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Levantamento mostra evolução nos números da USP entre 1989 e 2014.
Instituição vive crise financeira e greve de quase três meses.

O número total de estudantes matriculados na Universidade de São Paulo (USP) cresceu 95,8% em 25 anos, de 44.811 em 1989 (quando por lei a universidade passou a ter autonomia financeira) para 87.751 em agosto de 2014, segundo um levantamento feito por professores do Instituto de Biociências (IB) e dos dados atualizado pela reitoria da instituição para agosto deste ano. No mesmo período, o número de professores na universidade foi de 5.626 para 6.008, um aumento de 6,8%. Já a quantidade de funcionários, a única que chegou a cair 13,5% entre 1989 e 2009, voltou a subir nos últimos cinco anos e igualou o patamar de 25 anos atrás.

Esses dados fazem parte de uma carta pública divulgada pelos docentes do IB-USP em agosto. Parte dele também consta de um dos boletins informativos de greve divulgados pela Associação dos Docentes da USP (Adusp) neste mês. Ao contrário dos demais professores em greve, os docentes do IB, que fica na Cidade Universitária, na Capital paulista, pararam suas atividades há cerca de 20 dias.

Procurada pelo G1, a assessoria de imprensa da reitoria da USP afirmou que não comentaria o conteúdo da carta. A USP compilou uma série de dados mostrando a evolução do repasse de recursos do governo à universidade desde 2009 para explicar o aumento do peso que a folha de pagamento de professores e funcionários nos últimos anos.

A crise na universidade teve seu estopim em maio, quando o novo reitor, Marco Antonio Zago, decidiu congelar os salários dos servidores docentes (os professores) e os não-docentes (os funcionários), alegando que a folha de pagamento havia atingido 105% do orçamento total de R$ 5,17 bilhões(veja ao lado entrevista do reitor da USP ao Bom Dia Brasil).

Desde então, professores ligados à Adusp, funcionários do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e estudantes deflagaram uma greve que já dura quase 90 dias, e outros cortes de gastos foram anunciados, como um plano de demissão voluntária para mais de 2 mil funcionários e a desvinculação do Hospital Universitário da Cidade Universitária e um hospital na USP de Bauru para a Secretaria Estadual da Saúde.

Essas duas propostas precisam ser referendadas. “Ainda não é possível fornecer dados sobre a economia prevista até que o tema seja aprovado no Conselho Universitário”, afirmou a reitoria. Outra medida anunciada para conter gastos foi o fechamento de escritórios em Boston, Londres e Cingapura, que tinham sido abertos no ano passado pela administração anterior, com despesas de R$ 400 mil por mês.

O reajuste salarial só deve ser negociado com os grevistas em setembro, e a recusa da reitoria em negociar com os sindicatos tem criado episódios de tensão como o da quarta-feira (20), quando funcionáriostentaram trancar os portões da Cidade Universitária, em São Paulo, e foram reprimidos pela Polícia Militar (veja no vídeo ao lado). Durante a tarde, uma reunião de conciliação entre grevistas e reitoria no Tribunal Regional do Trabalho (TRT)terminou sem acordo. Os funcionários querem 9,78% de aumento e exigem que a reitoria reveja o corte do ponto. A reitoria da USP diz que a folha de pagamento já consome mais do que todo o orçamento da universidade e que não tem condições de dar o reajuste.

Aumento da qualificação e da produtividade
Já os professores têm pressionado a reitoria a abrir o diálogo por meio de aulas, seminários e debates sobre as causas e consequências da crise financeira, além da divulgação de levantamentos como o da carta do IB-USP. Segundo o professor da unidade André Frazão Helene, a decisão de publicar a carta foi uma tentativa de abrir um debate sobre como a expansão das três universidades estaduais paulistas (incluindo a Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, e a Universidade Estadual Paulista, a Unesp) gerou uma demanda de novos recursos que não foi atendida com o aumento de verba.

“Uma das coisas que salta aos olhos é o fato de que houve expansão muito grande dentro da estrutura universitária. Olhando por essa perspectiva, o que aconteceu podia ser previsto. Uma vez que de certa forma você gerou um aumento muito grande de demanda por recursos, em algum momento você vai passar por uma crise de financiamento.”

