso ajudou a diminuir o preconceito, abriu portas. Tem mais pessoas a favor da gente [em relação ao caso], as pessoas aqui da minha aldeia querem ser igual ao Brô, eles estão vendo que nós indígenas estamos evoluindo junto com os brancos. Nós não vamos ficar só no cocarzinho, a gente também está evoluindo.”
EGOR VASCO BORGES, moçambicano, faz doutorado no Brasil em ciências sociais
Ele era aluno da Unesp de Araraquara (SP), quando paredes foram pichadas com mensagens racistas como “sem cotas para os animais africanos”, em abril de 2012. Leia sobre o caso.
“O Brasil tem características de preconceito e de racismo. Quando a gente chega ao aeroporto já nota isso, muda alguma coisa, o policial já lhe trata diferente dos demais passageiros. Você fica travado, todos vão embora e sua bagagem fica correndo sozinha na esteira. Na faculdade [Unesp] escreveram na parede mensagens racistas. Em Moçambique, de onde eu venho, o preconceito é entre diferentes etnias, diferente do que acontece no Brasil. O racismo dói demais. O mais peculiar é que aqui no Brasil o racismo é oculto, disfarçado, dissimulado. Até o negro brasileiro é racista. Ele se acha melhor que o negro africano. Isso é complexo, pois o negro daqui acha que é superior que o africano, que vem de outro lugar.”
TONY TORNADO, ator e cantor
“Já estou velho, tenho 83 anos e venho falando isso há tempos. O preconceito existe contra gordo, magro, baixinho, mas o racismo é mais pesado. A cor da pele não determina o caráter. Estamos correndo o risco de voltarmos ao tempo da escravatura. O que falta para o brasileiro é educação. Se não cuidarmos dela, o Brasil vai estar bem encaminhado para ser um país racista. Os EUA é um país educado, mas lá a coisa é heavy metal, barra pesada. Felizmente não temos essa violência aqui, mas estamos perto de ter. Já sofri, sofro e vou sofrer com racismo. Não é porque sou famoso que escapo disso. Fui casado com a Arlete Sales, que é branca, e enfrentamos muito preconceito por isso. Temos de chacoalhar o país para acabar com o racismo.”
KARINA CHIARETTI, corretora de imóveis
Em um shopping de São Paulo, ela foi chamada de “macaca” pela aposentada Davina Apparecida Castelli, que foi condenada pena de quatro anos e 39 dias de prisão em regime semiaberto e multa de R$ 28.960 de indenização por danos morais. Leia mais sobre o caso.
“O Brasil e o brasileiro é racista. Eu posso afirmar, porque eu fui vítima. Eu fui a primeira pessoa da minha família a sofrer com o racismo. Racismo é crime e a lei deveria ser cumprida. Mas no Brasil as pessoas acham que só bandido deve ir pra cadeia. É como se o agressor não merecesse ir para a cadeia. A Polícia do Estado de SP não tem não tem pessoas aptas a lidar com esse tipo de coisa, eles não tem preparo. Eles ficam na dúvida se prendem ou não. O racismo é considerado crime em qualquer lugar, parece que em todo lugar funciona menos aqui. Eu fui educada numa família de valores claros. Minha filha tem 11 anos, estava comigo no caso da agressão, na época tinha 9 anos, E meu filho, tem 14 anos, e desde pequenos sempre souberam disso [que racismo é crime], que é passível de prisão, se alguém ofendê-los de macaco, ou do que for, essa pessoa pode ser presa.”
CLAUDINEIA GOMES, cobradora de ônibus
Foi chamada de “preta safada” e “negra ordinária” por uma passageira do ônibus em que trabalhava em Taguatinga, no Distrito Federal, em fevereiro deste ano. Leia sobre o caso.
“O tempo passa e isso não muda, ainda existe o pensamento hipócrita de racismo. Trabalho com pessoas e esse preconceito mudou minha cabeça. Depois que sofri preconceito passei a dar mais atenção aos idosos, aos deficientes e mulheres grávidas. O ônibus não sai se eles não estiverem acomodados. Eu pensava que cada um devia buscar os seus direitos, mas hoje penso diferente, temos de ajudar uns aos outros.”
YVONNE MAGGIE, antropóloga
“O Brasil tinha uma visão de si mesmo, até pouco tempo atrás, de que a nação reprimia o racismo. O racismo é uma praga, é uma violência de uns contra os outros. O Brasil tinha essa característica de reprimir esse sentimento, e deve mesmo. Tudo que é nefasto deve ser reprimido. A nossa legislação não dividiu o país em raças. O estado não pode atuar a não ser reprimindo. No caso do goleiro Aranha, ele justamente ficou ofendido, mas me impressionou o julgamento ter sido tão rápido e racial. Outros clubes não foram punidos, aí eu acho que houve uma certa esperteza, porque o Grêmio estava praticamente eliminado [O Santos ganhou o jogou em questão por 2 x 0]. O Brasil reprime o racismo. Para o brasileiro é mais ofensivo o crime de racismo do que a morte. O racismo provoca mais dor do que um homicídio. Não aceitamos que alguém seja desrespeitado, muito embora não indique que o racismo não exista. Existe.”
MARCIANO DUARTE
Pai de uma criança que diz ter sido chamado de “sujo e fedido” em uma escola de Mato Grosso do Sul por ser de origem indígena. Leia sobre o caso.
“Eu acho que as pessoas não respeitam mais as outras. Mas somos todos iguais. O Brasil é de todo mundo. Nós que moramos no Brasil, a única coisa que é diferente é que nós, os índios, falamos diferente, só que somos todos do Brasil. Quando a gente vota, votamos para presidente, vereador, governador, tudo para ajudar a gente. É tudo igual. Eu respeito todo mundo. Eles têm que respeitar a gente também. Meu filho não foi respeitado na escola. Vieram falar pra mim que deram risada do meu filho e falaram do meu filho. Para nós, o homem branco é igual ao índio, é a mesma coisa. Não moram todos no Brasil? Só agora que o índio está começando a ser respeitado. Deus vai nos ajudar e vai trabalhar pela gente. Essa gurizada precisa estudar.”
*Colaborou Isabella Formiga, do G1 DF
Comentários