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A partir do ano que vem, estudantes que ingressarem na Uerj pelo sistema de cotas vão passar por uma espécie de blitz. Por causa de episódios recentes de fraude na autodeclaração de cotistas, a universidade decidiu atuar com mais rigor. Os alunos poderão ser chamados a qualquer momento da graduação para comprovar, diante de uma comissão, os dados informados no ato da inscrição.

— O Ministério Público pediu que essa investigação fosse feita com todos os cotistas aprovados, entre a divulgação do resultado e o início do ano letivo. Como não há tempo hábil, concordou-se em fazer a ratificação ao longo do curso — explica Bruno Garcia Redondo, procurador da Uerj: — A denúncia é o meio mais fácil de um aluno ser convocado, mas a comissão pode chamar qualquer um, a qualquer hora.

Na inscrição, a justificativa para entrar na reserva de vagas será feita por escrito e por questões de múltipla escolha. Quem optar pela cota racial vai se deparar com quesitos semelhantes aos usados pelo IBGE no Censo, como a cor da pele e a ascendência.

— A ideia não é virar um tribunal racial. A gente aumentou o número de quesitos para ter um controle mínimo e tentar inibir ao máximo as fraudes. No caso da cor da pele, como não há um critério legal ou científico, vamos avaliar caso a caso — diz Redondo.

Por ser mais contestada, a cota racial vem sendo menos escolhida. Negros que são oriundos da rede pública têm priorizado a segunda opção.

— As pessoas relevam as outras cotas, mas a racial ainda é muito contestada. Eu, por exemplo, sou encarada como branca. Até se espantam quando conhecem minha mãe — diz Soraya Miranda Castello Branco, de 28 anos, formada em Biologia pela Uerj.

Mãe de Soraya, Diná Miranda Barbosa, de 56 anos, foi, em 2003, a primeira da família a ingressar na universidade e uma das estreantes do sistema de cotas da Uerj.

— Fiz vestibular quando era jovem e passei para uma universidade particular, mas não pude nem me inscrever. Só realizei o sonho 25 anos depois — diz a historiadora, que entrou pela cota racial.

Soraya e sua caçula, Helena, de 23 anos, que cursa Serviço Social, optaram pela reserva para a rede pública.

Alerta para punições

Além de detalhar ao máximo a autodeclaração, a Uerj adotou outra medida para declarar guerra às fraudes: o edital do vestibular trará o alerta de que quem mentir na inscrição poderá sofrer punições na esfera penal, administrativa e civil.

— Temos recebido a informação de que alguns cursinhos estão orientando alunos que passam no corte socioeconômico a se inscrevam em cotas pela autodeclaração, mesmo sem serem negros. É lamentável — diz Lená Medeiros de Menezes, sub-reitora de graduação.

Desde a implantação da reserva de vagas na universidade, 66 cotistas foram investigados por fraude, sendo que dois foram expulsos e outros três abandonaram a faculdade. O caso de jubilamento mais recente aconteceu este mês, com uma aluna de Administração que não teve o nome divulgado. Em março, Bruno de Barros Marques, aluno de Medicina, também foi punido por declarar que sua família tinha uma renda mais baixa do que a verdadeira.

— Nos dois casos, percebemos que eles deixaram de apresentar documentos na análise socioeconômica e até falsificaram algumas coisas. Eles tiveram suas matrículas anuladas, e isso vai acontecer com qualquer outro que tente burlar o esquema — avisa Lená.

Do sonho ao sucesso profissional

Maria Ângela dos Santos, de 60 anos, começou a trabalhar como explicadora, logo após o ensino médio, para ajudar a família. Moradora de Realengo, cuidou de perto da educação das três filhas e vibrou ao vê-las em universidades públicas. Quando a caçula foi aprovada no vestibular, chegou a vez de Maria realizar o sonho.

 

— Era 2003, vi a notícia das cotas. Tentei e entrei na faculdade aos 49 anos — conta a professora.

Já Thiago Sabino, de 25 anos, filho de doméstica, entrou por cota em Engenharia de Produção e hoje trabalha numa multinacional:

— Minha mãe não estudou, mas é meu grande norte. Sempre me incentivou.

Queda e retomada do número de cotistas

Em 2003, os primeiros 3.045 alunos ingressaram na Uerj pelo sistema de cotas. No ano seguinte, o número caiu para 2.089, o que representou uma queda de 31,4%. De acordo com a universidade, havia uma demanda reprimida muito grande nos primeiros anos, o que explicaria a queda, nos anos seguintes.

O número de cotistas em 2014 (1.680) foi o maior desde 2004. A retomada da demanda pelo benefício é creditada ao êxito de um programa criado pela universidade para ir às escolas públicas explicar como e quem pode usufruir da reserva de vagas.

Em uma década, o sistema de cotas já atendeu 19.785 alunos. Deste total, 8.743 ingressaram por cota racial, 10.700 pela rede pública e 342 pelo grupo que engloba deficientes e filhos de bombeiros, policiais ou inspetores de segurança e administração penitenciária mortos ou incapacitados.

Em 2003, a cota racial correspondia a 63,9% da demanda total, enquanto os oriundos da rede pública eram 36,1% dos cotistas. Em 2014, os negros e índios passaram a representar 46,1%, enquanto o outro grupo respondeu por 51,2% dos cotistas. O terceiro grupo (deficientes e filhos de bombeiros, policiais, etc.) representou pouco mais de 2%.

Desde 2004, quando uma lei estadual passou a balizar o sistema, definindo a reserva de 45% das vagas aos cotistas (20% para cota racial, 20% para a rede pública e 5% para os outros), a Uerj nunca conseguiu preencher o percentual máximo de cotistas.