O número de vagas que mais cresceu no período foi o de alunos matriculados no doutorado: 231%. O número de alunos na graduação subiu 83% e a quantidade de alunos fazendo mestrado aumentou 63%. A quantidade média de alunos por professor na USP aumentou 85%, e a quantidade de alunos por funcionário técnico-administrativo cresceu 106%, segundo anuário estatístico da instituição.

Apesar de crescer em menor número, a categoria de professores ficou mais qualificada: em 1989, só 66,33% deles tinha título de doutor ou superior. Em 2012, essa porcentagem era de 99,13%. Também aumentou a porcentagem de professores em regime de dedicação integral à universidade, de 76% para 86%.

Mais produção científica
No mesmo período analisado, a USP se tornou mais produtiva cientificamente: a média de trabalhos publicados por docente ativo mais que dobrou, de 2,7 para 5,6, e o número de trabalhos de professores da instituição indexados pelo Instituto de Informação Científica (ISI, na sigla inglês), uma das principais bases de dados internacionais de pesquisas qualificadas, se multiplicou de 1.014, em 1989, para 9.893, um aumento de 876%.

“A USP fez o dever de casa”, diz Helene, lembrando que, no mesmo período, considerando a inflação, o poder relativo de compra do salário médio dos professores acabou caindo 9,5%, sem levar em conta a proposta de reajuste zero.

“A gente não produz carro, geladeira, fogão, mas produz uma coisa importante, a gente produz o engenheiro que vai trabalhar na linha de produção da geladeira, do fogão, do carro. A USP tem de 20% a 30% de toda a produção acadêmica brasileira, grandes polos de produção científica na América e no Cone Sul”, explicou o professor.

Entenda o financiamento da USP
Entre 2009 e 2013, o dinheiro bruto que o governo estadou repassou para a USP cresceu 50,7%, de R$ 2,89 bilhões para R$ 4,36 bilhões, segundo os dados das planilhas produzidas pelo Cruesp e divulgadas pela Coordenadora de Administração Geral da USP (Codage). Esse dinheiro corresponde à parte do ICMS reservada para a universidade.

O problema, segundo apontam os professores, é que o crescimento anual da arrecadação do imposto tem perdido força há vários anos, e de forma acentuada desde 2011 (veja nos gráficos ao lado). “A crise da USP já era anunciada, muito antes de aparecer no cenário da crise atual”, disse o professor André Helene ao G1.

Desde 1989, o orçamento das três universidades paulistas é o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Desde 1995, a alíquota (a porcentagem do imposto arrecadado) repassada a elas é de 9,57%. Mas, na carta pública, os professores lembram que, a partir de 2001, a USP, a Unicamp e a Unesp começaram a implantar um projeto de expansão acordado com o governo para aumentar o número de vagas em um ritmo de 5% ao ano.

Em 2005, depois de criarem mais de 5.500 vagas novas de graduação (ou mais de 20 mil, considerando os quatro anos do curso), os três reitores, reunidos no Conselho de Reitores das Universidades Paulistas (Cruesp), fizeram duas solicitações: o aumento da alíquota para 10,27%, para custear as crescentes despesas permanentes, principalmente com a folha de pagamento, e R$ 176 milhões de recursos extras para concluir o projeto de expansão planejado.

Passados dez anos, o valor da alíquota continua o mesmo. Como a arrecadação do ICMS começou a perder força, o dinheiro repassado à USP passou a ser cada vez menor em relação aos gastos.

Segundo dados da Secretaria da Fazenda do governo estadual citados pela reitoria da USP, entre 2007 e 2013 o crescimento nominal da receita de ICMS –a maior fonte de recursos do governo, segundo a secretaria– foi de 83% e, descontada a inflação, ela aumentou 31%. Por isso, o problema financeiro da universidade não seria de falta de recursos, mas sim da má gestão do dinheiro.

Desde 2012, a universidade, que até então fechada suas contas no positivo, passou a usar o fundo de reserva para conseguir balancear os gastos a cada ano. Em 2012, foram usados R$ 572 milhões desse fundo. Em 2013, o valor retirado foi de R$ 1 bilhão.

No orçamento de 2014, a expectativa é que outros R$ 575 milhões precisem ser resgatados para que a USP consiga pagar suas contas –esse valor corresponde a 12,5% a mais das receitas esperadas.