Após ouvir 80 estudantes do primeiro ano do curso de medicina, a Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), escola estadual paulista, uma das mais conceituadas do País, concluiu nesta quarta-feira que houve trote violento na “festa do bicho”, realizada em 18 de março deste ano, num clube próximo à escola.
Durante 30 dias, uma comissão da escola ouviu os estudantes calouros, sendo que 19 deles relataram a existência de atitudes que caracterizam a ocorrência de trote violento. A festa, para recepção dos calouros do curso de medicina, foi organizada pelos estudantes veteranos. Sete destes estudantes tiveram seus nomes relacionados e agora vão responder sindicância para esclarecimento dos fatos.
Nos depoimentos, os 19 estudantes disseram que presenciaram cenas de humilhações verbais e físicas contra os calouros e que os veteranos ameaçaram e coagiram os alunos mais novos para que participassem da festa. Além disso, confirmaram que os calouros foram recebidos com “banhos” de cerveja gelada sobre a cabeça e o corpo e que estudantes foram obrigadas a comer alho cru e a consumir bebidas alcoólicas.
A denúncia do trote partiu do estudante Luiz Fernando Alves, de 22 anos, que abandonou o curso de medicina após, segundo ele, ter sido agredido fisicamente e psicologicamente pelos veteranos. Alves diz que foi colocado nu sobre um palco e teve cerveja gelada derramada sobre o corpo, que também recebeu urina, socos e chutes de outros alunos. Ele foi encontrado inconsciente, seminu, com vômitos e urina sobre o corpo, na manhã seguinte, à beira de uma piscina, num clube a poucas quadras da Famerp, onde a festa foi realizada.
Ao denunciar o caso à polícia e à direção da faculdade, Alves recebeu ameaças de morte e largou o curso, retornando para a casa da família, em Contagem (MG). O rapaz, segundo familiares, tem comportamento retraído, passa por tratamento com psicólogos para se desinibir, e agora, por conta das agressões, não pretende voltar mais a estudar em Rio Preto.
O diretor-geral da Famerp, Dulcimar Donizeti de Souza, disse que a escola está nomeando uma comissão de sindicância para esclarecer os fatos e apurar as responsabilidades. “Estamos instalando uma comissão de sindicância, com poder de investigação, para ouvir os 19 estudantes que relataram os fatos ocorridos e os sete estudantes veteranos acusados de terem promovido o trote”, disse o diretor. “Essa comissão tem prazo de 10 dias para ouvir os 19 estudantes, que devem contar como os fatos ocorreram, e os sete veteranos, que poderão estar acompanhados por advogados para se defender”, completou Souza.
Segundo ele, depois de concluída coleta de depoimentos, a comissão entregará um relatório final à direção da faculdade, sugerindo a penalidade aos estudantes responsáveis pelo trote violento.
“A direção deverá anunciar a punição, que pode ser de advertência, suspensão ou mesmo expulsão da escola”, afirmou. No entanto, de acordo com Souza, os estudantes acusados ainda poderão recorrer, no caso de suspensão, a um conselho departamental (que reúne diretores de departamentos); e no caso de expulsão, a um conselho de congresso (que reúne representantes de todas as instâncias da faculdade). Souza disse acreditar que até a segunda quinzena de maio, o caso estará inteiramente apurado pela faculdade.
Telefonema
O diretor-geral da Famerp conversou, por telefone, com o estudante Luiz Fernando Alves. A conversa foi a primeira entre ele e o estudante. “Dissemos a ele que estamos apurando o caso, que a escola está corrigindo um erro cometido por seus alunos – embora a festa tenha se realizado fora das dependências da escola — e que estamos abertos para recebê-lo para que possa estudar”, disse.
No entanto, segundo Souza, Alves não quer voltar a estudar na Famerp. A escola chegou a propor ao estudante que reformaria o calendário para que ele não perdesse o ano, mas o rapaz não aceitou. A Famerp propôs ainda, caso Alves não queira estudar em 2014, poderá fazê-lo em 2015, que manterá sua vaga em aberto, mas mesmo assim, aparentemente, o rapaz se manteve irredutível. “Vamos esperar que o tempo possa fazê-lo mudar de opinião”, disse Souza.
Promotoria apura
Paralelamente à Famerp, o Ministério Público (MP) investiga as responsabilidades pelo trote violento. De acordo com o promotor José Heitor dos Santos, o MP investiga não só os estudantes que participaram do trote, mas também a faculdade, por supostamente não ter tomado medidas preventivas para evitar o trote violento, como determina lei estadual. Segundo Santos, o Ministério Público também investiga os diretores da escola, que, na esfera civil, podem ser denunciados por improbidade administrativa. O caso, que tinha sido arquivado pela Polícia Civil, foi reaberto por determinação do Ministério Público depois que a Secretaria dos Direitos Humanos, do governo federal, requisitou informações sobre a ocorrência do trote.
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